Hoje, (12/09) faz um mês do início da ação de despejo do Acampamento Quilombo Campo Grande. Tão grave e criminosa foi a destruição da Escola Popular Eduardo Galeano, espaço comunitário de formação da infância e da juventude do campo que funcionava no Acampamento. Há 20 anos a área era habitada e cultivada por 450 famílias. A escola era um espaço de realização do direito humano e constitucional que todos têm à educação, independente do lugar e das condições em que vivam.
O despejo, durante uma situação de pandemia foi um atentado contra todas as leis que protegem as crianças e adolescentes das ameaças da família, da sociedade e do próprio Estado, como é o Estatuto da Criança e Adolescente. A escola fazia parte da Rede Estadual de Ensino até o ano de 2019 e mais recentemente passou a ser usada como Centro Educacional por professores da comunidade, onde eram alfabetizadas crianças, adolescentes e adultos.
A Escola Popular Eduardo Galeano, era um exemplo de educação do campo. A educação do campo é educação formal oferecida à população do campo, que pode ser compreendida como fenômeno social constituído por aspectos culturais, políticos e econômicos. Portanto, surge a partir da preocupação dos sujeitos e dos movimentos sociais em promover processos educacionais para a consolidação dos valores, princípios e dos modos de ser e viver daqueles que integram o campo.
O conceito de educação do campo foi formulado a partir da iniciativa de movimentos populares do campo, que começaram a pressionar o Estado por políticas públicas específica para as populações não-urbanas. Até então as escolas rurais eram sucateadas e eram desassistidas pelo poder público. Além do MST, lutaram pelo direito à educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e movimentos dos povos da floresta como indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Assim, as escolas vão se tornando uma necessidade e uma realidade, a medida em que as famílias vão chegando nos acampamentos desde a década de 1980, onde passam a entender que não bastava só lutar pela terra, para poder plantar, para sobreviver, mas é preciso lutar por outras políticas públicas fundamentais para o desenvolvimento dos territórios. Foi assim que grupos que vivem no e do campo contribuíram para a efetivação da política, e também para denunciar o fechamento de escolas no campo na década de 1990. Hoje o ensino na zona rural é garantido pela legislação.
“A educação no campo foi conquistada no Brasil pelos movimentos sociais e camponeses como uma modalidade específica de educação formal na nossa legislação. A LDB, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as resoluções do conselho nacional de educação, o plano nacional de educação reconhecem o direito das populações de camponeses, ribeirinhos, povos da floresta de terem uma oferta educacional que é adequada às suas condições de vida, aos seus territórios, antes de tudo ela é um direito assegurado na nossa legislação”.
Em 2010, o ex-presidente Lula assinou e regulamentou por decreto as políticas públicas voltadas ao meio rural. As escolas instaladas nos assentamentos e acampamentos não são do movimento, mas equipamentos públicos vinculados aos estados e municípios, assim como outras escolas rurais. Mais de 200 mil alunos acessam o ensino básico nas mais 2 mil escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos que atendem crianças, adolescentes, jovens e adultos. Essas escolas seguem regras das secretarias de educação, mas possuem as particularidades de cada região, de acordo com o território que estão inseridas.
“É preciso desmistificar que a escolas do campo são do movimento, porque não são. As escolas são públicas e mantidas pelo estado ou município. Quem escolhe professor é o estado ou município, o movimento não interfere nessa escolha. Mesmo quando a escola é de assentamento, não é ele que designa o professor” comenta Luiz Bezerra, Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação no Campo da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.
O número de escolas no campo diminuiu significativamente nos últimos dez anos. De acordo com Censo Escolar, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), em 2008 existiam no Brasil mais de 85 mil escolas rurais públicas. Em dez anos esse número caiu para pouco mais de 56 mil escolas. De acordo com levantamento da UFSCar, o número é maior, pois entre os anos de 2002 a 2017 já havia sido registrado o fechamento de 38 mil escolas. A lei que dificulta o fechamento de escolas rurais indígenas e quilombolas foi sancionada em 2014, pela presidenta Dilma Rousseff.
A destruição da Escola Popular Eduardo Galeano é só um exemplo de como os movimentos sociais do campo, em conjunto com a educação do campo, vem sofrendo ataques significativos nos últimos anos e, vem se intensificando mais ainda atualmente, devido as afirmações do atual presidente Bolsonaro. Portanto, há necessidade de fortalecer políticas públicas dessa modalidade de ensino e de resistência desses povos que na prática que mantém viva a educação no campo.
Uma reportagem da Record acusou o MST de doutrinação socialista de crianças. Desde a campanha eleitoral de 2018, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), já apontou o movimento, como um dos seus inimigos e já enfatizou que irá acabar com escolas do campo que estão em espaços onde vivem as famílias sem terra onde plantam alimentos para sua própria subsistência e comercializam produtos agroecológicos.
“Há uma falsa ideia de que o MST atua como estado paralelo. Todas as escolas que existem em assentamentos e acampamentos são públicas e assim defendemos. O MST virou referência por ter lutado para ter escolas públicas em seus territórios, por ter formulado um projeto de educação conectado com a realidade do campo de tal modo que ganhou o prêmio UNICEF como melhor projeto educação”, comenta o dirigente do MST do setor da educação Erivan Hilário.
As escolas em assentamentos têm sido exemplares na qualidade de ensino se destacando em olimpíadas da Língua Portuguesa, História e atualmente tem se destacado nas pesquisas de educação. Através do método cubano “Sim eu Posso”, que o MST promove junto ao governo do Maranhão, onde mais de 50 mil adultos já foram alfabetizados nesse método.
Um futuro com floresta, depende da educação no campo em conjunto com os movimentos sociais do campo, como movimento transformador de conscientização, assumida na práxis da Agroecologia, na luta contra os agrotóxicos e transgênicos, e em um outro modo de produção no campo. Embora a maior parte da população brasileira hoje em dia viva na cidade, é no rural que estão os principais conflitos socioambientais. Portanto, a educação do campo é fundamental para estabelecer uma relação de harmonia e cooperação com nossos ecossistemas naturais.
Nós repudiamos o despejo do Acampamento Quilombo Campo Grande e a destruição da Escola Popular Eduardo Galeano! A escola será reconstruída com apoio coletivo .
Com sua agenda em disputa, a educação do campo permanece com seu desafio de origem – constituir-se como um movimento educador transversal, voltado a mudanças culturais que dialoguem com os demais movimentos sociais, partidos políticos, instituições, com a cidadania comprometida com o socioambiental e com a melhoria das condições existenciais da humanidade e das demais espécies que compartilham ou virão a compartilhar a Terra.
O post “Em defesa da Educação do Campo” foi publicado em 12th September 2020 e pode ser visto originalmente na fonte Futuro com floresta