Qualquer pessoa minimamente sensata está desapontada que a Argentina — que muita gente achava que era um país mais politizado que o Brasil — elegeu um traste completo como Javier Milei.
As pesquisas erraram feio. Poucos imaginavam uma porcentagem tão grande para o maníaco da serra elétrica: 55% a 44% para Massa. O atual ministro da economia teria que descontar em Buenos Aires (que representa a metade dos eleitores do país) a enorme vantagem de Milei nas outras províncias, mas só conseguiu empatar. Nas províncias de Mendoza e Córdoba, Milei teve mais de 70%. E lá não tem Nordeste pra salvar o país. Só Santas Catarinas.
Tudo bem, a “esquerda” argentina (tenho dificuldade pra encarar peronismo ou kirchnerismo, dos quais nunca fui fã, como esquerda) errou feio em escolher Massa para ser o candidato. O atual governo é um fracasso, não foi capaz de reverter a desgraça de Macri (de direita), e o resultado está aí: inflação anual de mais de 140% e miséria em 40%. Era duro votar em Massa sem pensar que ele seria a continuidade. Mas dar um tiro no escuro desses e eleger um cruzamento de Bolsonaro com Paulo Kogos (como estava ontem no Twitter)?! Pô, eu votaria em qualquer coisa pra não votar no Milei! Votaria no Conan, o cachorro morto que lhe dá conselhos! Votaria até nas pulgas espirituais do Conan! Votaria até no Macri! (no Bolsonaro não. Há limites pra tudo nessa vida).
O principal grupo que elegeu Milei foi de rapazes jovens, sem educação formal, que já nasceram numa Argentina em crise (em 2001 o país passou pela pior crise de sua história, com cinco presidentes em duas semanas!) e nunca viram seu país prosperar. Desiludidos, achando que não podem contar com o Estado pra nada, eles acreditaram na lorota da extrema-direita de que é melhor acabar mesmo com o Estado! Ironicamente, esses são os que mais vão sentir na pele o que é um país quebrado, sem subsídios para a população, com tudo privatizado. Como sempre, alguém vai ganhar muito dinheiro com um governo de extrema-direita. Pena que não será o povo.
Milei já anunciou que romperá relações com seus dois maiores parceiros comerciais, China e Brasil. Disse que quer acabar com o Mercosul e que os primeiros países que irá visitar, logo após sua posse no dia 10 de dezembro, serão Israel e Estados Unidos. Na sua declaração de hoje afirmou que “tudo que puder estar em mãos privadas estará” (olha o tamanho do desastre).
O sociólogo Rudá Ricci destacou num fio algumas das propostas do cosplay de Capitão Gay (personagem antigo do Jô): na educação, Milei quer a fusão dos ministérios da saúde com o da educação, criando o “Ministério do Capital Humano”. Propõe um “voucher da educação”, e o livre comércio de órgãos humanos. Uma de suas promessas (que provavelmente não será concretizada por falta de verbas) é fechar o Banco Central e dolarizar a economia, exterminando o peso argentino. Terá minoria no Congresso, o que pode brecar seu projeto de destruição total. Mas qualquer coisa que fizer já será ruim.
Não haverá surpresas. O programa neoliberal de Milei já foi provado e reprovado. Não deu certo no Chile, nem na ditadura militar argentina, nem com Menem, nem com presidentes substitutos que ficaram poucos dias no cargo, e, finalmente, nem com Macri. Não há nada de diferente no discurso de Milei. Minha previsão (podem anotar) é que será uma gestão tão, mas tão tenebrosa que ele não completará seu mandato.
Pra reaça (de qualquer país) é fácil fazer previsão, já que eles não têm o menor compromisso com a ética e com a verdade. Quando Milei der muito errado (e vai dar), irão dizer que ele não é um libertário de verdade, que ele não é de (extrema) direita. Foi o que fizeram com Macri, lembram? Alguns bolsonarentos arrependidos adotaram esse “argumento” pro Bolso também. Não cola. Assumam: vocês não sabem votar. Muito menos governar. Só roubar.
Pra não chorar, a gente fica com o bom humor. O único lado positivo dessa história é que um monte de bolsonarista havia dito que se mudaria pra Argentina se Milei ganhasse. O problema é que não dá pra confiar. Mentem o tempo todo. Mas se for por uma boa causa, a gente faz vaquinha pra pagar as passagens só de ida.
Uns juraram que ganhar a Copa do Mundo foi tipo a última refeição de um condenado antes da execução. Outros que o resultado das eleições se deve a gerações de argentinos que vieram passar o verão em Santa Catarina. Um escreveu: “as veias fudidas da América Latina”, ha ha (triste).
Como disse um humorista, “Zoar a Argentina agora é chutar cachorro morto. E cachorro morto é assunto de Estado”. Uma tuiteira colocou um vídeo do Inelegível telefonando pro Milei com a legenda “Milei adora falar com cachorro morto”. O extremista já declarou que privatizará a YPF, a petroleira deles, e tem um bocado de gente pedindo pro Lula mandar a Petrobrás comprar a empresa argentina. Outro disse que daqui a alguns meses poderemos trocar um caminhão de abacate por qualquer empresa do país vizinho. Outro: “Já já vão querer anexar e vamos mudar ‘do Oiapoque ao Chuí’ para ‘do Oiapoque ao Ushuaia'”.
Já o maridão sugeriu (é brincadeira, sulistas de esquerda!) que, como Milei promete liquidar a Argentina, os bolsonaristas do Sul bem que podiam comprar um pedaço do norte da Argentina (vai ficar baratinho logo), se mudar pra lá, e fundar o Sul é Meu País. Aí a gente aproveitaria RS, SC e PR livres de fascistas para criar o Nordeste do Sul por lá.
Não, sério, assim como existe resistência no sul do Brasil, também existe na Argentina. Muita gente (principalmente as mulheres, acima de tudo as feministas) continuará lutando. Vamos torcer por elas para que o pior passe logo e lutar junto sempre que pudermos.
O post “É RIR PRA NÃO CHORAR COM O NAUFRÁGIO DA ARGENTINA” foi publicado em 20/11/2023 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva