O primeiro mês do ano nem terminou e já está difícil não sermos repetitivos ao noticiar os extremos climáticos, que seguem se multiplicando semana após semana. Nesta newsletter, falamos das tempestades nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Porto Alegre; do calor fora de hora na Patagônia argentina, que está modificando paisagens e fazendo o gelo sumir; da nevasca nos Estados Unidos, que se intensificou e já deixou vítimas fatais; e dos incêndios florestais na vizinha Colômbia, agravados por altas temperaturas e pelo tempo seco.
Como confirmam novas pesquisas científicas, os extremos se tornam mais frequentes e intensos por causa das mudanças climáticas. É o caso das ondas de calor no Brasil, que mataram mais de 48 mil pessoas entre 2000 e 2018, segundo estudo publicado na última semana. A frequência de eventos de temperatura extrema no país passou de 0 a três por ano (na década de 1970) para três a 11 ao ano (nos anos 2010). O novo estudo produziu ainda dados qualificados sobre o perfil socioeconômico das vítimas, confirmando que populações mais vulneráveis são mais afetadas pelas mudanças climáticas.
A seca histórica da Amazônia em 2023 também foi objeto de uma nova pesquisa, essa conduzida pela Rede Mundial de Atribuição em parceria com pesquisadores brasileiros, publicada no último dia 24/1. A conclusão é que o extremo se tornou até 30 vezes mais provável por conta do aquecimento do planeta. A semana contou ainda com a divulgação de um levantamento sobre as chuvas no Brasil, encomendado pela Pública, que mostrou que as tragédias decorrentes de tempestades intensas se tornaram mais letais – e causaram mais prejuízos – na última década.
Enquanto a realidade bate (ou arromba) à porta, o negacionismo tenta se adaptar. Nas plataformas digitais, conteúdos que negam a existência da crise do clima têm cedido espaço aos que desacreditam a energia limpa, a ciência e o ativismo climático, mostrou outro novo estudo. E as grandes plataformas, é claro, seguem lucrando, como você também verá nesta edição.
Boa leitura.
Ondas de calor mataram 48 mil no Brasil entre 2000 e 2018
Publicado na última semana, um novo estudo conduzido por um time de 12 cientistas brasileiros e portugueses mostrou que mais de 48 mil pessoas morreram no Brasil entre 2000 e 2018 em decorrência de ondas de calor. A cifra supera em mais de vinte vezes o número de mortes por deslizamentos de terra no período. Os pesquisadores, liderados por por Djacinto Monteiro dos Santos, do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observaram ainda o perfil socioeconômico das vítimas, buscando preencher uma lacuna nos estudos sobre os danos à saúde provocados por ondas de calor.
“Pesquisas anteriores têm associado as ondas de calor no Brasil a um maior risco de morte. No entanto, poucos estudos exploraram o papel desempenhado por fatores socioeconômicos e demográficos nas mortes relacionadas ao calor no Brasil”, destaca o texto. A análise revelou que idosos, mulheres, pretos, pardos e pessoas menos escolarizadas são a maioria entre as vítimas.
A pesquisa analisou as 14 regiões metropolitanas mais populosas do Brasil, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas cinco regiões do país. Foram consideradas as regiões metropolitanas de Manaus e Belém (região Norte), Fortaleza, Salvador e Recife (Nordeste), São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Sudeste), Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre (Sul) e Goiânia, Cuiabá e Brasília (Centro-Oeste). Somadas, as áreas concentram cerca de 35% da população brasileira.
Os resultados apontam também o aumento na frequência das ondas de calor no país. Na década de 2010, o Brasil registrou uma média de três a onze eventos do tipo ao ano. É um aumento de quase quatro vezes em relação à década de 1970, quando foram registradas de zero a três eventos por ano.
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FORTES CHUVAS SEGUEM E ATINGEM RJ, RS E SP
Janeiro poderia ser um mês de férias para curtir o verão, mas, como sempre, muita gente não está tendo sossego. No Rio de Janeiro, mais de 100 mil pessoas foram afetadas de alguma forma pelos temporais desde o início do ano. 27 mil pessoas estão desalojadas e 927 estão desabrigadas. Os dados são referentes a 14 municípios. Até o momento, 12 mortes foram confirmadas e dois moradores estão desaparecidos. Na última terça-feira (23), o município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, voltou a ser assombrado por enchentes.
A tragédia mais uma vez escancara as históricas lacunas nas políticas de planejamento urbano, habitação, saneamento básico, prevenção a desastres e de adaptação à crise climática. Entre os 22 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, somente a capital tem plano de adaptação.
No Rio Grande do Sul, mais de 20 cidades do estão sob alerta de risco para temporais. Há alguns dias, o estado já havia enfrentado chuvas intensas. Em Porto Alegre, quase 50 mil casas continuavam sem energia elétrica no começo desta semana por causa dos temporais dos dias 17 e 18. Ao menos duas pessoas morreram.
No litoral de São Paulo , o temor chegou na quarta-feira (24). Em São Sebastião, no litoral norte, as sirenes foram acionadas à noite e bairros foram inundados. Em fevereiro do ano passado, a cidade vivenciou uma tragédia e contabilizou 64 mortes por causa das chuvas anormais. A vizinha Caraguatatuba também teve enchentes. No litoral sul, áreas de morro em Santos ficaram em estado de atenção. As rodovias Mogi-Bertioga e Tamoios foram interditadas.
ÚLTIMA DÉCADA VIU PIORA NAS CHUVAS INTENSAS
Falando em chuvas, as tragédias delas decorrentes aumentaram na última década no Brasil, se tornando mais letais e custosas, mostra análise feita por pesquisador do Cemaden a pedido da Pública. O recorde de mortes e de eventos de chuvas intensas foi registrado em 2022, com 1.210 eventos e 339 mortes. Para quem não se lembra, foi nesse ano que aconteceram as tragédias em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e na região metropolitana de Recife, em Pernambuco. Na área econômica, os prejuízos públicos e privados atingiram cerca de R$ 25 bilhões apenas no ano passado – sendo R$ 11,3 bilhões de prejuízos públicos e 13,7 bilhões privados. Entre as perdas do setor privado, somente a agricultura concentrou R$ 10 bilhões em prejuízo econômico.
NEVASCA MATA NOS EUA ENQUANTO CALOR DERRETE GELO DA PATAGÔNIA
Na newsletter anterior, relatamos o frio extremo que acometia Estados Unidos e Canadá. Engana-se quem acha que crise climática é só calor. Na verdade, ela provoca extremos de todos os lados. A situação continua congelante por lá e ao menos 72 pessoas já morreram nos EUA por causas ligadas ao frio extremo. Já na América do Sul, a beleza da Patagônia argentina está sendo modificada pelo calor anormal para essa época do ano. O gelo está derretendo. Claudio Angelo, coordenador de Comunicação e Política Climática do OC, teve suas férias interrompidas pelo aquecimento global e conta , direto da região, como andam as coisas por lá.
COLÔMBIA PEDE AJUDA PARA CONTER INCÊNDIOS FLORESTAIS
O governo colombiano ativou na última quinta-feira (25) uma de Sala Crise Nacional permanente para conter os incêndios florestais que se espalham pelo país. O presidente Gustavo Petro também pediu ajuda internacional para conter o fogo, que já se aproxima da capital Bogotá. Estados Unidos , Canadá, Chile e Peru confirmaram apoio. Até sexta-feira (26) , o total de incêndios registrados em janeiro alcançava 319. Do total, 34 permaneciam ativos e 11 controlados. Os outros 273 haviam sido extintos. A Colômbia tem enfrentado altas temperaturas e tempo seco.
SECA HISTÓRICA NA AMAZÔNIA FOI INTENSIFICADA PELAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, MOSTRA ESTUDO
Lembram das imagens de rios secos na Amazônia? Uma pesquisa publicada pela Rede Mundial de Atribuição (WWA, na sigla em inglês) mostrou que aquela seca foi intensificada pelas mudanças climáticas. O El Niño também teve sua parcela de responsabilidade – reduzindo a quantidade de chuvas quase na mesma proporção que as mudanças climáticas –, mas foram estas alterações no clima que deixaram o tempo mais quente, influenciando decisivamente a sequidão. Segundo a análise, com o clima 1,2 °C mais quente que na época pré-industrial (1850-1900), as secas meteorológicas (períodos prolongados com pouca ou nenhuma chuva) poderão ocorrer a cada 100 anos e são 10 vezes mais prováveis na região. Já as secas agrícolas, que ocorrem quando o solo tem pouca umidade, poderão ocorrer a cada 50 anos, além de terem se tornado 30 vezes mais prováveis.
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YOUTUBE LUCRA COM NEGACIONISMO CLIMÁTICO, QUE TEM NOVOS ALVOS
Mudar para continuar igual. Conteúdos negacionistas da crise do clima nas plataformas digitais têm se remodelado, alterando a prioridade de seus alvos. Com eventos extremos pipocando a cada esquina, é cada vez mais difícil negar a existência da emergência climática, ganhando mais destaque conteúdos que desacreditam as soluções cientificamente sustentadas para a crise do clima e questionam os modelos científicos para a projeção do aquecimento futuro na Terra.
A tática parece estar dando certo, como mostrou estudo , publicado pelo Center for Countering Digital Hate (CCDH). Os conteúdos negacionistas seguem circulando intensamente, influenciando a percepção da sociedade (e, consequentemente, limitando a ação climática) e gerando lucros milionários às plataformas digitais. O Youtube chega a lucrar US$ 13,4 milhões por ano em anúncios nos canais analisados.
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CAATINGA TEM APENAS 11% DE ÁREA COBERTA PELA VEGETAÇÃO NATIVA
A expansão da agricultura, da pecuária e do desmatamento está destruindo a Caatinga, único bioma completamente brasileiro. A conclusão é de análises produzidas por biólogos das universidades federais da Paraíba (UFPB) e de Pernambuco (UFPE). As áreas agrícolas e pastagens abandonadas ou em uso ocupam 89% do território, o que significa que resta apenas 11% de vegetação nativa. A caatinga se espalha por 10 estados do Nordeste e Sudeste. Pesquisadores de diversas universidades estudam possibilidades de recuperação da vegetação.
EM DAVOS, MINISTRO BRASILEIRO DEFENDE NOVAMENTE EXPANSÃO DE PETRÓLEO
Não é novidade que o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, quer sugar até a última gota de petróleo brasileiro e usa o argumento de que a transição energética tem que acontecer “em paralelo” à expansão dos fósseis. Silveira, agora, fez a defesa sentado ao lado da presidente de uma petroleira e usou o nome do Papa Francisco para se vangloriar dos caminhos do Brasil na transição. Silveira só esqueceu que o Papa falou que para pararmos de explorar combustíveis fósseis o mais rápido possível, porque o planeta está à beira do colapso. O discurso contraditório de Silveira foi durante o Fórum Mundial Econômico em Davos, na Suíça, no dia 18.
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NA PLAYLIST
“Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu. Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu. Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus”. A referência à tragédia de 2022 no Recife pede a clássica “A cidade” , de Chico Science & Nação Zumbi.
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O post “Na newsletter: Ondas de calor mataram 48 mil no Brasil entre 2000 e 2018” foi publicado em 29/01/2024 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima