A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realizou em novembro (12 a 17) sua conferência geral em Paris, na qual reuniu 14 chefes de Estado e de governo para determinar o programa e o orçamento da organização para os próximos dois anos.
“Estamos entrando em um novo período, com novo incentivo”, disse a diretora-geral, Audrey Azoulay, ao fazer um balanço da 40ª sessão da Conferência Geral.
Destacando que a situação orçamentária da UNESCO está se normalizando após mais de 20 anos de cortes e restrições, Azoulay enfatizou que “ao concordarem em aumentar suas contribuições, algo muito raro no Sistema das Nações Unidas, os Estados-membros desejavam expressar sua confiança e apoio às orientações dadas pela UNESCO nos últimos dois anos, e muito particularmente ao progresso alcançado em sua transformação estratégica”.
O evento também teve a presença de mais de 90 ministros da Educação e de Ensino Superior (90 ministros e 20 vice-ministros); 122 ministros da Cultura; do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres; do presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Tijani Muhammad-Bande; e do presidente francês, Emmanuel Macron.
Para os Estados-membros, a prioridade do programa da UNESCO deve ser a educação. A UNESCO é responsável por coordenar a ação da comunidade internacional para alcançar o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável nº 4: “educação de qualidade para todos”. Cabe à UNESCO traduzir esse objetivo em ideias, atos e direito.
Nos últimos meses, a agência reforçou seu trabalho de coordenação de atores internacionais no campo da educação, por meio de eventos como a Reunião Ministerial da Educação do G7, realizada em julho passado, e a reunião do comitê de monitoramento dos ODS 4 nesta Conferência Geral.
Também passou a se concentrar no futuro ao lançar a iniciativa “The Futures of Education”. O processo de consulta começou em seguimento ao lançamento da iniciativa na Assembleia Geral das Nações Unidas, no final de setembro. Uma comissão internacional, que reúne especialistas de várias áreas e regiões do mundo, foi criada sob a liderança de Sahle-Work Zewde, a presidente da Etiópia. A Comissão produzirá um relatório global sobre os futuros da educação em novembro de 2021.
A UNESCO também lançou outras iniciativas importantes, tais como “Her education, our future”, lançada em julho de 2019 durante a reunião de educação do G7, na presença da vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousazfai, e do presidente da França, Emmanuel Macron. Seu objetivo é coletar dados confiáveis para alcançar a igualdade de gênero na educação, melhorar o marco jurídico e promover boas práticas de ensino e aprendizagem.
Iniciativas adotadas na Conferência
A Conferência Geral adotou duas iniciativas importantes no campo da educação. A primeira delas foi a aprovação de uma Convenção Global sobre o Reconhecimento de Qualificações do Ensino Superior, resultado de um trabalho de longo prazo em favor de um ensino superior mais justo e mais equitativo.
Especificamente, esta convenção facilitará o reconhecimento de estudos realizados em outros países e favorecerá a mobilidade acadêmica de estudantes e professores. Na prática, esse texto permitirá que refugiados e migrantes acessem o ensino superior com suas qualificações reconhecidas oficialmente, retirando vários empecilhos legais.
A Convenção entrará em vigor uma vez que seja ratificada por 20 países. Ela facilitará a mobilidade acadêmica inter-regional e a definição de princípios universais para melhorar o reconhecimento de diplomas e completará os cinco convênios regionais existentes da UNESCO relativos ao reconhecimento das qualificações do ensino superior.
Os refugiados também são os primeiros beneficiários da segunda iniciativa aprovada na conferência: o Passaporte de Qualificação para Refugiados e Migrantes Vulneráveis, que está atualmente sendo testado na Zâmbia.
Segundo a UNESCO, os primeiros resultados do projeto são encorajadores e mostram como esses instrumentos legais podem melhorar de maneira prática a vida cotidiana e a mobilidade de refugiados qualificados. O Iraque e a Colômbia serão os próximos países-piloto desta iniciativa.
Paralelamente, mais de 100 ministros da Educação e outros 100 representantes de universidades que fazem parte do programa de Cátedras da UNESCO se reuniram para dar impulso à ideia de criar um “campus mundial” mais inclusivo que permita mais mobilidade estudantil e contribua para a dar resposta ao rápido crescimento do número de matrículas no ensino superior.
Ciências
No campo da ciência, a Conferência Geral decidiu iniciar um processo consultivo, integrativo e participativo para definir um novo instrumento normativo mundial sobre ciência aberta, com o objetivo de formular uma recomendação da UNESCO sobre ciência aberta que pudesse ser aprovada pelos Estados-membros em 2021. Esse texto constituiria uma etapa essencial para garantir na prática o direito universal ao conhecimento científico.
A Conferência Geral também encomendou à UNESCO o desenvolvimento do primeiro instrumento normativo sobre a ética da inteligência artificial. Isso permitirá alcançar um consenso ético sobre algo que é muito mais do que um ponto de virada técnico, mas “um verdadeiro avanço antropológico”, segundo a UNESCO.
Para conseguir isso, um grupo de especialistas selecionados pela organização realizará um extenso processo de consulta e ficará encarregado de preparar um primeiro esboço. Em 2021, duas reuniões intergovernamentais serão realizadas para essa finalidade.
Cultura
Os 122 ministros da Cultura reunidos na UNESCO destacaram seu papel essencial no desenvolvimento de sociedades mais solidárias, resilientes e inclusivas. No final do Fórum de Ministros, o México anunciou a celebração, em 2022, de uma segunda Conferência Mundial de Ministros (Mondiacult).
Em 1982, a primeira edição da Mondiacult expandiu a definição de cultura, entendida desde então como “o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social”.
A Conferência Geral também aprovou a celebração de oito novos Dias Mundiais: da arte (15 de abril), da arte islâmica (18 de novembro), da cultura africana e afrodescendente (24 de janeiro), da engenharia para o desenvolvimento sustentável ( 4 de março), da lógica (14 de janeiro), da matemática (14 de março), da oliveira (26 de novembro) e da língua portuguesa (5 de maio).
Também foi decidido instituir um Dia Internacional contra a violência, o bullying e o cyberbullying (primeira quinta-feira de novembro) e proclamou o Ano Internacional das Ciências Básicas a Serviço do Desenvolvimento Sustentável para 2022.
A Conferência Geral também levou a um intercâmbio entre jovens e uma dúzia de líderes de governo sobre o assunto: “(Re)Geração, Repensar o multilateralismo com os jovens responsáveis pela mudança”.
Durante duas semanas, graças à participação de jovens de todo o mundo, os debates permitiram determinar como a UNESCO pode responder ao desafio climático ou às demandas dos jovens.
Os participantes intimaram os governos a fazerem mais para combater a mudança climática, investir mais em educação e fazer esforços conjuntos para garantir que a tecnologia seja colocada a serviço das pessoas e de seus direitos.
Um orçamento ascendente
Os Estados-membros fixaram o próximo orçamento semestral para 2020-2022 em 534,6 milhões de dólares (+3%). Trata-se de uma melhora frente à preocupante situação de 2017, quando o orçamento foi muito limitado e alguns dos principais contribuintes não efetuaram suas contribuições obrigatórias.
Dois anos depois, quase todas as contribuições obrigatórias foram efetivadas; e as contribuições voluntárias, que no primeiro semestre de 2019 atingiram 47 milhões de dólares, aumentaram 41% em relação ao mesmo período de 2018.
Essa recuperação da confiança também foi registrada no consenso, um método de tomada de decisão que a UNESCO privilegia em todas os assuntos, mesmo naqueles mais sensíveis.
Além disso, graças a uma nova mediação da Secretaria, as resoluções sobre o Oriente Médio foram aprovadas mais uma vez por consenso com o acordo das partes envolvidas.
Na abertura da Conferência Geral, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou sobre a desintegração da comunidade internacional, afirmando que “a ação da UNESCO é essencial para unir o mundo”.
Para Audrey Azoulay, “os desafios contemporâneos (…) não podem se limitar às fronteiras territoriais. Eles não encontrarão outra solução sustentável que não seja cooperativa, solidária e multilateral.”
“O mundo precisa de mais UNESCO, não menos. Esta é a mensagem clara enviada por esta Conferência Geral. A centralidade do mandato nas questões atuais foi expressa por meio de iniciativas sobre a ética da Inteligência Artificial, a educação para refugiados e a ciência aberta. Em um marco político e orçamentário consolidado, com um orçamento aprovado em ascensão pela primeira vez em 20 anos. Uma guinada salvadora para a UNESCO”, concluiu Azoulay.
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