DO OC – A COP28, 28ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, começa nesta quinta-feira (30/12) em Dubai, Emirados Árabes Unidos. No ano mais quente dos últimos 125 milênios, quando a humanidade teve um gostinho do que será tentar sobreviver em mundo que falhe com as metas do Acordo de Paris, a conferência tem a tarefa de finalizar o Balanço Global do tratado, traçar planos concretos para efetivar o que já foi pactuado e aumentar a ambição da ação climática. O desafio é gigantesco: a COP28 acontece em um petroestado e sob a batuta de um presidente, o Sultan Al Jaber, que é também CEO da pretroleira Adnoc e foi flagrado tentando usar a conferência para fechar negócios em óleo e gás.
Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega a Dubai pronto para apresentar bons resultados no combate ao desmatamento, a criação de um plano de transformação ecológica para o Brasil, a correção da meta climática do país e uma proposta de criação de um fundo global para proteção de florestas. Lula tem a missão de usar esse capital político para exercer um papel concreto de liderança, contribuindo para uma COP resolutiva e com metas ambiciosas. Listamos, abaixo, dez coisas em que prestar atenção nesses próximos dias.
1. O GST
A conferência de Dubai será o momento da verdade do Acordo de Paris: nela será finalizado o Balanço Global (Global Stocktake, ou GST), o momento em que os países se reunirão para concluir o óbvio: as metas colocadas na mesa até aqui são insuficientes para prevenir os piores efeitos do aquecimento global. O GST deveria produzir uma série de recomendações aos governos sobre como aumentar a ambição das metas até 2030 e como implementar as que já estão propostas. Para dar ideia do tamanho da tarefa, a ciência já disse que o mundo precisará cortar 43% das emissões até 2030 em relação aos níveis de 2019; as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) existentes hoje cortariam algo entre 2% e 8% das emissões até aquele ano.
2. Dubai
A nababesca capital de um dos emirados unidos quer ser a Cingapura do Oriente Médio. Construída com e movida a petrodólares, Dubai talvez seja o penúltimo lugar (sempre temos Riad, afinal) que poderia hospedar uma COP do clima. A infraestrutura impecável erguida em pleno deserto, com arranha-céus e jeitão de megalópole ocidental, mal disfarça uma monarquia absolutista com desprezo quase absoluto pelos direitos humanos. Jornalistas já foram alertados (num guia vexatório que depois foi deletado) a não ofender os monarcas. E protestos de rua, uma das principais ferramentas de pressão da sociedade civil, estão proibidos.
3. Sultan Al-Jaber
Nunca houve na história das COPs um presidente tão controverso quanto o emiradense Sultan Ahmed Al-Jaber. Afinal, nunca uma conferência cujo objetivo final é livrar o mundo dos combustíveis fósseis foi presidida pelo CEO de uma petroleira (no caso, a estatal Adnoc, uma das maiores do mundo). Seria o equivalente a ter Fernandinho Beira-Mar na direção da Polícia Federal ou, sei lá, Ricardo Salles ministro do Meio Ambiente. Al-Jaber lembra Salles, aliás, em seus discursos enaltecendo o setor privado e dizendo que as COPs anteriores nunca entregaram o bastante porque ele não era o chefe. Quando não está planejando aproveitar a COP para fazer negócios em óleo e gás com outros líderes, Al-Jaber escreve cartas para os delegados dos outros países. A mais recente delas convida o mundo a assinar uma série de compromissos voluntários em Dubai, em temas que vão de sistemas alimentares até clima e saúde. Alguns países veem nessa pororoca de mini-acordos setoriais e promessas uma distração para os problemas do processo multilateral.
4. Lula
Depois de ter sido a estrela da COP27, no ano passado, com o bordão “O Brasil voltou”, o presidente deve chegar chegando em Dubai, primeira COP do seu terceiro mandato. Lula tem muito o que exibir nos dois dias (1o e 2 de dezembro) que passará na Cidade do Ouro: uma queda de 22% no desmatamento da Amazônia, um plano de transformação ecológica, a união entre os países florestais na Cúpula da Amazônia e uma aguardada proposta de criação de um fundo global para proteção de florestas em 80 países. Ele deve fazer, ainda, um outro anúncio, que vem sendo mantido em segredo pelo governo. A presidência do G20 e da COP30, em 2025, tornam o Brasil foco natural das atenções em Dubai, e o mandatário brasileiro deve aproveitar os holofotes no exterior para fazer as vezes de estadista. As contradições internas do governo, como as pressões pelo petróleo na Foz do Amazonas, os retrocessos impostos pelos ruralistas na agenda legislativa (com apoio tácito ou explícito da articulação política do Planalto) tendem a ficar em segundo plano.
5. Perdas e danos
O fundo de perdas e danos, para ajudar as nações vulneráveis a lidar com os eventos extremos aos quais já não cabe adaptação – como a elevação do nível do mar e o impacto de ciclones – teve sua criação acordada no Egito em 2022 e espera-se que se torne operacional a partir de Dubai. Após cinco reuniões tensas, o comitê de transição encarregado de formatar o fundo enfim concordou em criá-lo no âmbito do Banco Mundial, que o hospedará em caráter interino por quatro anos, como queriam os países ricos. Os países emergentes, por sua vez, ganharam, também por enquanto, o direito de não ser obrigados a doar para o fundo. Se os EUA, maiores opositores do mecanismo, não reabrirem toda a negociação em Dubai, a COP poderá ter um resultado concreto nesse ponto central para a justiça climática. Oremos.
6. POFF!
A sigla original em inglês é FFPO, de “fossil fuels phase-out”, ou “eliminação gradual dos combustíveis fósseis”. Mas ela fica mais divertida em português invertendo a ordem dos termos para “phase-out of fossil fuels”, ou “Poff”. Para que o mundo tenha uma chance de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima do pré-industrial, a COP28 precisará entregar um calendário de eliminação dos combustíveis que estão matando o planeta – ou, no mínimo, uma decisão de eliminá-los, todos eles, de forma rápida, justa, completa e bem financiada. Mas, claro, seria esperar demais que uma COP presidida por um barão do petróleo pudesse terminar com uma concessão dessas à ciência e ao bom senso; o Poff não está sequer entre os 171 itens de agenda de Dubai. A sociedade civil e alguns países vêm botando pressão para que o tema, o grande elefante na sala da COP28, apareça no texto do Balanço Global. Uma COP que não toque no único assunto que interessa dificilmente poderia ser considerada um sucesso.
7. Lobistas
No ano passado, centenas de representantes do lobby dos combustíveis fósseis infectaram a COP27 e causaram escândalo mundial. A campanha Kick Big Polluters Out já contou 7.200 representantes dessa indústria atrapalhando as COPs nos últimos 20 anos. Os Emirados Árabes Unidos agora resolveram esse problema no atacado, botando um lobista dos fósseis na presidência da COP28. A ONU estabeleceu novos critérios para permitir a identificação desses profissionais nas COPs: os crachás agora, reza a lenda, terão de dizer qual é a filiação de uma pessoa convidada por um governo para participar de sua delegação. Dado que alguns lobistas são membros do próprio governo (alô, Alexandre Silveira), a medida tende a ter eficácia limitada.
8. Dinheiro
Os chamados “meios de implementação”, um nome diplomático para bufunfa, vêm sendo o grande obstáculo das conferências do clima. Em Paris, os países ricos prometeram US$ 600 bilhões (US$ 100 bilhões por ano entre 2020 e 2025) para ajudar as nações em desenvolvimento a combater a mudança climática e adaptar-se a ela. Até agora não pagaram. A dívida faz os países pobres e emergentes se recusarem a promessas mais ambiciosas de corte de emissões, condicionando parte de suas metas climáticas ao apoio dos ricos. Além de demonstrar como os US$ 600 bi serão efetivamente pagos até 2025, considerando os atrasos até aqui, os países ricos precisam apresentar na COP28 um roteiro para alcançar outra meta: a de duplicar nos próximos dois anos o financiamento específico para adaptação em relação aos níveis de 2019.
9. O Programa de Trabalho em Mitigação (MWP)
O Balanço Global é a hora da verdade da COP28, mas não termina nela. Além de garantir avaliação das metas, já sabidamente insuficientes, e definir o aumento da ambição, precisa se desdobrar em ações concretas. Espera-se que o Programa de Trabalho em Mitigação (MWP) possa cumprir esse papel, promovendo cooperação internacional e soluções práticas para temas como a redução de emissões de gases de efeito estufa, a transição para as energias renováveis e, centralmente, a definição de prazos para que os combustíveis fósseis deixem de vez a matriz energética global.
10. O mundo real
Enquanto, no mundo das negociações, os atrasos, metas insuficientes e eternas disputas emperram a ação climática, o mundo real não dá trégua. Como se ainda fosse preciso, 2023 nos deu exemplos concretos do que é viver (ou tentar) em um planeta que falhe em conter o aquecimento global. A COP28 acontece no ano que muito provavelmente será o mais quente em 125 milênios, como concluiu o serviço climático europeu Copernicus no início deste mês, e depois de ultrapassarmos – mesmo que por apenas um dia – a meta de 2ºC de aumento na temperatura da Terra em relação à era pré-industrial. Eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes, como as ondas de calor sem precedentes, enchentes e secas devastadoras, além do degelo polar recorde, deram à humanidade um aperitivo do que pode ser a próxima década caso o limite “seguro” de 1,5ºC de aquecimento seja rompido. Entre 1º de novembro de 2022 e 31 de outubro de 2023, segundo a Climate Central, a temperatura do planeta já ficou 1,32ºC acima dos níveis pré-industriais. No período, 90% da população mundial enfrentou pelo menos dez dias de calor extremo. Enquanto a janela para reverter a catástrofe se estreita, a régua do mundo real é mais importante para dar o sentido de urgência necessário à COP28.
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O post “Dez coisas em que prestar atenção na COP28” foi publicado em 30/11/2023 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima