Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Xeque na Democracia, enviada toda segunda-feira, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
Acreditem: eu soube do atentado contra a vida do candidato republicano à Casa Branca por um tuíte de Elon Musk. “A última vez que a América teve um candidato tão durão foi Roosevelt”, dizia a postagem, apenas umas das dezenas que eu sou obrigada a ler agora que Musk empurra seus pensamentos pra todo mundo no Twitter, mesmo quem não o segue – que é o meu caso. Demorei um pouco para entender o que se passava e, então, capturar o júbilo de machão que o homem mais rico do mundo sentiu ao ver Donald Trump, ferido, com olhar desafiador e o punho cerrado.
Desde então, Musk saiu do armário. Apesar de ter participado de reuniões de financiamento da campanha do republicano desde pelo menos março deste ano , ele evitava declarar seu apoio. Agora, a coisa escancarou. Depois do fracassado atentado, Musk fez um post endossando a candidatura – o post teve o chocante alcance de 216 milhões de views, um dos mais vistos de todos os tempos. Além disso, uma reportagem do Wall Street Journal revelou que Musk prometera doar US$ 45 milhões por mês para um Super Pac de apoio ao republicano, o que ele negou, claro, mas que o próprio Trump repetiu recentemente em um discurso. “Eu nem sabia disso, mas ele me dá 45 milhões por mês”, disse o ex-presidente – e acho que sempre vale observar como a democracia americana é corrupta, quando um candidato pode dizer algo assim sobre um empresário e ainda receber aplausos efusivos.
Vale dar uma olhada no feed de Elon Musk para ver como ele está em ritmo de campanha. Já tuitou que a desistência de Joe Biden significa “os democratas destruindo a democracia em nome do poder”, acusou o governo democrata de preferir proteger o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a proteger Trump, além de propagar outras narrativas cozinhadas no bojo da campanha trumpista. Ainda alguns dias atrás, Musk retuitou um vídeo feito por inteligência artificial (IA) no qual Donald Trump era apresentado como o Neo, de Matrix, enquanto Joe Biden aparecia como Agente Smith, aquele vilão que se multiplica; Trump/Neo consegue paralisar todos os tiros alvejados contra ele e ainda derrubar Biden/Smith. Sim, uma babaquice daquelas.
Claro, não é só de babaquices que se alimenta o dono do Twitter, da Tesla e da Starlink. Elon Musk está de olho na Casa Branca. Segundo o Wall Street Journal, os dois ricaços chegaram a discutir um cargo como assessor presidencial, no qual ele poderia opinar sobre questões econômicas e segurança na fronteira com o México. Musk teria, ainda, proposto um “projeto orientado por dados para prevenir fraudes eleitorais”. A mesma reportagem afirma que Musk, junto com o investidor bilionário Nelson Peltz, tem organizado “encontros” com líderes empresariais de todo o país para convencê-los a não apoiar Biden.
Com um pé na Casa Branca, leitores, sabemos que o “risco Musk” aqui no Brasil aumenta exponencialmente. Lembremos que a empresa Starlink, que ele comanda como se fosse seu quintal, da mesma maneira que as suas demais empresas, cresceu 250% no Brasil e já controla o mercado de internet por satélite. É por isso, aliás, que as investigações que nossa equipe aqui da Agência Pública quer fazer se tornam mais urgentes. Já conseguimos apoios importantes, mas ainda estamos longe de alcançar a nossa meta. Precisamos de mais aliados pra chegar aos 700 apoios que estamos pedindo aos nossos leitores. Se você não é ainda apoiador, peço que considere entrar nesse grupo de leitores que doam a partir de R$ 20 por mês para financiar nosso trabalho.
Mas o que Musk pode querer na Casa Branca? As empresas do bilionário já têm diversos contratos com o governo americano, desde pelo menos 2005. Além de ter vendido milhares de antenas para apoiar as ações de apoio à guerra da Ucrânia, a Starlink tem um contrato de US$ 70 milhões com o Pentágono, e a SpaceX, empresa de transporte aeroespacial, recebeu recentemente um contrato de US$ 1,8 bilhão.
Agora, um dos temas que se avizinha no mundo inteiro, e deve ser definitivamente decidido nos próximos anos, é justamente a nova aposta do empresário: a IA.
Vamos recapitular, apenas para que o meu leitor fique com tanta raiva quanto eu (ou pelo menos tenha a completa visão de quem é Elon Musk). Em 2023, ele foi um dos que assinaram a carta de lideranças da tecnologia pedindo uma “pausa” no desenvolvimento global da IA por seis meses. Lançada logo depois de a OpenAI ter colocado no mundo o seu ChatGPT, a carta desses empresários dizia que a IA poderia ameaçar a humanidade e era preciso frear as empresas que estavam na liderança para que se criassem “regras do jogo”. Musk, assim como Mark Zuckerberg, chegou a ir a uma reunião fechada no Senado americano para pedir aos congressistas que regulassem a IA por conta do “risco civilizacional”.
Além disso, chegou a processar a OpenAI – que ele cofundou – na Justiça, alegando que a empresa havia “abandonado” o objetivo inicial de “beneficiar a humanidade” e não agir por lucro. Agora, em junho, Musk desistiu do processo, encerrando o caso. Por quê?
Coincidentemente, apenas uma semana antes, o empresário anunciou ter conseguido levantar nada menos que US$ 6 bilhões para financiar sua própria empresa de IA, a xAI. Era tudo jogo de cena. Os apelos para uma “pausa” eram apenas uma fachada para que os concorrentes pudessem tomar pé da evolução da IA e montar seu próprio ataque.
Agora, com a entrada do republicano JD Vance como vice-presidente na candidatura de Trump, o sinal não poderia ser mais positivo para os bilionários do Vale do Silício. É possível, inclusive, que a opção tenha tido o dedo de Elon. Isso porque Vance chegou a trabalhar com seu amigo Peter Thiel, outra voz da extrema direita com quem cofundou o PayPal. Já é público e notório que Vance acredita que a IA deve ser ainda menos regulada do que já é e pretende trabalhar para que nem mesmo o seu uso militar tenha tantas restrições quanto hoje.
Musk e Thiel formam o que o historiador Timothy Snyder chamou de “tecno-oligarcas”, um termo tão fantástico que o leitor vai ler muito aqui na coluna daqui pra frente. Em resumo, Snyder os define como “oligarcas americanos que controlam o acesso online de bilhões de usuários no Facebook, Twitter, Threads, Instagram e WhatsApp” e que “de fora, parecem estar mais interessados em substituir nossa realidade atual – e nosso sistema econômico, por mais imperfeito que seja – por algo muito mais opaco, concentrado e sem responsabilidade, que eles irão controlar”.
Segundo Snyder, autor do livro The End of Reality, esses oligarcas chegaram a ser considerados “progressistas” da tecnologia, mas fazem parte de uma “guinada antidemocrática e autoritária mais ampla dentro do mundo da tecnologia” e estão “profundamente comprometidos em preservar o status quo e manter suas posições de liderança no mercado”.
Estamos diante de um novo tipo de oligarca, que age sem fronteiras, com acesso ilimitado a capital e tecnologia, fora do alcance das leis nacionais, e que não tem o menor escrúpulo, dizem isso, e ainda ganha popularidade online justamente por isso.
As implicações desse novo tipo de agente são assustadoras. Até mesmo Joe Biden, que agora é ex-candidato, compreendeu a ameaça que representa essa aliança entre Trump e os tecno-oligarcas. Na semana passada, o democrata tuitou: “Estou cansado de Elon Musk e seus amigos ricos tentando comprar esta eleição. E se você concorda, contribua aqui”.
Mas é claro que, se você puder fazer uma doação, vai fazer para a equipe da Pública, e não pra outra milionária campanha americana, né? Afinal, como você percebeu, o Brasil também está diante de um novo tipo de ameaça por parte dos tecno-oligarcas, e só uma equipe de jornalistas investigativos como a nossa – financiada graças à generosidade do público – vai conseguir dizer exatamente quem são as empresas intermediárias de Musk no Brasil, quem são seus aliados políticos e como suas decisões têm impactado nossa vida. Doe agora.
Fonte
O post “Elon Musk está de olho na Casa Branca” foi publicado em 25/07/2024 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública