DO OC – As intensas queimadas que atingem a Amazônia podem colocar em risco o progresso obtido com a redução do desmatamento no bioma, alertaram cientistas em artigo publicado na última segunda-feira (16/10) na Nature Ecology and Evolution. As emissões de CO2 resultantes dos incêndios podem acelerar o processo de conversão da floresta em uma fonte de carbono, aniquilando seu papel de “sumidouro” do gás-estufa.
Os autores destacam ainda que outros desdobramentos do fogo, como os danos à saúde causados pela fumaça gerada pelas queimadas e o comprometimento dos serviços ecossistêmicos prestados pela Amazônia, podem afetar o bem-estar e os modos de vida de povos originários e tradicionais da floresta.
Assinado por um time de 18 cientistas, o artigo foi liderado por Gabriel de Oliveira, pesquisador da Universidade de South Alabama, nos Estados Unidos, e tem como co-autores pesquisadores brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e de universidades como a Federal do Amapá (Unifap), Federal da Paraíba (UFPB) e do Estado Mato Grosso (Unemat), entre outras instituições.
Retomando o histórico de destruição da governança ambiental nos últimos anos, o texto destaca os resultados positivos obtidos pelo novo governo na queda dos alertas de desmatamento da Amazônia entre janeiro e julho deste ano (42%, na comparação com o mesmo período de 2022; entre janeiro e setembro, a queda chega a 49,5% na comparação com o ano passado) e também no combate ao garimpo ilegal, sobretudo na Terra Indígena Yanomami. “Há sinais de recuperação em direção à proteção da Amazônia sob a administração federal atual do Brasil. No entanto, em meio à queda no desmatamento, uma nova ameaça está em ascensão: incêndios descontrolados”, diz o artigo.
Citando estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e publicado na Science no começo deste ano, o artigo aponta como o fogo se tornou a principal causa de degradação e perda florestal na Amazônia, como resultado da combinação do desmatamento e fragmentação da floresta (causados pela expansão do agronegócio) com as secas e ondas de calor agravadas pelas mudanças climáticas.
“As mudanças climáticas têm levado a um aumento nas secas e no calor extremo, fazendo com que as florestas queimem com mais frequência. Além disso, o desmatamento e a expansão da agricultura prejudicaram a integridade das florestas da região e enfraqueceram sua capacidade de resistir à seca. Como resultado, os incêndios se tornaram mais comuns do que seriam em um floresta tropical que tivesse suas funções preservadas”, declarou Matthew Jones, da Universidade de East Anglia, um dos autores do artigo.
Os cientistas chamaram atenção para o fato de que, no primeiro semestre deste ano, mesmo com a queda do desmatamento – principal causa de incêndios na Amazônia –, houve alta nas queimadas. O mês de junho, por exemplo, registrou o maior número de focos de calor no bioma desde 2007. No acumulado do primeiro semestre, houve alta de 10% nos focos de calor, na comparação com os mesmos meses de 2022.
Os autores citam o El Niño, que trouxe calor e seca à região, e efeitos de derrubadas passadas na floresta como causas para o aumento do fogo mesmo com queda no desmatamento. “Algumas áreas de floresta que foram cortadas mecanicamente nos últimos anos estão apenas agora ficando secas o suficiente para queimar. Por fim, os proprietários de terras podem estar queimando pastagens mais cedo na estação seca, em antecipação a uma moratória de incêndios esperada ainda este ano, devido a uma forte seca ligada ao El Niño.”, afirmam.
Em tempo: mesmo que os meses de agosto e setembro tenham registrado queda nos focos de calor na comparação com 2022, a situação é alarmante, como destacou o presidente do Ibama , Rodrigo Agostinho, na semana passada. Na mesma ocasião, Agostinho alertou proprietários rurais para o embargo de áreas incendiadas: “Queimou a propriedade, não vai conseguir mais financiamento agrícola”, afirmou.
Os cientistas defendem ações de reflorestamento, de manejo florestal sustentável e incentivo à agrofloresta para contornar o cenário de incêndios e degradação. “O Brasil, outras nações amazônicas e a comunidade internacional precisam cooperar e oferecer o apoio necessário para avançar rapidamente na pesquisa e na governança visando um manejo sustentável da terra que seja seguro contra incêndios, ao mesmo tempo em que reduzem a derrubada da floresta e fazem a transição de um modelo econômico baseado em commodities para uma bioeconomia sustentável que beneficie todos os habitantes da Amazônia”, afirmam. (LEILA SALIM)
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