Assistida por estudantes quilombolas representando 21 estados, a audiência pública da Comissão de Educação (CE) nesta quarta-feira (21) destacou a importância da educação para o fortalecimento da identidade dos quilombolas e o enfrentamento do racismo, mas os debatedores chamaram atenção para os desafios enfrentados pela atividade.
A audiência atendeu a três requerimentos, dois dos quais subscritos pela senadora Teresa Leitão (PT-PE), que presidiu o debate. Na abertura, ela ressaltou que ainda há muito a ser debatido para enfrentar a precariedade nas escolas quilombolas e avançar na garantia do ensino para esse segmento da população. Teresa saudou a iniciativa da Escola Nacional de Formação de Meninas da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), cujo resultado qualifica as vozes das meninas pelo exercício do direito à educação.
— É uma estratégia que olha para a realidade de meninas e mulheres quilombolas, que valoriza a relação da educação com o território e com as lutas do movimento quilombola nos vários municípios e estados em que a população luta para viver com dignidade.
A coordenadora da Escola Nacional de Formação de Meninas da Conaq, Givânia Maria da Silva, disse que as estudantes quilombolas ainda apresentam a maior distância entre os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio. Para ela, é preciso dar voz às meninas e “repensar caminhos” a partir da realidade, indo além das estatísticas.
— Que cada um desta Casa e cada brasileiro nunca mais tenha dúvida da necessidade de reconhecer os quilombos como espaço de produção de conhecimento, de produção de alimentos, de produção de vida, de significado, e de produção de identidade.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, Zara Figueiredo, concordou que as políticas públicas voltadas aos quilombolas devem ser apoiadas em dados que não se limitem aos do Censo Escolar. Ela apresentou informações que destacam a falta de recursos da maioria das escolas quilombolas, o despreparo dos professores e a inadequação do material didático à concepção pedagógica quilombola.
— São estruturas muito regressivas. Você não tem laboratório de ciências, você não tem laboratório de informática, 72% das escolas quilombolas não têm nem sala de professores. Enquanto isso, 50,4% dos estudantes brancos estudam em escolas consideradas de nível adequado.
Ao explicar o funcionamento da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq), Zara alertou os quilombolas de que eles devem pautar a política educacional no ponto de vista do financiamento, sob risco de que “vocês sempre vão ser pautados”. A secretária do MEC fez um apelo à coordenação federativa que estabeleça cobrança de contrapartidas dos estados e dos municípios que receberem verbas específicas para a política educacional voltada aos quilombos.
O representante regional para o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), Jan Jarab, sublinhou que os quilombolas estão mais expostos ao cenário histórico de discriminação, exclusão e violação de direitos humanos. Ele lembrou a filiação do Brasil ao compromisso multilateral de desenvolvimento de políticas públicas para afrodescendentes. Em seu ponto de vista, apesar dos esforços do Estado brasileiro para ampliar o acesso à educação, o desafio de escolarizar as comunidades quilombolas tem suas demandas específicas de valorização da cultura e dos vínculos socioambientais.
— As comunidades quilombolas são o retrato da resistência, da diversidade, de expressões culturais, relacionais e religiosas, de um modo de vida de viver em coletividade. Respeitar essa realidade e fortalecer esse modo de vida através da educação é um dever de todos.
Jarab cobrou a ampliação do acesso de quilombolas à educação pública e afirmou que essa política deve ser acompanhada de medidas de cotas raciais para assegurar a expressão de “valores quilombolas” nos espaços de formação. Ele considera que as cotas precisam ser universalizadas nas instituições públicas de ensino superior, com efeitos no acesso ao serviço público, como forma de enfrentamento ao racismo sistêmico que afeta a população quilombola.
O secretário nacional de Política para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT) do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos, também destacou a natureza específica da educação quilombola.
— O que nutre o processo da educação quilombola é essa compreensão de um território que educa, de um território de relações de construção de processos pedagógicos.
Em diálogos com comunidades quilombolas, Santos disse que a educação é uma grande demanda do segmento. Ele alertou que muitas escolas rurais foram fechadas nos últimos anos, o que afetou negativamente os quilombolas e disse esperar que a gestão interministerial do tema tenha a prioridade necessária.
A defensora pública da União Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro espera que as normas da política educacional quilombola saiam do papel, pois apontam o caminho a ser trilhado. Porém, a experiência da Defensoria Pública — ela citou ações judiciais contra o fechamento de escolas em vários estados — aponta que ainda há muito a fazer.
— O Brasil representado nestes procedimentos (…) é baseado numa lógica basicamente tecnofeudal, que encara as pessoas como produtos, a educação como mercadoria (…) e enxerga as trajetórias e memórias coletivas como disputas narrativas a serem manipuladas e deturpadas.
Representando o Coletivo de Educação da Conaq, Shirley Pimentel reiterou a disposição dos quilombolas de não aceitar uma educação por métodos tradicionais. Ela citou a importância das professoras na organização das comunidades e alertou para os custos do estudo fora dos quilombos.
— Os alunos param de estudar. A maioria dos meus primos não terminou nem o fundamental 2, porque é muito sacrifício sair, abandonar a roça, ter que deixar de trabalhar.
A estudante da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da Conaq, Gabrielem Lohanny da Conceição Mento, apresentou uma carta com as demandas do segmento. Ela disse que a educação contribui para o fortalecimento da identidade quilombola, a busca por justiça e o enfrentamento ao racismo, mas é um processo que ainda enfrenta muitos problemas.
— Quando chovia, chovia mais dentro [da escola] do que fora — lamentou.
Por fim, o ex-secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, argumentou que, na sequência da abolição da escravatura em 1888, faltou às autoridades da época a “grandeza” de discutir o que está sendo debatido hoje. Ao apelar por políticas de Estado que enfrentem a falácia da democracia racial, ele citou estatísticas sobre os elevados índices de encarceramento e de analfabetismo entre os pretos e denunciou a duradoura política de exclusão deliberada dessa população do sistema educacional.
— Seguramente, hoje não estaríamos amargando a dura realidade: o Brasil que nós não queremos, mas que ainda insiste em resistir.
A audiência atendeu a três requerimentos, dois dos quais subscritos pela senadora Teresa Leitão (PT-PE), que presidiu o debate. Na abertura, ela ressaltou que ainda há muito a ser debatido para enfrentar a precariedade nas escolas quilombolas e avançar na garantia do ensino para esse segmento da população. Teresa saudou a iniciativa da Escola Nacional de Formação de Meninas da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), cujo resultado qualifica as vozes das meninas pelo exercício do direito à educação.
— É uma estratégia que olha para a realidade de meninas e mulheres quilombolas, que valoriza a relação da educação com o território e com as lutas do movimento quilombola nos vários municípios e estados em que a população luta para viver com dignidade.
A coordenadora da Escola Nacional de Formação de Meninas da Conaq, Givânia Maria da Silva, disse que as estudantes quilombolas ainda apresentam a maior distância entre os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio. Para ela, é preciso dar voz às meninas e “repensar caminhos” a partir da realidade, indo além das estatísticas.
— Que cada um desta Casa e cada brasileiro nunca mais tenha dúvida da necessidade de reconhecer os quilombos como espaço de produção de conhecimento, de produção de alimentos, de produção de vida, de significado, e de produção de identidade.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, Zara Figueiredo, concordou que as políticas públicas voltadas aos quilombolas devem ser apoiadas em dados que não se limitem aos do Censo Escolar. Ela apresentou informações que destacam a falta de recursos da maioria das escolas quilombolas, o despreparo dos professores e a inadequação do material didático à concepção pedagógica quilombola.
— São estruturas muito regressivas. Você não tem laboratório de ciências, você não tem laboratório de informática, 72% das escolas quilombolas não têm nem sala de professores. Enquanto isso, 50,4% dos estudantes brancos estudam em escolas consideradas de nível adequado.
Ao explicar o funcionamento da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq), Zara alertou os quilombolas de que eles devem pautar a política educacional no ponto de vista do financiamento, sob risco de que “vocês sempre vão ser pautados”. A secretária do MEC fez um apelo à coordenação federativa que estabeleça cobrança de contrapartidas dos estados e dos municípios que receberem verbas específicas para a política educacional voltada aos quilombos.
O representante regional para o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), Jan Jarab, sublinhou que os quilombolas estão mais expostos ao cenário histórico de discriminação, exclusão e violação de direitos humanos. Ele lembrou a filiação do Brasil ao compromisso multilateral de desenvolvimento de políticas públicas para afrodescendentes. Em seu ponto de vista, apesar dos esforços do Estado brasileiro para ampliar o acesso à educação, o desafio de escolarizar as comunidades quilombolas tem suas demandas específicas de valorização da cultura e dos vínculos socioambientais.
— As comunidades quilombolas são o retrato da resistência, da diversidade, de expressões culturais, relacionais e religiosas, de um modo de vida de viver em coletividade. Respeitar essa realidade e fortalecer esse modo de vida através da educação é um dever de todos.
Jarab cobrou a ampliação do acesso de quilombolas à educação pública e afirmou que essa política deve ser acompanhada de medidas de cotas raciais para assegurar a expressão de “valores quilombolas” nos espaços de formação. Ele considera que as cotas precisam ser universalizadas nas instituições públicas de ensino superior, com efeitos no acesso ao serviço público, como forma de enfrentamento ao racismo sistêmico que afeta a população quilombola.
O secretário nacional de Política para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT) do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos, também destacou a natureza específica da educação quilombola.
— O que nutre o processo da educação quilombola é essa compreensão de um território que educa, de um território de relações de construção de processos pedagógicos.
Em diálogos com comunidades quilombolas, Santos disse que a educação é uma grande demanda do segmento. Ele alertou que muitas escolas rurais foram fechadas nos últimos anos, o que afetou negativamente os quilombolas e disse esperar que a gestão interministerial do tema tenha a prioridade necessária.
A defensora pública da União Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro espera que as normas da política educacional quilombola saiam do papel, pois apontam o caminho a ser trilhado. Porém, a experiência da Defensoria Pública — ela citou ações judiciais contra o fechamento de escolas em vários estados — aponta que ainda há muito a fazer.
— O Brasil representado nestes procedimentos (…) é baseado numa lógica basicamente tecnofeudal, que encara as pessoas como produtos, a educação como mercadoria (…) e enxerga as trajetórias e memórias coletivas como disputas narrativas a serem manipuladas e deturpadas.
Representando o Coletivo de Educação da Conaq, Shirley Pimentel reiterou a disposição dos quilombolas de não aceitar uma educação por métodos tradicionais. Ela citou a importância das professoras na organização das comunidades e alertou para os custos do estudo fora dos quilombos.
— Os alunos param de estudar. A maioria dos meus primos não terminou nem o fundamental 2, porque é muito sacrifício sair, abandonar a roça, ter que deixar de trabalhar.
A estudante da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da Conaq, Gabrielem Lohanny da Conceição Mento, apresentou uma carta com as demandas do segmento. Ela disse que a educação contribui para o fortalecimento da identidade quilombola, a busca por justiça e o enfrentamento ao racismo, mas é um processo que ainda enfrenta muitos problemas.
— Quando chovia, chovia mais dentro [da escola] do que fora — lamentou.
Por fim, o ex-secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, argumentou que, na sequência da abolição da escravatura em 1888, faltou às autoridades da época a “grandeza” de discutir o que está sendo debatido hoje. Ao apelar por políticas de Estado que enfrentem a falácia da democracia racial, ele citou estatísticas sobre os elevados índices de encarceramento e de analfabetismo entre os pretos e denunciou a duradoura política de exclusão deliberada dessa população do sistema educacional.
— Seguramente, hoje não estaríamos amargando a dura realidade: o Brasil que nós não queremos, mas que ainda insiste em resistir.
Fonte: Agência Senado
O post “Debatedores na CE retratam situação da educação quilombola e cobram apoio” foi publicado em 21/08/2024 e pode ser visto original e