Investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho em três inquéritos civis culminaram em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo iFood e pelas agências de publicidade Benjamim Comunicação e Social Qi, na última sexta-feira dia 7 de julho, e divulgado nesta segunda, 10 de julho.
As investigações que resultaram no TAC foram originadas na reportagem “A máquina oculta de propaganda do iFood” , da Agência Pública, segundo nota do MPF.
Lançada em abril de 2022, a reportagem mostra como agências de publicidade a serviço do iFood teriam monitorado grupos de WhatsApp, criado perfis falsos em redes sociais e até infiltrado um agente em manifestação para desmobilizar o movimento de entregadores, que crescia durante a pandemia da Covid-19.
Dentre as medidas do TAC, o acordo determina que iFood contrate um auditor especialista em direitos humanos, desembolse R$6 milhões para pesquisas e não aumente tarifas do app durante greves.
Com as medidas estabelecidas, as empresas devem compensar danos, promover direitos dos entregadores e reforçar políticas de direitos humanos em seu funcionamento.
Segundo o MPT e o MPF, as denúncias da Pública instigaram a atuação dos procuradores a abrir inquéritos para apurar violações do direito à informação e à liberdade sindical. Agora, após cerca de um ano de investigações onde foram ouvidas dezenas de pessoas, o resultado se materializa em um acordo com cláusulas que visam promover o direito da sociedade à informação e os direitos trabalhistas e associativos dos entregadores.
Compensação, satisfação e não repetição
As obrigações determinadas pelo MPF e MPT estão organizadas em três eixos: compensação, satisfação e não repetição. De início, o iFood e as agências deverão publicar e manter por três semanas nas páginas iniciais de seus sites uma declaração pública sobre os fatos que motivaram os inquéritos civis, mencionando a importância dos direitos de greve e liberdade sindical, além do respeito ao direito à informação. O mesmo comunicado deverá ser postado em três redes sociais das empresas, em dias alternados, durante 21 dias.
Para compensar os danos causados, o TAC estabelece que o iFood deverá desembolsar R$6 milhões para financiar pesquisas e projetos que analisem as relações de trabalho com os entregadores, o marketing digital e a responsabilidade social das plataformas de trabalho online. A verba será encaminhada para órgãos públicos de fomento à ciência e ministérios do governo ainda a serem selecionados – como o Ministério da Justiça, do Trabalho e Emprego, Direitos Humanos e Cidadania, Ministério da Igualdade Racial ou outros.
Em paralelo, até o início de setembro o iFood deverá criar junto com as duas agências de publicidade uma campanha de marketing digital focada no direito à informação e apresentá-la ao MPF e MPT. A Benjamim Comunicação e Social Qi vão custear os trabalhos da campanha – mas se houverem custos extras, o iFood financiará. Uma vez colocada no ar, o alcance desta campanha e das postagens nas redes sociais será repassado semanalmente ao Ministério Público.
Na dimensão das obrigações que visam a “não repetição” das violações, o TAC determina que o iFood contrate um auditor externo capacitado em direitos humanos para acompanhar por um ano o trabalho interno da empresa, produzindo relatórios que possam detectar políticas da empresa que violem direitos humanos a fim de indicar melhorias no sistema de compliance. Para o MPF, a medida visa estimular que a empresa reformule práticas internas que causem menos prejuízos aos direitos humanos dos entregadores e da sociedade em geral.
No mesmo sentido, o acordo veda ao iFood a possibilidade de usar o próprio termo de ajustamento de conduta como peça de propaganda. Por seis meses, a empresa não poderá fazer anúncios ou campanhas publicitárias divulgando suas supostas medidas de proteção aos direitos dos entregadores. Para o MPF, a medida considerada inovadora, visa evitar o socialwashing, que seria uma lavagem de imagem institucional da empresa às custas do termo de compromisso. Na prática, significa que nesse período, o iFood não poderá se propagandear para a sociedade como uma empresa que supostamente defende os direitos trabalhistas que as investigações do MPF e MPT eventualmente consideram que tenha violado.
Sobre a postura do iFood em relação às organizações e mobilizações políticas dos entregadores, o TAC também determina uma série de condutas a serem ajustadas. Para resguardar o direito de greve, o termo estabelece que a empresa não poderá aumentar a tarifa das corridas durante o período de paralisações – uma estratégia que, segundo os entregadores, era muito frequente para causar “fura greves”, na medida em que o aplicativo oferecia bônus financeiros àqueles que trabalhassem em períodos de greve.
Outra medida é a proibição da empresa de favorecer grupos específicos de entregadores, em detrimento de outros. Na mesma linha, o iFood fica obrigado a não intervir direta ou indiretamente nas organizações de trabalhadores, não podendo influenciar a criação, funcionamento e pautas das associações e sindicatos.
As agências de publicidade, assim como a empresa de delivery, também ficam obrigadas a não constranger, manipular ou interferir em reuniões, manifestações e outras formas de organização dos trabalhadores. As exigências do âmbito trabalhista, estabelecidas pelo MPT, não têm prazo de validade e devem ser adotadas pelas empresas de forma contínua.
Se alguma das obrigações do TAC não for cumprida, o termo estabelece que as empresas devem pagar R$ 50 mil por cada descumprimento, limitados ao valor de R$ 500 mil mensais. A expectativa do MPF é de que o cumprimento de todas as obrigações estabelecidas se desenrole no período de até dois anos.
O que diz o IFood
Seguindo o que estabelece o acordo, o iFood publicou na tarde desta segunda-feira, 10 de julho, seu posicionamento sobre os fatos, declarando que “não cometeu qualquer uma das condutas investigadas e esclarece que o acordo foi fechado em conjunto com a Benjamim e a Social QI para evitar uma discussão jurídica que resultaria em um processo longo e desgastante para as todas as partes envolvidas”. Como prevê o acordo, a empresa ficará obrigada a manter uma página em seu site com atualizações sobre o cumprimento das determinações.
Fonte
O post “iFood assina acordo de milhões com MPs após denúncia da Agência Pública” foi publicado em 10/07/2023 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública