No bloqueio da rodovia BR-163 em Sinop, cidade do Norte de Mato Grosso que deu quase 77% dos votos para Jair Bolsonaro no segundo turno, “TV que apoia comunismo não é bem-vinda”, segundo um dos organizadores do ato, ao microfone no carro de som. Instantes antes, um grupo de bolsonaristas havia coagido e expulsado, sob a ameaça de quebra do equipamento, uma equipe da TV Cidade Verde, afiliada da Rede Record em Sinop.
Por ter gravado a expulsão, o jornalista da Agência Pública também foi ameaçado por dois homens e teve que deixar a cobertura do bloqueio que pedia “intervenção”, um eufemismo para um golpe de Estado ilegal e inconstitucional. Segundo a lei 14.197/2021, atentar contra as instituições democráticas é crime e pode levar de 4 a 12 anos de reclusão. “Se for gravar vai ser pior para ti, você vai gravar é pior para ti”, disse um homem ao jornalista da Pública. Ele estava de chapéu, óculos escuros e usava uma camiseta de uma firma de produtos agropecuários. “Eu vou tar de olho em você.” Enquanto o jornalista deixava o local, ele disse ainda que “você está gravando, eu vou chamar o pessoal”. As ameaças também foram registradas em vídeo.
Os jornalistas da Record expulsos da rodovia foram o repórter André Jablonski e o cinegrafista Caliu Menezes. Eles foram ameaçados por pelo menos quatro homens e tiveram que deixar o local aos gritos de “Globo lixo”. Não havia policiamento. Mais cedo, apenas um carro da Polícia Militar passara alguns minutos estacionado no local. A Pública visualizou apenas um carro da Polícia Rodoviária Federal, com três policiais, estacionado a cerca de 200 metros do ponto do bloqueio. Isso tem se repetido desde o início da interdição, na noite de domingo (30), segundo pessoas ouvidas pela reportagem.
“Vocês não são bem-vindos aqui”
Ao microfone no carro de som, comentando a expulsão da equipe de TV, um homem identificado como “Babalu” apoiou o ato. “Vão lá fazer as fraudes de vocês. Vocês não são bem-vindos aqui. Gente, sem violência, viu? Rede de televisão que apoia golpe comunismo no nosso país não é bem-vinda”, disse “Babalu”, bastante aplaudido. Ele não era um simples manifestante. Minutos antes, havia passado ao microfone para o grupo de cerca de 300 bolsonaristas reunidos no local uma série de informações sobre conversas que, segundo ele, vinham mantendo com policiais rodoviários federais e policiais militares a fim de desobstruir a rodovia. Ele também orientou como seria o protesto dali em diante e fez diversas recomendações a comerciantes, fazendeiros e caminhoneiros que apoiam o bloqueio.
A equipe da TV Cidade Verde integra o programa vespertino Balança Sinop, comandado pelo apresentador Gilson de Oliveira. A ironia é que o apresentador é suplente de vereador e filiado ao PL (Partido Liberal), a mesma sigla do presidente Jair Bolsonaro. No programa desta quinta-feira, Gilson disse que já foi vereador e que “sou do Partido Liberal, mas isso não tem nada a ver não interfere na minha posição como jornalista, aqui eu tenho que dar a notícia”.
O apresentador disse que os advogados da emissora registraram um boletim de ocorrência sobre as ameaças à sua equipe. Ele defendeu os jornalistas do seu programa. “Hoje pela manhã aconteceu um fato muito triste, desnecessário no movimento, umas pessoas, não são todas, pelo amor de Deus, uma ou outra acabaram desrespeitando o repórter André, expulsando ele da [rodovia] BR como se a BR tivesse dono. O repórter André foi impedido de estar num local público”, disse o apresentador.
Apontando na tela para um bolsonarista que assediou o repórter, Gilson disse que “esse senhor aqui muito revoltado, como se tivéssemos culpa pelo resultado” do bloqueio.
“Gostaria que as pessoas, com toda sinceridade, que as pessoas respeitassem nosso trabalho, imparcial, diga-se de passagem. Nós não nos posicionamos contra movimento nenhum. Somos a favor da liberdade de expressão e de pensamento, desde que obedeça às normas do ordenamento jurídico”, disse Gilson.
Desde o início do bloqueio na rodovia, na noite de domingo, o Balança Sinop tem feito a cobertura diária do ato. Nos programas, Gilson evitou atacar diretamente o ato golpista, mas por diversas vezes frisou a necessidade de as pessoas obedecerem às decisões do Judiciário para a desobstrução da via pública e também lembrou que nunca foi apresentada nenhuma prova de irregularidade nas eleições vencidas pelo candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Em dois programas, foram apresentadas reportagens sobre as consequências dos bloqueios nas rodovias, como o abandono de passageiros de ônibus desamparados em rodoviárias da região. Nos programas anteriores, o repórter André relatou a ausência de ações da Polícia Rodoviária Federal para a desobstrução da via e lembrou que havia uma decisão, sem cumprimento, do ministro do STF Alexandre Moraes.
No momento da expulsão, acompanhado pela Pública, nenhum motivo foi apresentado sobre o assédio aos jornalistas. Um dos homens mais exaltados dizia apenas que eles deviam “ir embora”, sem explicar a razão. Na sequência, outras pessoas começaram a cercar o repórter para dizer que ele não devia “gravar nada”.
Quem contesta eleição será tratado como criminoso
Mais cedo, segundo relatou a Folha de S. Paulo, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, chamou de criminosos quem contesta eleição em atos antidemocráticos e disse que serão punidos os grupos bolsonaristas que contestam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Os eleitores, em maioria massacrante, são democratas. Aceitaram democraticamente o resultado das eleições. Aqueles que criminosamente não estão aceitando, aqueles que criminosamente estão praticando atos antidemocráticos serão tratados como criminosos”, disse em sessão do tribunal desta quinta-feira (3).
Neste momento, os dois estados com maior número de mobilizações são Santa Catarina e Mato Grosso. O primeiro, que começou o dia com 30 interdições, agora tem 6; Mato Grosso caiu de 27 obstruções para 14.
Fonte
O post “Bloqueios: ‘TV que apoia comunismo não é bem-vinda’” foi publicado em 3rd November 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública