DO OC – “Como secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial, estou, agora, soando o alerta vermelho sobre o estado do clima”, declarou a argentina Celeste Saulo na manhã desta terça-feira (19), no lançamento do relatório Estado do Clima Global em 2023. O documento é editado anualmente pela agência especializada das Nações Unidas. Confirmado como o mais quente já registrado, o ano de 2023 bateu recordes também em indicadores como concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, aumento do nível do mar, derretimento de geleiras e de gelo marinho.
Com uma temperatura média global de 1,45ºC acima dos níveis pré-industriais (com margem de erro de 0,12ºC para mais ou para menos), o planeta chegou “perigosamente perto” do limite de 1,5ºC de aquecimento, determinado pelo Acordo de Paris, destaca o relatório. Mesmo que esse seja um aquecimento temporário – o limite de Paris refere-se a um aquecimento médio sustentado por um período mais longo –, agravado pelo El Niño, o ano de 2023 foi uma espécie de amostra grátis do que é viver em um planeta que falhe em cumprir a meta do acordo do clima.
Eventos extremos como ondas de calor, secas, enchentes, incêndios florestais e tempestades se intensificaram, acentuando a pobreza, ameaçando a segurança alimentar e forçando o deslocamento de milhares de pessoas ao redor do mundo.
“O ano de 2023 estabeleceu novos recordes para cada um dos indicadores climáticos. O relatório deste ano mostrou que a crise do clima é o desafio definitivo enfrentado pela humanidade. Ele é intimamente entrelaçado com a crise de desigualdade, que testemunhamos com o crescimento da insegurança alimentar, o deslocamento de populações e a perda de biodiversidade. É uma ameaça existencial a populações vulneráveis em todo o mundo e, particularmente, às nações insulares”, afirmou a secretária da OMM.
Omar Baddour, chefe de monitoramento climático da agência, apresentou os indicadores e destacou ainda que os últimos nove anos, entre 2015 e 2023, foram os mais quentes já registrados (veja na figura abaixo). Além disso, destacou que a última década (2014-2023, com temperatura média 1,2ºC acima dos níveis pré-industriais) também foi a mais quente desde o início das medições. “Isso confirma a continuidade e a aceleração do aquecimento do planeta”, afirmou.
A concentração de gases de efeito estufa, os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta, segue aumentando. Em 2022 (dado mais recente), os níveis de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) na atmosfera chegaram aos níveis mais altos desde o início dos registros, em 1984. “Dados obtidos em tempo real de locais específicos indicam que os níveis dos três gases de efeito estufa continuaram subindo em 2023”, adiciona o relatório. A concentração de CO2 em 2022 chegou a 417,9 partes por milhão, um aumento de 150% em relação aos níveis pré-industriais.
Mas é o aumento do nível do mar o indicador que merece especial atenção, segundo o chefe de monitoramento climático da OMM. O calor inédito nos oceanos (o teor de calor registrado foi o maior da série histórica de 65 anos) e o derretimento recorde de geleiras e mantos de gelo marinho resultaram, direta e indiretamente, não apenas no maior aumento de nível do mar registrado, mas na aceleração desse processo.
O derretimento do gelo continental aumenta diretamente o nível do mar, enquanto a perda das placas de gelo marinho muda a configuração dos oceanos e os torna mais suscetíveis à absorção de calor. Como mostra a figura abaixo, o indicador de aumento do nível do mar era de 2,13 milímetros ao ano na década de 1993 a 2022. No período de 2014 a 2023, quase dobrou, atingindo os 4,77 mm/ano.
Um alerta vem da Antártida: seu manto de gelo chegou ao nível mínimo absoluto já registrado em fevereiro de 2023, e a média anual máxima de extensão registrada ficou cerca de 1 milhão km² abaixo do recorde negativo anterior para médias máximas. Já os glaciais sofreram, no ano de 2022-2023, a maior perda de gelo já registrada. Apenas na Suíça, as geleiras perderam cerca de 10% do volume que lhes resta nos últimos dois anos, apontou o relatório.
Aumento recorde do nível do mar (Fonte: OMM)
Derretimento recorde de gelo marinho (Fonte: OMM)
“As condições meteorológicas extremas continuaram a causar severos impactos socioeconômicos. O calor extremo afetou muitas regiões do mundo. Incêndios no Havaí, Canadá e Europa causaram perda de vidas, destruição de casas e poluição do ar em larga escala. Enchentes associadas e tempestades causadas pelo ciclone mediterrâneo Daniel afetaram Grécia, Bulgária, Turquia e Líbia, com mortandade extrema na Líbia”, enumera o documento, que sublinhou os impactos de eventos extremos nas colheitas, na segurança alimentar e no deslocamento de populações vulneráveis.
O ponto positivo, segundo Celeste Saulo, foi o aumento observado no uso de energias renováveis, cuja capacidade instalada aumentou quase 50% globalmente na comparação com 2022. Como destacou – outra vez – o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, a transição energética justa é o único caminho para minimizar os efeitos da crise do clima: “A boa notícia é que ainda podemos controlar o aumento de temperatura do planeta a longo prazo, evitando o pior do caos climático. E nós sabemos como fazer isso: combinando a velocidade das mudanças climáticas com ação climática radical, alinhada ao desenvolvimento sustentável, acelerando o inevitável fim da era dos combustíveis fósseis e com os países do G20 liderando a transição energética justa global”, afirmou.
O relatório completo pode ser lido aqui e a coletiva de lançamento do documento, assistida aqui . (LEILA SALIM)
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