DO OC – As emissões de gases de efeito estufa resultantes de incêndios na Amazônia mais que dobraram na última década, na comparação com o período de 1990 a 1999. Mesmo com o total de emissões em queda (resultado da diminuição do desmatamento, principal responsável pelo despejo de CO2 na atmosfera pela floresta), o número absoluto causado pelo fogo apresentou aumento expressivo no período.
As informações preliminares são de um estudo a ser publicado pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), e foram apresentadas na última sexta-feira (8) num evento na COP28, em Dubai, que discutiu as emissões do Brasil.
“Após o incêndio na floresta, as emissões não param. As árvores morrem após o incêndio, e a maior parte das emissões ocorre depois disso, em um processo que pode durar ao menos dez anos”, explicou Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam.
O painel “Emissões brasileiras: no caminho certo para a COP30?” contou ainda com a participação de David Tsai, coordenador do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima), Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Brenda Brito, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), e Isabel Garcia-Drigo, gerente de Clima e Inteligência de Dados do Instituto para o Manejo e Certificação Agrícola e Florestal (Imaflora).
Alencar apresentou também os dados sobre desmatamento e emissões no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, a derrubada no Cerrado atingiu 11.011,69 km2, segundo dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – um aumento de 3% em relação ao ano anterior. A área desmatada superou a da Amazônia, que foi de 9.001 km2 (uma redução de 22% em relação ao ano anterior).
“Se comparamos as áreas dos biomas, veremos que o Cerrado é duas vezes menor que a Amazônia e tem menos de 50% de sua vegetação nativa preservada”, observou a diretora do Ipam, que lembrou ainda o papel estratégico do bioma para a provisão de água, além de sua rica biodiversidade e diversidade cultural. Alencar defendeu a necessidade de medidas específicas para o combate ao desmatamento no Cerrado, começando pela regularização fundiária para monitoramento de propriedades e seguindo com uma rígida política de licenciamento ambiental, atualmente desestruturada por estados e municípios.
Tsai apresentou os dados do SEEG para as emissões do Brasil em 2022. O país emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa no ano passado, 48% deles relacionados às mudanças de uso da terra, em sua maioria derivadas do desmatamento – em especial no Cerrado e na Amazônia. “Mesmo com a queda dos indicadores, as mudanças de uso da terra, que incluem a devastação de todos os biomas brasileiros, responderam por 1,12 bilhão de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), ou 48% do total nacional.”
Ele mostrou, porém, que é possível para o Brasil exceder em muito a meta da NDC caso o governo cumpra a promessa de zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030. Se isso ocorrer, apontou Tsai, o país chegará ao final do período de compromisso com no máximo 690 milhões de toneladas de emissões líquidas – mesmo sem considerar ações mais firmes de corte de emissão em outros setores. “A estimativa é muito conservadora. Sabemos que é possível fazer mais nos setores de energia e de agropecuária, como no caso do corte de emissões de metano, que o SEEG já mostrou como fazer”, afirmou.
O desmatamento zero, porém, é um caminho longo, como mostraram os outros membros do painel ao falar sobre a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica. Brenda Brito, pesquisadora associada do Imazon, mostrou como o governo anterior tentou permitir a privatização de terras públicas na Amazônia – 69% das florestas públicas não destinadas, quase 18 milhões de hectares, estavam em risco de privatização –, com um decreto que foi revogado em setembro deste ano. Brito também trouxe dados atualizados de um estudo do Imazon sobre o programa Amazônia Protege, do Ministério Público Federal, mostrando que a impunidade ainda campeia na floresta: 76% de 1.240 ações civis públicas movidas pelo MPF contra desmatadores foram extintas na primeira instância por terem réus desconhecidos.
Mata Atlântica
Os dados sobre a Mata Atlântica, bioma mais devastado do Brasil, presente em 17 dos 27 estados, em 62% das cidades e que abriga 72% da população do país, foram discutidos por Luís Fernando Guedes Pinto. O representante da SOS Mata Atlântica lembrou que o bioma é o único a contar com uma legislação específica para sua proteção, resultado de anos de negociações e pressão da sociedade civil, o que permitiu a estruturação de ações de combate ao desmatamento.
Justamente por isso, para Guedes, a Mata Atlântica tem condições de ser o primeiro bioma brasileiro a atingir a meta de desmatamento zero, transformando-se em exemplo global. “Podemos demonstrar ao mundo que é possível garantir desmatamento zero e promover alta restauração florestal”, disse.
Para isso, defende a aplicação rigorosa da Lei da Mata Atlântica e o reforço do licenciamento ambiental, somados à utilização de ações de comando e controle contra o desmatamento como embargos remotos e corte de crédito rural e suspensão do Cadastro Ambiental Rural para desmatadores. Ao mesmo tempo, diz, é necessário criar e fortalecer a governança em áreas protegidas públicas e privadas, além de implementar o que determina o Código Florestal sobre restauração. “A legislação prevê a restauração de ao menos 2,7 milhões de hectares, mas ainda estamos muito longe disso”, apontou.
Guedes apresentou dados da série histórica do desmatamento no bioma, produzidos pelo Inpe e pela SOS Mata Atlântica, que confirmam a importância da legislação específica e de uma governança estruturada. O estofo legal impulsionou a redução acentuada do desmate no bioma a partir do início dos anos 2000, inaugurando uma tendência de queda que garantiu, em 2017, os níveis mais baixos de desmate da série.
Durante o governo Bolsonaro, como resultado do desmonte da política ambiental, o desmatamento voltou a subir, e sua retomada neste ano já se traduziu em bons resultados: houve queda de 59% no desmate entre janeiro e agosto de 2023, na comparação com o mesmo período de 2022.
Soluções
“É possível existir uma agricultura de baixas emissões?”. A partir dessa provocação, Isabel Garcia-Drigo, do Imaflora, discutiu o nó central para o corte de emissões brasileiras, dominadas pelas mudanças no uso da terra, sobretudo o desmatamento impulsionado pela atividade agropecuária. “O que queremos discutir é como passar do pior modelo produtivo para um mais sustentável”, disse.
O primeiro passo, segundo ela, é identificar produtores que adotam modelos sustentáveis em todos os biomas e mapear suas melhores práticas, além de seguir as recomendações de instituições de pesquisa especializadas no tema. Citando exemplos bem-sucedidos de áreas produtivas de carne e laticínios com baixas taxas de emissão, assim como de pequenos produtores responsáveis pela recuperação de áreas degradadas, Garcia-Drigo defendeu a necessidade de implementação em larga escala dessas iniciativas.
“Precisamos ampliar a implementação das soluções oferecidas pela ciência agronômica. Para isso, é preciso reorientar os fluxos de financiamento. Temos que financiar os modelos corretos, tanto através do crédito público, como o Plano Safra, mas também pelos bancos privados”, apontou.
Além disso, destacou a necessidade de valorização de tecnologias simples e acessíveis a pequenos produtores, da provisão de assistência técnica, sobretudo em regiões mais remotas, e do monitoramento dos resultados em emissões e sequestro de carbono. “É um longo caminho, mas temos exemplos de como fazer no Brasil”, finalizou.
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O post “Emissões por incêndios mais que dobram na Amazônia desde anos 1990” foi publicado em 10/12/2023 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima