Porque deus é brasileiro. Porque o país (e quiçá o mundo) não sobreviveria a mais quatro anos com ele. Porque ele realmente foi o pior presidente da história do Brasil. Porque ele concorreu contra Lula (se fosse contra qualquer outro adversário, Bolso teria ganhado, possivelmente já no primeiro turno. Sim, até se fosse o Ciro, vulgo 3%).
Como a diferença foi minúscula, pouco mais de 1%, apenas 2,1 milhões de votos a menos, e como um candidato nunca havia perdido uma reeleição até domingo, muito se falará sobre os motivos da derrota. Afinal, Bolso estava em campanha pra reeleição desde 2019. Ele tinha (tem ainda) toda a máquina pública a seu favor. Ele conseguiu aprovar em julho num Congresso totalmente comprado pelo orçamento secreto (bolsolão), o maior esquema de compra de votos já visto. Fora toda a compra de votos já clássica e conhecida, como esta flagrada por Caco Barcellos em Coronel Sapucaia, MS.
Uma reportagem do jornal gaúcho Zero Hora perguntou a quatro cientistas políticos o que levou à derrota de Bolso. Eles citaram a perda do poder aquisitivo, o pacote de bondades que fez seus destinatários desconfiarem, a alta rejeição do eleitorado (principalmente o feminino), ele ter feito um governo altamente ideológico (governou só para quem pensava como ele), a perda da simbologia da Lava-Jato (que deixou de existir), inúmeros indícios de corrupção na sua administração e na sua vida pessoal e familiar. E teve também o péssimo gerenciamento que Bolso fez da saúde na pandemia, atrasando a compra da vacina, sendo negacionista até hoje, imitando pacientes com falta de ar, e sendo responsável pela morte de quase 700 mil brasileiros. Tudo isso teve grande efeito no seu fracasso, claro. Mas não necessariamente no segundo turno. Aliás, como escrevi antes, Bolso foi um dos maiores vencedores no primeiro turno.
Então o que aconteceu nesse menos de um mês de segundo turno em que Bolso conseguiu reduzir a vantagem de Lula de 6 milhões de votos para apenas 2 milhões, e mesmo assim perdeu? Segundo assessores de Bolso que não querem se identificar, ele deveria ter intensificado a campanha em SP, em vez de terminar com uma motociata em BH. Mas os principais “graves tropeços ” na reta final da campanha, segundo assessores, foram Carla Zambelli armada nas ruas de SP perseguindo um homem negro desarmado, e a tentativa de adiar as eleições pela denúncia (furada) das rádios.
Poucos dias antes do segundo turno, o secretário de comunicação Fábio Farias anunciou um fato “muito grave”: que rádios do Nordeste não veicularam propaganda eleitoral de Bolso. As “provas” eram ridículas. Ainda assim, vários bolsonarentos exigiram que a eleição fosse adiada por no mínimo um mês. Farias logo se declarou arrependido.
O deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), líder da bancada evangélica no Congresso e aliado de Bolso, culpou Zambelli (que hoje fugiu para os EUA) pela derrota. Ao ser chamado de traidor por querer se reunir com Lula, o parlamentar disse: “Traição foi a punhalada que o presidente recebeu nas costas com a deputada correndo na rua com arma na mão, talvez por um deslize mental. Cuidar do povo não é traição”. A equipe de Bolso calculava que Tarcísio teria 16 milhões de votos para governador, mas acabou com 3 milhões a menos, o que deve ter se refletido na perda de votos para Bolso também. “A Zambelli cometeu a pior bobeira, é gente despreparada. Nossa eleição estava ganha”, jura Cezinha.
Uma semana antes de Zambelli, Roberto Jefferson recebeu a Polícia Federal com 50 tiros e três granadas . Bolso enviou seu ministro da Justiça para negociar sua rendição. O vídeo de um agente rindo com Bob Jeff e chamando os policiais feridos de “burocráticos” não deve ter ajudado. Bolso mentindo na cara dura de que não tinha fotos com Bob e o associando a Lula deve ter soado como um insulto à inteligência até de alguns eleitores não muito inteligentes, apelidados de “gado”.
Para Rudolfo Lago, do Congresso em Foco , “Jefferson e Zambelli fizeram retornar ao imaginário das pessoas o pior do governo Bolsonaro. A violência. A intolerância. O desprezo à vida. Que a pandemia de covid-19 evidenciara. Bolsonaro não perdeu a eleição por dois milhões de voto. Ele perdeu a eleição por 700 mil mortes”.
O deputado André Janones (Avante-MG) foi fundamental no segundo turno por usar as armas deles. Várias vezes mentindo, exagerando, ou dando golpes abaixo da cintura, ele foi capaz de colocar o bolsonarismo na defensiva durante todo o mês de outubro. Começou com coisas bem estúpidas, como usar vídeos (verdadeiros) de Bolso em cerimônias maçônicas para chamá-lo de maçon, ou usar uma entrevista (verdadeira, dada ao New York Times em 2017) em que Bolso declara que só não provou carne humana porque nenhum assessor quis ir com ele a um funeral indígena. Aí ele foi chamado de canibal. O esforço era pra mostrar que Bolso não é cristão (e não é mesmo, definitivamente seus valores não são cristãos).
Pouco depois foi a vez de Bolso dar seu primeiro tiro no pé no segundo turno. Ele disse numa live com torcedores de times de futebol que viu na periferia de Brasília meninas bonitas e arrumadas de 14, 15 anos, e “pintou um clima “. Ele já havia contado essa história (mentirosa) outras vezes, associando as jovens venezuelanas à prostituição (elas não eram prostitutas), mas sem o “pintou um clima”. Suas explicações não foram nada convincentes . Eu e muitas outras mulheres jamais iremos nos esquecer que houve um presidente da república que disse ter “pintado um clima” com garotas de 14 anos. Bolso sentiu tanto o golpe que correu para fazer uma live na madrugada, e declarou que aquele dia em que foi acusado de pedofilia foi o pior da sua vida (pior que o da facada, pelo jeito).
Quase ao mesmo tempo, uma reportagem da Folha de São Paulo desvendou que Paulo Guedes, principal ministro de Bolso, tinha planos de propor já no dia seguinte à reeleição do chefe a desindexação da inflação no reajuste do salário mínimo e da aposentadoria. Era um escândalo : na surdina, sem qualquer discussão com a sociedade, o ministro iria, na prática, fazer com que o salário mínimo e as aposentadorias valessem cada vez menos. E isso num governo que efetivamente não deu, em quatro anos, nenhum reajuste real ao mínimo. Assessores classificaram o episódio como desastroso para a campanha e criticaram Guedes. Quantos votos isso deve ter tirado do genocida é difícil mensurar.
Em todas as cem cidades do Brasil que mais recebem o Auxílio Brasil, Bolsonaro perdeu . Isso quer dizer que a maior parte dos pobres sabe votar e não se deixar comprar. Percebeu que o benefício, dado a menos de três meses antes das eleições, era puramente eleitoreiro, e que iria acabar em dezembro. Pegou o dinheiro e votou em quem verdadeiramente diminuiu a pobreza no Brasil: Lula.
Vale a pena registrar que Lula, desde que saiu da prisão, em novembro de 2019, e desde que deu sinais que voltaria a se candidatar à presidência, era o favorito nas pesquisas. Ou seja, durante três anos, praticamente toda pesquisa eleitoral mostrava Lula na frente de Bolso (assim como as pesquisas de 2018). Não deveria ser surpresa a sua vitória. Ainda precisaremos refletir por muitos anos como uma pessoa tão hedionda como Bolsonaro teve 58 milhões de votos.
O post “POR QUE BOLSONARO PERDEU A ELEIÇÃO?” foi publicado em 3rd November 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva