Garimpo ilegal, violência, doenças e infraestrutura precária marcam a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, segundo especialistas ouvidos nesta terça-feira (26) em audiência pública conjunta de três comissões da Câmara dos Deputados.
A maior terra indígena do País tem quase 10 milhões de hectares e abriga os Yanomami e os Ye’kuana, além de já ter registrado outros 13 povos isolados perto da fronteira com a Venezuela. No entanto, a mesma região é alvo de 7 mil a 10 mil garimpeiros ilegais em busca de ouro às margens dos rios Mucajaí e Uraricoera.
Além do dano ambiental, a pesquisadora da Fiocruz Ana Vasconcellos listou o impacto do uso contínuo de mercúrio do garimpo sobre a saúde da população indígena, que vive da pesca nesses mesmos rios contaminados.
“O povo Yanomami vive em uma condição de quase ausência total do Estado, o que configura uma situação de vulnerabilidade social muito grande, caracterizada pelo acesso reduzido aos serviços de saúde e total ausência de saneamento básico”, disse Ana Vasconcellos.
“As aldeias não têm água potável, não têm plano de manejo de resíduos sólidos nem esgotamento sanitário. Existem estudos que mostram altos níveis de desnutrição infantil e alta prevalência de doenças respiratórias, como pneumonia e tuberculose; e outras doenças, como malária e tungíase. Todo esse cenário – com a adição de mais um fator de risco, que é a exposição ao mercúrio em todas as suas formas químicas – pode sim promover o desaparecimento do povo Yanomami em algum tempo”, explicou a pesquisadora.
Estudos da Fiocruz e de outros institutos de pesquisa já apontam níveis de mercúrio no sangue e no cabelo dos Yanomami acima dos limites aceitáveis. Além disso, 92% dos indígenas estariam expostos à contaminação.
Garimpo ilegal
O Fórum Yanomami-Ye’kuana também denuncia ações violentas dos garimpeiros, como estupro e aliciamento de indígenas para a exploração criminosa dos garimpos.
O Ministério de Minas e Energia calcula que o garimpo ilegal produza de 20 a 30 toneladas de ouro e fature até R$ 40 bilhões por ano, obviamente sem pagar impostos.
Desde 2012, a Polícia Federal realizou três grandes operações na terra Yanomami, onde prendeu mais de 300 invasores, apreendeu aeronaves e destruiu pistas clandestinas de pouso.
Chefe do Serviço de Repressão a Crimes contra Comunidades Indígenas (Seinc), o policial federal Luiz Porto admite que a região é alvo de um crime organizado com características bem específicas.
“Não é crime organizado como o PCC e o CV, mas o crime organizado de determinado circuito para regularizar o ouro e levá-lo para o exterior, esquentar nota fiscal e transformar o ouro em peças de arte ou barra. Envolve ourives, aeronaves, pilotos, empresas autorizadas pelo governo para negociar ouro. Teve empresa fechada em São Paulo e teve gente presa em São Paulo e em Goiânia”, afirmou.
Além do garimpo ilegal, as operações da Polícia Federal também focam na exploração ilegal de madeira e no consequente desmatamento na região.
A coordenadora internacional de Paz e Segurança do Instituto Igarapé, Adriana Abdenur, afirmou que esses criminosos se sofisticaram a ponto de usar tecnologias modernas, como darkweb, cibermoedas e drones. Segundo Adriana, as operações só terão êxito quando o garimpo ilegal e sua relação com outras modalidades criminosas forem tratados na condição de “crime organizado transnacional”.
Impunidade
Uma das organizadoras do debate, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) também reclamou de demora da Justiça. “Apesar do crime que lesa o povo indígena, o meio ambiente e a União em bilhões, não há qualquer informação de condenação ou de ações compensatórias para os lesados. Pelo contrário, o único julgado pelo crime de genocídio, praticado em 1993, foi novamente preso por continuar praticando exploração mineral dentro da terra Yanomami sem ser definitivamente alcançado pela Justiça”, declarou.
Joenia também leu uma carta que o Fórum Yanomami-Ye’kuana enviou aos chefes dos três poderes da União e a outras autoridades para exigir a retirada imediata dos garimpeiros e deixar claro que as comunidades não querem a mineração dentro de terras indígenas.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) anunciou a liberação de cerca de R$ 700 mil do Orçamento da União para a reativação das bases de proteção etnoambiental (Bape) na Terra Indígena Yanomami. Uma delas deve voltar a atuar em dezembro.
A audiência desta terça-feira foi promovida pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Direitos Humanos e Minorias; e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
O post “Debatedores apontam risco de genocídio dos Yanomami” foi publicado em 26th November 2019 e pode ser visto originalmente na fonte Câmara notícias – Câmara dos Deputados