No dia 6 de maio, Marcius dos Reis Resener de Oliveira foi preso depois de matar a ex-mulher Aline Resener na frente do filho de 8 anos do casal.
Por que falar deste feminicídio em particular? Afinal, o Rio de Janeiro teve em 2022 o maior número de feminicídios dos últimos seis anos. O estado está batendo recorde de feminicídios este ano: é uma mulher morta a cada três dias. Este foi apenas um dos quatro casos de feminicídios ocorridos no RJ em quatro dias. Nos outros três casos, os assassinos eram os maridos. As vítimas tinham idades diversas: Anna tinha 22 anos, Dayana, 40, Zenaide, 68. Em comum, o fato de serem mulheres mortas pelos companheiros. Um detalhe: Zenaide era pastora, e conheceu o marido enquanto evangelizava na prisão. Aparentemente, não sabia por que ele estava preso: havia assassinado a esposa em 2005.
O que mais chamou minha atenção no feminicídio de Aline é que Marcius é um mascu. Ele se passava por advogado criminalista e especialista na defesa de acusados pela Lei Maria da Penha. Só que ele não tem registro na OAB e, sem isso, não pode exercer a profissão. Ele também se dizia pastor, psicanalista e policial. Mas na audiência de custódia, ele registrou que é funcionário público na Secretaria de Educação no Rio e trabalha numa escola em Realengo. Estava de licença remunerada desde junho do ano passado.
Ele ganhava a vida como coach. Em reuniões online com outros mascus, cobrava R$ 350 para passar instruções a homens acusados de violência doméstica. É um comércio lucrativo. O Intercept Brasil publicou recentemente quatro excelentes reportagens mostrando como psicólogos, assistentes sociais, promotores e juízes estão usando a Lei de Alienação Parental para ganhar dinheiro livrando acusados de abuso sexual infantil ou de violência doméstica, muitas vezes tirando os filhos das mulheres e entregando-os a quem elas denunciaram. Obviamente, a alienação parental era uma das bandeiras de Marcius.
Em fevereiro, por exemplo, Marcius deu uma entrevista à TV Cidade de Teresópolis em que mentiu que Aline (que ele matou dois meses depois) o agredia e também agredia o filho para atingi-lo. Assim como seu currículo, era tudo mentira. O tema da live já partia de uma fake news espalhada por todos os mascus — “homens sofrem mais violência doméstica do que as mulheres”.
Na entrevista, Marcius repetia que “as humanas mudaram”. E dizia que, segundo o IBGE, 92% das denúncias contra homens são falsas, uma estatística tirada direto do Instituto Mascu As Vozes Me Disseram. Os dois entrevistadores homens não fazem nada para estabelecer a verdade. Muito pelo contrário: prometem um programa maior sobre essas falácias. Junto a Marcius está a Dra. Ana, psicóloga (ambos se chamam e são chamados de doutores), que afirma que 8 em cada 10 casos da Lei Maria da Penha são falsos, e que entre 30 a 90% dos casos são falsos (qualquer estatística que vai de 30 a 90 não pode ser séria). Gostaria de saber o que a TV Cidade e a psicóloga tem a dizer agora.
Em 6 de maio, Aline foi pegar o filho de 8 anos na escola. Marcius apareceu encapuzado e atirou. Aline tentou proteger o menino e foi baleada nas costas. Em seguida, atirou na cabeça dela. Marcius tentou fugir levando o filho, que ele já havia sequestrado durante um ano e meio e o escondido em Brasília, longe da mãe. Aline o denunciou, e a Polícia Civil pediu a prisão de Marcius duas vezes, mas a Justiça negou.
Uma semana antes de ser assassinada, Aline teve negada pela Justiça uma medida protetiva que proibisse o ex de se aproximar dela. Também uma semana antes, ela registrou duas ameaças na delegacia. Uma era da atual companheira de Marcius, Rafaella. O próprio filho alertou a mãe. O pai — um cidadão de bem defensor da família — lhe disse várias vezes que iria dar um tiro na cabeça de Aline. Uma semana antes do Dia das Mães, cumpriu a promessa.
Marcius foi preso em flagrante no dia 6, enquanto tentava fugir e levar o filho pro mesmo lugar em Brasília do último sequestro. Contava com a ajuda de Rafaella, que também foi presa. Ela diz que está grávida, e ele alega ter problemas psiquiátricos. O juiz decretou prisão preventiva para ambos por julgá-los perigosos, um risco para as testemunhas. A família de Aline está com medo que ele saia da cadeia e mate mais gente.
Marli, mãe de Aline, declarou, comovida : “Minha filha lutava para pegar de volta o filho dela. Ela largou o Marcius há mais de dois anos e ele perseguia ela, minha filha não podia ter ninguém, ele bateu nela, colocou ela em cárcere privado e, mesmo com exames comprovando que ele tinha estuprado ela, ele não foi preso, só agora prenderam. Até quando?”
A advogada de Aline, Michele Monsores, lamentou: “A Aline buscou proteção em delegacias da mulher, foi à Justiça. É uma pena que ela tenha precisado morrer para que o Marcius fosse preso. Talvez, se isso não tivesse acontecido, ele nunca teria sido preso. Tentamos diversas vezes em vão”.
O menino de 8 anos, traumatizado, não conseguia parar de repetir: “Meu pai matou minha mãe com dois tiros na cabeça”.
O post “O MASCU QUE MATOU A EX NA FRENTE DO FILHO JURAVA QUE HOMENS SOFREM MAIS VIOLÊNCIA QUE MULHERES” foi publicado em 22nd May 2023 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva