Anteontem o
Metrópoles revelou um áudio em que o deputado federal André Janones (Avante-MG) pedia rachadinha a seus assessores. O áudio é de fevereiro de 2019 e foi gravado em seu gabinete na Câmara. Janones estava então assumindo seu primeiro mandato.
Pra quem não sabe quem é Janones, o advogado se lançou candidato a presidente nas últimas eleições pelo partido nanico (e não de esquerda) Avante. Foi muito inteligente em desistir da candidatura e apoiar Lula, ganhando assim projeção nacional. Foi importantíssimo na campanha, entendendo as redes sociais como poucos e muitas vezes usando artimanhas bem parecidas com as da direita, como fake news e ataques pesados contra adversários. Seu método recebeu a alcunha de janonismo cultural (recentemente ele publicou um livro com esse título). Foi cotado para ser Secretário da Comunicação (felizmente, o PT escolheu um dos seus — o deputado federal Paulo Pimenta). Segue sendo um nome importante na resistência ao bolsonarismo.
Mas sua casa começou a ruir com a divulgação de outros áudios. Um o
mostrava histérico com a incompetência dos seus assessores, principalmente com seu primo, que iria ser candidato a prefeito de Ituiutaba (MG), e que, segundo Janones, só queria o cargo para poder
ganhar milhões com propina e gastar tudo com prostitutas. Um político confiável deveria manter pessoas assim longe da política. Nunca nomeá-lo assessor, certo?
Mas o
áudio de 2019 é infinitamente pior. Nele, Janones diz a seus assessores: “Tem algumas pessoas aqui, que vou conversar em particular depois, que vão receber um pouco de salário a mais e elas vão me ajudar a pagar as contas que ficou da minha campanha de prefeito, porque eu perdi R$ 675 mil na campanha. Elas vão ganhar a mais para isso. ‘Ah, isso é devolver salário, e você está chamando de outro nome.’ Não é, porque o devolver salário você manda na minha conta, e eu faço o que eu quiser. Eu perdi uma casa de R$ 380 mil, um carro, uma poupança de R$ 200 mil e uma previdência de R$ 70 (mil). Eu acho justo que essas pessoas também participem comigo da reconstrução disso. Então, não considero isso uma corrupção. Isso são simplesmente pessoas que eu confio e que participaram comigo em 2016, que eu acho que elas entendem que realmente meu patrimônio foi todo dilapidado. Não acho justo, por exemplo, o Mário vai ganhar R$ 10 mil, e eu vou ganhar R$ 25, né, de… Só que o Mário os 10 mil é dele, é líquido. Eu, dos 25, 15 eu vou usar para pagar as dívidas que ficou de 2016. Não é justo, entendeu?”
Não tenho qualquer dúvida que nós da esquerda consideraríamos esse áudio lamentável (e criminoso) se ele viesse de algum deputado de direita. Não dá pra passar pano só porque Janones é aliado.
Sabemos que Bolsonaro e seus filhos usaram o esquema das rachadinhas durante décadas para enriquecerem. Mas lógico que não são os únicos. É sim uma prática bastante comum entre parlamentares e seus assessores. E deve ser combatida e eliminada, porque é corrupção com dinheiro público.
Ao que tudo indica, Janones não usou as rachadinhas para enriquecer, e sim para pagar dívidas da
campanha de 2016 , quando concorreu a prefeito de Ituitutaba (ficou em segundo lugar, com 13 mil votos). E, diferente da familícia Bolso, seus assessores não eram funcionários fantasmas. Mas é rachadinha de qualquer jeito, uai.
A fala de Janones também me chamou a atenção porque ele insiste no “patrimônio dilapidado” que ele precisa reconstruir. Fica a dúvida: se ele tivesse sido eleito prefeito, como faria para reaver o dinheiro investido na campanha? Cobrando rachadinha dos assessores ou propina nas obras da cidade?
Janones usou suas redes sociais para expor sua revolta por ter sido exposto. Disse que o áudio é clandestino e criminoso (ou seja, que não foi gravado com autorização), que está fora de contexto, que desafia colocarem o áudio na íntegra (aqui os quase 50 minutos de áudio na íntegra), que está sendo atacado pela extrema-direita, que já o tinha acusado em 2021, sem nenhum resultado.
De fato, Janones foi denunciado ao MPF de Minas pela primeira vez em 2021 pelo ex-assessor Fabricio Ferreira de Oliveira, que afirmou que o esquema das rachadinhas era operado pela então secretária parlamentar Leandra Guedes, hoje prefeita de Ituitutaba. Oliveira anexou à denúncia a gravação de outro assessor de Janones, Alisson Alves Camargo, que dizia receber cerca de R$ 10 mil por mês e repassava a metade para “eles” (Janones e Leandra). Tudo era feito com dinheiro vivo. Mas nessa denúncia de dois anos atrás havia apenas os áudios dos assessores falando das rachadinhas. Agora há o áudio do próprio Janones.
À noite, em
entrevista ao ICL , Janones se contradisse várias vezes. Disse que não se lembrava de ter falado isso, e que não tem como se lembrar de cada coisa que falou nos últimos anos, mas depois deu detalhes do contexto do áudio (foi mesmo pros seus assessores, que ele chama de amigos). No áudio, e no início da entrevista, falou em dívidas da campanha
dele, que depois viraram dívidas da campanha
deles (dos assessores). Disse que a campanha para prefeito foi linda (e daí?). Disse que ele realmente falou tudo aquilo pros “amigos” (ele não assume que já eram seus assessores e que ele já era o chefe), mas que ele acabou não cobrando nenhum dinheiro, pois pagou as dívidas sozinho (só as dele? e as dos outros?), ou seja, que não houve materialidade (só intenção). Disse também que foi a mão de Deus que o colocou na Câmara, então só Ele pode tirá-lo de lá. Onde já vimos esse discurso messiânico antes?
Ontem, quando o Metrópoles publicou a íntegra do áudio (que foi gravado por um outro ex-assessor, o jornalista Cefas Luiz), Janones lançou uma nova versão: que sim, ele “sugeriu aos amigos” coletar parte do salário deles para pagar dívidas da campanha, mas que sua “sugestão foi vetada pela minha advogada e, por isso, não foi colocada em prática. Fim da história”. Não é isso o que os ex-assessores dizem. Eles dizem que as rachadinhas começaram logo depois da reunião de 2019 (a que está gravada em áudio).
Infelizmente, a secretária do PT Gleisi Hoffman (e outras pessoas do governo)
já se manifestaram em favor de Janones, como se as denúncias fossem invenções de bolsonaristas, como se não houvesse um áudio extremamente comprometedor (e que é verdadeiro, não uma montagem nem um deep fake).
Janones, lógico, se aproveita disso e se vitimiza com louvor. Alega que
não se deve julgar e condenar sem ampla defesa (isso aparentemente não vale pros inimigos políticos), que o que estão fazendo com ele foi o mesmo que fizeram com Lula, e que “se não aprendermos a guerrear eles voltarão, com tudo! E aí, já era democracia!”
Eu não votei no Janones porque não voto em Minas. Mas nunca votaria porque só voto em mulheres para cargos parlamentares e porque nunca votaria num candidato do Avante (ainda por cima terrivelmente evangélico, pelo que parece). Reconheço sua importância na campanha de 2022, mas isso não deveria dar um passe livre pra ele agir da mesma forma que os velhos corruptos da direita que a gente tanto combate.