DO OC – Lançada nesta sexta-feira (8/9), a aguardada primeira edição do Global Stocktake (GST) alerta que o investimento na produção de combustíveis fósseis precisa ser redirecionado para a transição energética para que o planeta consiga limitar o aquecimento a 1,5 °C ou 2°C em relação aos níveis pré-industriais, como estabelece o Acordo de Paris. O balanço ressalta que, atualmente, apenas US$ 803 bilhões anuais são direcionados para a ação climática – o que corresponde a 32% do investimento anual necessário para implementar ações de mitigação consistentes com o aumento de até 2 °C na temperatura global.
Por outro lado, em média US$ 892 bilhões foram investidos em combustíveis fósseis por ano, e em média US$ 450 bilhões foram cedidos como subsídios anualmente em 2019 e 2020. A indústria fóssil, inclusive, tem grandes bancos como financiadores. “A eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis é uma estratégia fundamental para enfrentar as barreiras econômicas estruturais que podem perpetuar a inércia à mudança e impedir que alternativas econômicas e de baixo carbono sejam adotadas em grande escala”, diz o documento.
O GST, estabelecido pelo Acordo de Paris para “avaliar o progresso coletivo para alcançar o propósito do Acordo e seus objetivos de longo prazo”, foi publicado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC na sigla em inglês) e é considerado um mecanismo indispensável para a ação climática. Espera-se que o amplo balanço traga concretude às negociações e balize as decisões da próxima Convenção do Clima, que acontece em novembro em Dubai.
O documento também destaca a necessidade de investimentos para ações de mitigação e adaptação. O relatório lembra que o montante de US$ 100 bilhões prometido pelos países ricos (a cifra total é de US$ 600 bilhões, 100 por ano entre 2020 e 2025) para os países em desenvolvimento investirem em ação climática não foi entregue, mas que houve aumento em alguns investimentos. A percentagem do financiamento para adaptação, por exemplo, aumentou de 20% no período de 2017 e 2018 para 28% em 2019 e 2020.
Neste cenário, a primeira edição do GST defende que os fluxos financeiros – internacionais e domésticos, públicos e privados – se tornem consistentes para um caminho de baixas emissões de gases de efeito estufa. Além disso, ressalta que os financiamentos para o clima devem vir de uma variedade de fontes. O balanço reconhece a importância dos fundos públicos, mas afirma que eles não são suficientes para resolver a lacuna entre as necessidades de financiamento e os fluxos financeiros atuais. O destaque é para que o setor privado seja a principal fonte de capital para ampliar a mitigação e a adaptação.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, ressalta que o financiamento climático e a necessidade de aumentar os fluxos financeiros é hoje a principal fonte de atrito entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações climáticas. “O relatório endossa conclusões que nem todos os países, principalmente os em desenvolvimento, devem concordar, como por exemplo a ideia de que que o setor privado deve vir como a principal fonte de capital para esse aumento”, comenta.
Metas mais ambiciosas e implementação real
Outro ponto de destaque do balanço global lançado hoje é a fragilidade dos compromissos feitos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs na sigla em inglês, as metas de cada país para o Acordo de Paris). Segundo o relatório, são necessárias metas de mitigação mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa com agilidade.
Em junho, um relatório do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI) já havia alertado sobre falhas nas NDCs, já que quase metade dos documentos publicados desde 2019 incluía explícita ou implicitamente planos para manter ou aumentar a produção de combustíveis fósseis, o grande vilão do clima. A eliminação dos combustíveis fósseis é inegociável para barrar o colapso climático, como já atestou a Agência Internacional de Energia (AIE) em 2021, ao afirmar que nenhum novo projeto de combustíveis fósseis pode ser autorizado para que se atinja zero emissões líquidas de gases-estufa em 2050.
O GST, hoje, pontuou que há lacunas tanto na ambição das NDCs (aquilo que os países propõem para redução de emissões não é suficiente para alcançar as metas de Paris) quanto na sua implementação (os países falham mesmo para cumprir o que já seria insuficiente). Com o cumprimento das atuais NDCs, o aquecimento ficaria entre 2,4ºC e 2,6ºC, diz o documento, podendo ser reduzido à faixa entre 1,7ºC e 2,1ºC caso os compromissos de longo prazo para emissões líquidas zero sejam plenamente atingidos.
O documento reforçou que é preciso muito mais ação, em todas as frentes e sendo protagonizadas por todos os atores, para que seja possível reduzir as emissões globais em 43% até 2030, em 60% até 2035 e atingir as emissões líquidas de CO2 zero até 2050.
“O relatório mostra, mais uma vez, que a próxima rodada de NDCs é a nossa última chance de manter a meta de 1.5ºC viva. Precisamos responder à altura do desafio com cortes de emissões mais profundos e rápidos. Uma das premissas para que isso aconteça é que o mundo deixe de financiar sua sentença de morte e redirecione trilhões de dólares para as soluções e adaptações necessárias”, afirma Stela Herschmann.
Entre as transformações apontadas pelo GST, estão a eliminação progressiva de todos os combustíveis fósseis “não abatidos” (isso é, aqueles cujas emissões não possam capturadas por mecanismos de compensação), a expansão das energias renováveis e o fim do desmatamento.
O documento lembra que o pico global de emissões ainda não foi atingido, o que precisa acontecer até 2025. Isso quer dizer que muitos países já têm um crescimento de emissões “contratado” para os próximos anos, e que, para que a meta de 1,5ºC continue de pé, a COP de Belém é a data limite para que todos os países já tenham atingido seus níveis máximos de emissão e entrado em rota de redução.
Em tempo: a expectativa de que o GST pudesse avançar nos temas de justiça climática foi frustrada. O termo não aparece ao longo do documento, apesar de vários trechos mencionarem preocupações com a equidade e a transição justa. (LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO)
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