Especialistas ouvidos pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) afirmaram em audiência pública nesta quinta-feira (13) que o vício em pornografia pode ter consequências graves não só para indivíduos, mas para a saúde e a segurança pública. O debate atendeu a requerimento (REQ 14/2023) do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que presidiu a reunião. Para o senador, o assunto é um tabu que precisa ser tratado, especialmente pela facilidade com que crianças e adolescentes têm acesso a conteúdo pornográfico. Ele salientou que a pauta não é “de direita ou de esquerda”, lembrando que o presidente da CAS, senador Humberto Costa (PT-CE), de quem diverge ideologicamente, atendeu a seu pedido e abriu a comissão para a audiência pública, dadas as questões sociais envolvidas.
— É um vício tenebroso que está em todo lugar e está corroendo a sociedade e levando as pessoas a perderem suas energias […]. Conforme pesquisa da empresa Netskope, apenas no primeiro semestre de 2020, houve incremento de 600% de acesso a pornografia na internet. O site mais popular tem mais acessos mensais que Netflix, Amazon e Twitter juntos. É um negócio bilionário. [Esse assunto] não é ideológico, é de humanidade. Chegou a hora do Congresso Nacional tomar frente disso, legislar sobre isso — disse Girão.
Crimes na internet
A delegada federal Rafaella Vieira Lins Parca, que atua na coordenação de Repressão ao Crime Cibernético relacionados ao Abuso Sexual Infantojuvenil, disse que a Polícia Federal identifica a influência desse tipo de dependência nas investigações de crimes sexuais na internet.
— Vemos aumento muito grande da quantidade de imagens de abuso sexual infantojuvenil circulando online no mundo inteiro. A gente percebe empiricamente que tem relação com o uso da pornografia. Com o consumo desses materiais, que mostram agressividade e objetificação da mulher, eles [os autores de crimes] reproduzem isso nas condutas criminosas. Como funciona essa conduta? Há o aliciamento e a extorsão para conseguir imagens de nudez de crianças. 78% dos usuários da internet têm entre 9 e 17 anos. Adultos com perfis falsos estudam essas crianças, que têm perfis [nas redes sociais] abertos, para ganhar a confiança até conseguir um ‘nude’. E usam essa imagem para ameaçá-las para que ela produza online atos libidinosos […], filmem isso e encaminhe para eles. E os pais e mães não percebem — disse Rafaella Parca.
Presidente do Instituto Federal Kids, Clayton da Silva Bezerra fez apelo para o acompanhamento dos pais de crianças. O instituto, organizado pelo sindicato de delegados da Polícia Federal, realiza ações sociais para combater os crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
— O que você faria se seu filho aparecesse com um presente em casa? Certamente perguntaria de onde veio, o que ele fez para ganhar… Seu filho pode estar recebendo presentes virtuais caríssimos, que custam até 100 mil reais [se referindo a utensílios virtuais utilizados em jogos online de múltiplos jogadores]. Muitas vezes os pais não sabem que os filhos estão recebendo presentes de abusadores — disse Clayton Bezerra.
“Droga virtual”
O psicoterapeuta Mizael de Jesus Lima Cardozo Silva, vice-presidente do Instituto Infância Protegida, afirmou que há estudos segundo os quais a dependência do chamado “entretenimento adulto” pode gerar consequências psicológicas e mudanças comportamentais. Ele compartilhou ainda que, em atendimento clínico, tratou de casos de pacientes abusadores sexuais — vários deles menores de idade — que eram também viciados em pornografia, a qual teria contribuído para dessensibilizá-los. Mizael Silva também ressaltou que, na internet, a pornografia se soma a estímulos à violência sexual.
Silva mencionou publicação de Robert V. Dindinger, da Utah Valley Psychology, nos Estados Unidos, para quem o grau de prazer obtido pelo acesso à pornografia pode superar atividades como alimentação, sexo, consumo de nicotina e de álcool e levar à diminuição de outros interesses.
— Temos pesquisas mostrando que pessoas que acessam pornografia têm o mesmo dano cerebral de pessoas que usam cocaína. O vício é a atribuição errada no cérebro, que pode começar a reconhecer coisas como drogas e pornografia como importantes para a sobrevivência. A pessoa sente um prazer, produz dopamina, e depois passa pela dessensibilização, o cérebro não produz mais a mesma quantidade de dopamina diante do estímulo que tinha inicialmente. A dopamina produzida pela pornografia pode durar até 14 horas no cérebro, que não tem capacidade de absorver [diferente de outras atividades cotidianas]. Essa dopamina que sobra no cérebro vai começar a matar neurônios causando lesões no lóbulo pré-frontal. É um caso de saúde — afirmou Mizael Silva, referindo-se ao neurotransmissor que atua no sistema nervoso e é relacionado ao humor e ao prazer.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) reforçou que o tema não deve ser confundido com moralismo religioso.
— Muitos olharam para esse tipo de iniciativa [se referindo ao debate] como se fosse algo do fundamentalismo religioso… O Mizael trouxe mais conteúdo da ciência do que qualquer outra coisa — disse Marcos Rogério.
Soluções
Especialista em sexualidade, Leticia Amaral Balducci disse que a educação sexual nas escolas está muito aquém do ideal. Para ela, é necessário conscientizar os adultos e adolescentes sobre a sexualidade, algo que faz com palestras e cursos.
— Temos que fazer reformulação do ensino sobre sexo, sexualidade e autoproteção emocional. Em décima posição [nos termos mais buscados de sites pornográficos] está ‘como fazer?’. Adolescentes estão procurando ensinos sobre a educação sexual em um lugar que degrada o ser humano. Não existe educação sexual nas escolas, há falta de informações científicas. Os relatos [após seus cursos] que ouço é ‘nunca aprendi sobre esses assuntos que envolvem meu corpo e minha mente’ — disse Leticia Balducci, destacando que muitos sites pornográficos trabalham com fetiches voltados às crianças e a todo tipo de violência, especialmente contra a mulher.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) destacou a importância do trabalho preventivo, mas sugeriu ações mais incisivas na questão.
— Acho que vim para outra trincheira que é da repressão. Talvez não ter mais verba pública para quem tem parceria com sites pornográficos. É repressão mesmo. Vamos começar a encontrar as brechas da legislação… Sábado passado fiquei com a menina de 12 anos que foi sequestrada aqui [referindo-se a caso que repercutiu em Brasília de sequestro realizado para abuso sexual]. Ela foi salva por causa de uma estrutura familiar. A mãe dela sentiu falta quando ela atrasou 20 minutos. A mãe liga para um tio que é policial e disse ‘minha filha não faz isso, ela não atrasa’. [No quarto do abusador] havia uma câmera e as imagens dessa menina seriam usadas. A gente vai ter que ir pra cima da demanda [de abusos sexuais pela internet]— disse a senadora.
Também participaram do debate a deputada Priscila Costa (PL-CE) e o diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), André Henrique de Siqueira.
— É um vício tenebroso que está em todo lugar e está corroendo a sociedade e levando as pessoas a perderem suas energias […]. Conforme pesquisa da empresa Netskope, apenas no primeiro semestre de 2020, houve incremento de 600% de acesso a pornografia na internet. O site mais popular tem mais acessos mensais que Netflix, Amazon e Twitter juntos. É um negócio bilionário. [Esse assunto] não é ideológico, é de humanidade. Chegou a hora do Congresso Nacional tomar frente disso, legislar sobre isso — disse Girão.
Crimes na internet
A delegada federal Rafaella Vieira Lins Parca, que atua na coordenação de Repressão ao Crime Cibernético relacionados ao Abuso Sexual Infantojuvenil, disse que a Polícia Federal identifica a influência desse tipo de dependência nas investigações de crimes sexuais na internet.
— Vemos aumento muito grande da quantidade de imagens de abuso sexual infantojuvenil circulando online no mundo inteiro. A gente percebe empiricamente que tem relação com o uso da pornografia. Com o consumo desses materiais, que mostram agressividade e objetificação da mulher, eles [os autores de crimes] reproduzem isso nas condutas criminosas. Como funciona essa conduta? Há o aliciamento e a extorsão para conseguir imagens de nudez de crianças. 78% dos usuários da internet têm entre 9 e 17 anos. Adultos com perfis falsos estudam essas crianças, que têm perfis [nas redes sociais] abertos, para ganhar a confiança até conseguir um ‘nude’. E usam essa imagem para ameaçá-las para que ela produza online atos libidinosos […], filmem isso e encaminhe para eles. E os pais e mães não percebem — disse Rafaella Parca.
Presidente do Instituto Federal Kids, Clayton da Silva Bezerra fez apelo para o acompanhamento dos pais de crianças. O instituto, organizado pelo sindicato de delegados da Polícia Federal, realiza ações sociais para combater os crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
— O que você faria se seu filho aparecesse com um presente em casa? Certamente perguntaria de onde veio, o que ele fez para ganhar… Seu filho pode estar recebendo presentes virtuais caríssimos, que custam até 100 mil reais [se referindo a utensílios virtuais utilizados em jogos online de múltiplos jogadores]. Muitas vezes os pais não sabem que os filhos estão recebendo presentes de abusadores — disse Clayton Bezerra.
“Droga virtual”
O psicoterapeuta Mizael de Jesus Lima Cardozo Silva, vice-presidente do Instituto Infância Protegida, afirmou que há estudos segundo os quais a dependência do chamado “entretenimento adulto” pode gerar consequências psicológicas e mudanças comportamentais. Ele compartilhou ainda que, em atendimento clínico, tratou de casos de pacientes abusadores sexuais — vários deles menores de idade — que eram também viciados em pornografia, a qual teria contribuído para dessensibilizá-los. Mizael Silva também ressaltou que, na internet, a pornografia se soma a estímulos à violência sexual.
Silva mencionou publicação de Robert V. Dindinger, da Utah Valley Psychology, nos Estados Unidos, para quem o grau de prazer obtido pelo acesso à pornografia pode superar atividades como alimentação, sexo, consumo de nicotina e de álcool e levar à diminuição de outros interesses.
— Temos pesquisas mostrando que pessoas que acessam pornografia têm o mesmo dano cerebral de pessoas que usam cocaína. O vício é a atribuição errada no cérebro, que pode começar a reconhecer coisas como drogas e pornografia como importantes para a sobrevivência. A pessoa sente um prazer, produz dopamina, e depois passa pela dessensibilização, o cérebro não produz mais a mesma quantidade de dopamina diante do estímulo que tinha inicialmente. A dopamina produzida pela pornografia pode durar até 14 horas no cérebro, que não tem capacidade de absorver [diferente de outras atividades cotidianas]. Essa dopamina que sobra no cérebro vai começar a matar neurônios causando lesões no lóbulo pré-frontal. É um caso de saúde — afirmou Mizael Silva, referindo-se ao neurotransmissor que atua no sistema nervoso e é relacionado ao humor e ao prazer.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) reforçou que o tema não deve ser confundido com moralismo religioso.
— Muitos olharam para esse tipo de iniciativa [se referindo ao debate] como se fosse algo do fundamentalismo religioso… O Mizael trouxe mais conteúdo da ciência do que qualquer outra coisa — disse Marcos Rogério.
Soluções
Especialista em sexualidade, Leticia Amaral Balducci disse que a educação sexual nas escolas está muito aquém do ideal. Para ela, é necessário conscientizar os adultos e adolescentes sobre a sexualidade, algo que faz com palestras e cursos.
— Temos que fazer reformulação do ensino sobre sexo, sexualidade e autoproteção emocional. Em décima posição [nos termos mais buscados de sites pornográficos] está ‘como fazer?’. Adolescentes estão procurando ensinos sobre a educação sexual em um lugar que degrada o ser humano. Não existe educação sexual nas escolas, há falta de informações científicas. Os relatos [após seus cursos] que ouço é ‘nunca aprendi sobre esses assuntos que envolvem meu corpo e minha mente’ — disse Leticia Balducci, destacando que muitos sites pornográficos trabalham com fetiches voltados às crianças e a todo tipo de violência, especialmente contra a mulher.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) destacou a importância do trabalho preventivo, mas sugeriu ações mais incisivas na questão.
— Acho que vim para outra trincheira que é da repressão. Talvez não ter mais verba pública para quem tem parceria com sites pornográficos. É repressão mesmo. Vamos começar a encontrar as brechas da legislação… Sábado passado fiquei com a menina de 12 anos que foi sequestrada aqui [referindo-se a caso que repercutiu em Brasília de sequestro realizado para abuso sexual]. Ela foi salva por causa de uma estrutura familiar. A mãe dela sentiu falta quando ela atrasou 20 minutos. A mãe liga para um tio que é policial e disse ‘minha filha não faz isso, ela não atrasa’. [No quarto do abusador] havia uma câmera e as imagens dessa menina seriam usadas. A gente vai ter que ir pra cima da demanda [de abusos sexuais pela internet]— disse a senadora.
Também participaram do debate a deputada Priscila Costa (PL-CE) e o diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), André Henrique de Siqueira.
Fonte: Agência Senado
O post “Debatedores apontam facilidade de acesso de crianças a conteúdos pornográficos” foi publicado em 13/07/2023 e pode ser visto original e