Nos primeiros nove meses do governo Bolsonaro, a procura da imprensa por informações do Ministério do Meio Ambiente quadruplicou. No entanto, 77% dos pedidos de jornalistas não foram respondidos pela assessoria de comunicação do ministério. Quase oito em cada dez solicitações dos repórteres ficaram na gaveta.
Os dados são do próprio ministério e foram obtidos pelo Observatório do Clima e por O Eco por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles consideram o período de janeiro a setembro.
Nesse intervalo, a assessoria de comunicação (Ascom) recebeu 2.221 demandas de imprensa e respondeu a 528 (23% do total). No ano passado, nos mesmos nove meses, foram 584 pedidos recebidos e 315 respondidos (54% do total). Mesmo considerando o aumento de 280%, o número de atendimentos caiu 40% em relação ao ano passado.
Os dados refletem a estratégia de comunicação imposta pelo ministro Ricardo Salles ao ministério e às autarquias vinculadas, em especial o Ibama e o Instituto Chico Mendes. Segundo funcionários e ex-funcionários da pasta, Salles centralizou a comunicação do ministério nele próprio, frequentemente deixando a Ascom às escuras.
O ministro tem um estilo peculiar de manejar a imprensa. Diferentemente de todos os seus antecessores, Salles evita conversar com repórteres especializados na cobertura ambiental e frequentemente, quando confrontado, critica o noticiário sobre sua pasta, dizendo que este ou aquele episódio “não é como foi noticiado”.
No caso da explosão do desmatamento em junho, por exemplo, o ministro convocou uma entrevista coletiva para apresentar resultados de uma análise supostamente feita pelo ministério que provaria que os dados do sistema Deter, do Inpe, continham “imprecisões” e que as manchetes eram, portanto, “sensacionalistas”. Nem a imprensa, nem o Inpe jamais tiveram acesso ao estudo.
A centralização das comunicações tem dificultado à imprensa cumprir a regra de ouro do jornalismo: ouvir sempre o outro lado de qualquer história. Reportagens que envolvem polêmicas ou decisões antiambientais do ministério em geral vêm com a explicação: “Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou”. Um caso típico ocorreu nesta quinta-feira (5), quando a Folha de S.Paulo publicou que Salles, após se reunir com criminosos ambientais, determinou a suspensão da fiscalização do ICMBio na Reserva Extrativista Chico Mendes, uma unidade de conservação federal .
O autor da reportagem, Fabiano Maisonnave, correspondente da Folha na Amazônia, conta que está acostumado a não ter resposta do MMA. “Enviei 11 solicitações a eles por e-mail desde o começo do ano e nenhuma foi respondida”, afirma.
Repórter com mais de duas décadas de experiência, Maisonnave já trabalhou como correspondente em Caracas, Pequim e nos EUA. “O único outro lugar em que nunca me respondiam era a Venezuela”, conta.
Mordaça
Como já amplamente noticiado, o ministro também impôs censura à comunicação do Ibama e do ICMBio. Nenhum dos dois órgãos é autorizado mais a se comunicar diretamente com a imprensa, direito garantido a autarquias federais pela Lei 7.735/1989. Desde março, todo jornalista que escreve à assessoria de comunicação do Ibama solicitando informação recebe um e-mail explicando que sua demanda foi encaminhada ao Ministério do Meio Ambiente. Lá, como mostram os dados, ela é em geral engavetada.
Curiosamente, isso não se reflete formalmente no desempenho da própria comunicação do Ibama: também por meio da LAI, a autarquia informou que 83% dos pedidos foram respondidos. Isso ocorre porque o Ibama elabora as respostas e as encaminha para o MMA. Mesmo que a resposta nunca chegue ao jornalista, o Ibama dá o pedido como atendido.
A censura ao Ibama foi decidida por Salles e comunicada pelo então chefe da Ascom do MMA, Pallemberg Aquino, militar do Exército. Está em vigor desde 13 de março , dia da exoneração do então chefe de comunicação do Ibama, Felipe Werneck. Vem sendo reforçada desde então pelo presidente da autarquia, Eduardo Bim, que chegou a baixar um código de ética em 11 de julho vedando aos servidores “manifestar-se em nome da instituição quando não autorizado pela autoridade competente, nos termos da política interna de comunicação social”.
“O pessoal acha que tem censura porque acreditam que têm o direito de falarem o que quiserem, quando quiserem e para quem quiserem enquanto servidores do Ibama. O que fazemos e defendemos, e não é segredo, é centralizar as demandas de mídia e autorizar”, disse Bim. “Você pode ver que tem várias entrevistas dadas pelos servidores.” Bim enviou à reportagem um arquivo contendo 50 links com entrevistas concedidas neste ano por servidores do órgão.
O Ministério Público Federal considera haver, no mínimo, uma limitação à comunicação do Ibama e do ICMBio. Em 4 de setembro, 17 procuradores expediram uma série de recomendações a Salles, entre elas a de parar de “dar declarações públicas que, sem comprovação, deslegitimem o trabalho do Ibama e do ICMBio” e a de apresentar, em até 30 dias, “uma política de comunicação pública adequada que permita aos servidores públicos do órgão cumprir o dever legal e constitucional de prestar contas à sociedade”.
Os fiscais têm relatado prejuízo com a mordaça. Um documento técnico produzido pela fiscalização e encaminhado ao presidente afirma que a submissão da Ascom do Ibama ao MMA tem dificultado a dissuasão e o esclarecimento da população sobre o trabalho do órgão ambiental.
“Sabe-se que as ações de fiscalização do Ibama são por excelência ações pontuais e nesse contexto a divulgação de uma ação localizada auxilia na dissuasão do crime ambiental na medida em que a mesma é publicizada, ganhando em alcance e amplitude para além do local de sua execução”, afirma o documento. Isso estaria se perdendo com a decisão de centralizar as comunicações no MMA – que, ainda segundo o documento, nunca foi formalizada pela presidência do Ibama. Além disso, os fiscais se queixam do aumento de número de notícias negativas na imprensa envolvendo o Ibama.
Werneck, procurado pelo OC, afirma que se trata, sim, de censura. “O primeiro sinal de qualquer regime autoritário é o controle da comunicação. Começaram pela censura e agora já falam abertamente em AI-5 e licença pra matar. O único projeto desse governo na área ambiental é acabar com os índios e a floresta.”
A Ascom do MMA foi procurada duas vezes para esta reportagem, por e-mail, como é o procedimento na Esplanada, nos dias 7 e 26 de novembro. Foi perguntado ao ministério por que o número de atendimentos caiu, se houve redução de equipe ou mudança de orientação. O ministério não respondeu.
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Informações sobre Ibama e ICMBio só com o Ministério do Meio Ambiente
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