Depois da Agência Pública revelar que a Prefeitura de São Paulo fez um acordo milionário com a empresa de um amigo próximo ao prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP), a administração municipal fechou mais um contrato com a empresa Biovec Comércio de Saneantes, de R$ 5,3 milhões, para compra de sachês inseticidas contra o mosquito da dengue.
Ao todo, a prefeitura já pagou R$ 30,5 milhões a Marco Antonio Bertussi, dono da Biovec e amigo do prefeito, em três contratos desde o ano passado. Bertussi é diretor de uma associação de controle de pragas da qual Nunes é presidente, conforme a Pública mostrou em abril.
Também mostramos que Bertussi tem ligação direta ou indireta com as três empresas que participaram da licitação para venda de sachês e armadilhas contra o mosquito vetor da doença.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) investiga os indícios de irregularidades. Bertussi chegou a ser convocado para prestar depoimento na procuradoria, mas não foi encontrado. Uma nova data foi marcada para julho. Nunes e outros agentes da prefeitura também foram chamados a dar esclarecimentos.
Mesmo com a denúncia, a prefeitura decidiu continuar comprando da empresa investigada. O último processo para comprar 50 mil sachês, ao valor unitário de R$ 107, foi incluído no sistema de pagamentos da prefeitura um dia depois da publicação da primeira matéria da Pública.
Foi usado o modelo ata de registro de preços, que permite várias compras sem a necessidade de nova licitação. O valor da compra foi empenhado em 11 de abril e o pagamento foi concluído no início de maio.
Além das revelações da Pública, há outros indícios de que houve direcionamento na licitação vencida pela Biovec. O objeto de contratação é bem parecido com a armadilha fabricada pela empresa holandesa In2Care, que no Brasil é revendida com exclusividade pela Biovec.
O edital exige que a armadilha seja feita de plástico escuro, no formato balde e com capacidade para cinco litros, exatamente como o produto da Biovec. A composição dos sachês inseticidas também é praticamente idêntica. Há até a obrigatoriedade da empresa vencedora oferecer um software para gerenciar as armadilhas – semelhante ao que a Biovec divulga em seu site .
Uma lista com as similaridades foi elaborada pela equipe do vereador Toninho Vespoli (PSOL-SP) e enviada ao Ministério Público, que a incluiu na investigação no fim de junho.
“Não há nenhuma regra que obrigue a prefeitura a continuar fazendo negócios com uma empresa suspeita de ter se favorecido irregularmente. Seria possível fazer uma nova licitação ou adotar outro modelo de compra”, de acordo com Marcelo Nerling, professor de direito público da Universidade de São Paulo (USP), especialista em contas públicas.
“Há muitos indícios de problemas [com a licitação vencida pela Biovec]. A prefeitura, a Câmara de Vereadores ou o Tribunal de Contas do Município poderiam ter sustado novos pagamentos e iniciado uma investigação própria”, afirma Nerling.
Após a publicação da reportagem da Pública, a vereadora Luna Zarattini, do PT, entrou na Justiça pedindo a suspensão dos pagamentos já feitos para a Biovec. O MP deu parecer favorável, alegando que há “indícios suficientes para a concessão da liminar no que tange à quebra do princípio da impessoalidade e de direcionamento da licitação”.
“Não é possível que o poder público continue a efetuar pagamentos em benefícios da empresa que teria vencido indevidamente a licitação”, escreveu, no parecer, a promotora Claudia Cecilia Fedeli.
Em 7 de maio, porém, a juíza Carmen Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou o pedido de liminar. Segundo ela, os indícios seriam “meras suspeitas que, portanto, devem ser tratadas como tal”, e recomendou a realização de uma investigação pelos órgãos competentes. Ainda não há uma data para julgamento do mérito da ação.
Pedimos esclarecimentos à prefeitura, que não respondeu até a publicação desta reportagem. Em outras ocasiões, o órgão negou ter cometido qualquer irregularidade. Em nota, a Biovec disse que “é uma empresa que nasceu com o objetivo de desenvolver, entre outros, programas de combate à [sic] mosquitos, especialmente do gênero Aedes, atuando na defesa da saúde pública. A Biovec afirma que todas as contratações realizadas pela empresa seguiram rigorosamente suas políticas de compliance e as legislações vigentes, reafirmando assim seu compromisso com a plena integridade”.
Negócio lucrativo
As armadilhas vendidas pela Biovec à prefeitura de São Paulo são recipientes escuros que contêm água e veneno e servem para atrair a fêmea do mosquito. Ao colocar os ovos no local, o inseto carrega em si o larvicida e contamina outros criadouros.
O sindicato dos servidores da prefeitura relatou que as armadilhas deveriam ter manutenção periódica, mas há falta de pessoal e estrutura para dar conta dos prazos. Com isso, o veneno perde o efeito e as larvas conseguem se desenvolver. As armadilhas, que deveriam matar o mosquito, acabam se tornando criadouros.
Também há indício de sobrepreço na compra dos equipamentos. Cada um custou cerca de R$ 400 para a prefeitura, mas custaria apenas R$ 10 se fosse feita em parceria com a Fiocruz, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo.
A relação das empresas de Marco Antonio Bertussi com a prefeitura de São Paulo é mais antiga que a licitação das armadilhas. Em 2019, outra empresa dele, a TN Santos, fez uma doação dos equipamentos para o município fazer um teste. A doação, no valor de R$ 118 mil, foi intermediada por Ricardo Nunes, então vereador.
No fim do teste, a Secretaria de Saúde decidiu que queria adotar as armadilhas no plano de combate à dengue. Isso motivou a abertura da licitação, em 2023 – que foi vencida pela Biovec, também de Bertussi.
As outras empresas que participaram da licitação também têm conexão com o empresário. Uma delas foi a própria TN Santos. A outra, a Biolive, é uma empresa de Salvador ligada a um sócio de Bertussi.
Foi com negócios no ramo de controle de pragas que Nunes obteve sucesso profissional antes de entrar para a política. Em 1997, ele abriu a Nikkey, uma empresa de dedetização que hoje atua em cinco estados. Nunes só deixou a sociedade apenas em 2022, depois de ter se tornado prefeito da capital.
Atualmente a Nikkey é gerida por seu filho, Ricardo Nunes Filho, e a nora, Amanda Zillig Nunes. A empresa chegou a ser investigada no esquema da máfia das creches por ter recebido pagamentos de uma empresa suspeita de emitir notas frias.
Fonte
O post “Prefeitura de São Paulo faz novo contrato com empresa de amigo de Nunes” foi publicado em 11/06/2024 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública