DO OC – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciará a correção da meta climática brasileira na Cúpula da Ambição Climática da ONU, que ocorre no próximo dia 20 de setembro em Nova York, durante a Assembleia Geral do órgão. Na última quinta-feira (14/9), o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) aprovou uma resolução determinando o ajuste da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do país.
Em 2020, durante a gestão Bolsonaro, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles deu um golpe nos compromissos brasileiros com o Acordo de Paris e apresentou à Convenção do Clima da ONU uma ambição menor do que a que fora submetida em 2015, violando as regras do tratado. A chamada “pedalada climática” foi questionada na Justiça por seis jovens ativistas em 2021, com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente, incluindo a atual ministra Marina Silva.
Na resolução aprovada ontem, o Comitê determina que o Ministério das Relações Exteriores comunique para a Comissão-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) “a correção da NDC do Brasil, retomando o nível de ambição apresentado em 2015, no Acordo de Paris, em termos dos valores absolutos das emissões de gases de efeito estufa”.
“Essa decisão é muito importante simbolicamente, porque ela ajuda a encerrar as maldades que o governo Bolsonaro fez. Mostra que este governo está tentando anular essas maldades e avançando na reconstrução da política climática brasileira”, afirmou Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, lembra que a correção é um importante primeiro passo, que precisa ser seguido do avanço na ambição brasileira. “Finalmente corrigimos a pedalada climática e o Brasil deixa de ser um país que viola o Acordo de Paris, mas não podemos perder de vista que estamos vivendo uma emergência climática. O mundo tem pressa para conseguir manter a meta de 1.5 viva e o Brasil está apenas voltando a sua promessa de 2015″, diz.
Em junho deste ano, no Dia Mundial do Meio Ambiente, Lula havia anunciado a reversão da pedalada e também a elaboração de uma nova NDC, compatível com a posição de liderança que o Brasil pretende ocupar na agenda climática internacional. Ontem, além de determinar a correção da NDC, o Comitê Interministerial aprovou a criação de um grupo de trabalho para atualizar o Plano Clima, que determinará a nova meta climática do Brasil.
“A gente está assumindo que aquilo que estava escrito no anexo da NDC original, uma emissão de 1,3 bilhão de toneladas [de CO2 equivalente] em 2025 e de 1,2 bilhão em 2030, é o que vale. O piso em termos de ambição está dado, e a partir daí vamos construir a nova NDC, que logicamente será mais ambiciosa do que isso”, completou Ana Toni, que confirmou que a correção será tema do discurso de Lula no evento da ONU na próxima semana.
Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, destaca que a reversão da NDC é uma vitória da sociedade que tem origem na mobilização dos jovens ativistas em 2021. “A decisão do Comitê Interministerial de determinar a correção da pedalada climática é de suma importância. O país não pode querer ser um líder em clima e meio ambiente afrontando o Acordo de Paris. Tenho muito orgulho do papel do OC no apoio técnico e jurídico para os jovens ativistas que processam o governo, desde 2021, para que a pedalada seja eliminada. Certamente essa ação popular foi elemento central na decisão do governo Lula. Tenho muito orgulho também dos seis jovens que encararam o desafio de lutar na justiça contra essa ilegalidade”, afirmou.
É a mesma opinião de Paloma Costa, uma das autoras da ação. A co-fundadora do Youth Climate Justice Fund , que na época da ação integrava a Rede Engajamundo, considera que a vitória abre caminho para mais avanços. “[a resolução] significa que nossas demandas (judiciais) como juventudes foram escutadas. Mas, em tempos de colapso climático, precisamos dar um passo mais além e já estamos bastante atrasados. Esse é só o primeiro para estruturarmos um caminho de verdadeira ação e ambição climática. Ainda ficam dúvidas sobre como, por exemplo, vamos construir esse processo junto às juventudes e a diversidade da sociedade civil brasileira”, analisa.
A reunião do CIM no último dia 14 de setembro foi a primeira desde a reformulação do órgão, em 5 de junho. O colegiado é composto por 18 ministérios e presidido pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa. No total, foram aprovadas por unanimidade cinco resoluções. Além da decisão sobre a NDC e atualização do Plano Clima, foram criados grupos de trabalho para atualizar a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC) e implementar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Foi ainda aprovado o novo regulamento interno do Comitê.
Além de Rui Costa, participaram da reunião o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra Marina Silva, que discursaram na abertura, e os ministros Anielle Franco (Igualdade Racial), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Nísia Trindade (Saúde) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura familiar). A próxima reunião do CIM deverá ocorrer em novembro, antes da COP28, que será realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Entenda a pedalada
A NDC apresentada originalmente pelo Brasil, em 2015, apresentava a meta de reduzir em 37% as emissões do país até 2025, em relação ao que fora emitido em 2005. Além disso, indicava que as emissões poderiam ser reduzidas em 43% até 2030.
Na atualização irregular de 2020, o governo confirmou esse compromisso indicativo, só que a base de cálculo mudou. Com a nova base, os percentuais significariam uma redução menor do que a apresentada em 2015, o que é proibido pelas regras do Acordo de Paris. O tratado determina que as NDCs podem ser atualizadas apenas para aumentar a ambição, e não diminuí-las.
A base de cálculo usada pela NDC de 2015 foi o Segundo Inventário Nacional de emissões de gases de efeito estufa. Os percentuais, aplicados a essa base, significariam que o Brasil deveria chegar a 2030 emitindo 1,2 bilhão de toneladas líquidas de dióxido de carbono equivalente (CO2e).
A manobra de Salles, em 2020, passou a usar como referência o Terceiro Inventário Nacional, que calculava um valor de emissões muito mais alto em 2005. A NDC de 2020 também abria a possibilidade de usar como referência inventários mais recentes. Pelo cálculo com base no terceiro inventário, o percentual de 43% de redução até 2030 significa a emissão de 1,6 bilhão de toneladas líquidas de CO2e – 400 milhões de toneladas a mais do que na meta original.
Em 2021, o Brasil apresentou na conferência do clima de Glasgow uma segunda atualização da NDC, aumentando de 43% para 50% o percentual de redução de emissões para 2030. Foi usado como base de cálculo o Quarto Inventário Nacional. A mudança reduziu, mas não eliminou a pedalada, permitindo ao Brasil emitir 73 milhões de toneladas a mais do que o inicialmente previsto. A correção anunciada agora retoma a ambição de 2015 e aponta o corte de 1,2 bilhões de toneladas de CO2e até 2030. (LEILA SALIM)
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