Tinha bastante coisa sobre Bolsonaro que a gente não sabia em 2018, quando ele foi eleito, e sabemos agora.
Eu pessoalmente não sabia em 2018 que Bolsonaro era miliciano. Sabia que ele e os filhos apoiavam as milícias, mas não que eles faziam parte. Talvez o pessoal do Rio soubesse, mas pra mim foi um choque descobrir que o cara que está preso por matar Marielle Franco morava no mesmo condomínio que Bolsonaro, o Vivendas da Barra. Pra mim foi surpreendente ler que, duas horas antes da execução, dois dos assassinos se reuniram no Vivendas pra acertar os últimos detalhes. Por isso a faixa “Quem mandou o vizinho do presidente matar Marielle?”
Eu sabia que Bolsonaro era nazista. Lembro quando neonazis fizeram uma manifestação em frente ao MASP em defesa de Bolso em 2010. Lembro de um neonazista de Belo Horizonte que postou uma foto em suas redes sociais enforcando um morador de rua em 2013. Na casa dele foi encontrada uma carta de Bolso a ele. A carta estava fechada e foi recolhida pela polícia. Pelo jeito, nunca saberemos o que estava escrito na carta. Mais recentemente, a antropóloga Adriana Dias descobriu uma carta de Bolso em 2004 a
neonazis brasileiros , e também um banner nesses sites nazistas para o site de Bolso, quando ele era deputado. A carta dizia “Vocês são a razão do meu mandato”. Sempre soube que os neonazis que me atacam chamam Bolso de mito e são fiéis a ele.
Este fim de semana descobri que Bolso é pedófilo. Porque que outro tipo de pessoa diz que “pintou um clima” entre ele e meninas de 14 anos? Numa live do dia 14 de outubro de 2022 com youtubers de torcidas de futebol, o presidente do Brasil contou que estava na comunidade São Sebastião, em Brasília, e que “pintou um clima” com meninas venezuelanas de 14 e 15 anos e entrou na casa delas.
A primeira vez que vi o vídeo pensei: Damares, corre aqui! Porque outro dia a ex-sinistra estava contando umas
histórias escabrosas sobre crianças que têm os dentes arrancados pra fazerem sexo oral. Ela contava essas lendas urbanas numa igreja com crianças assistindo e dizia que ela e Bolso tinham vídeos dessas atrocidades. Mas se isso existe, o que ela mandou fazer como ministra pra impedir? Porque se não fez nada, é prevaricação. Quando o Ministério Público afirmou que não tinha nenhuma denúncia da ministra nesse sentido, ela disse que eram conversas que ela tinha na rua. Não sei quais ruas essa senhora anda frequentando pra ouvir essas coisas. Será que nessas ruas vendem vídeos também? Porque o que ela contou vem do 4chan em 2010. É uma lenda urbana chamada “Lolita Slave Toys”. A extrema-direita de todo o mundo compartilha a conspiração internacional de que existe toda uma rede de pedofilia dominada por judeus e que só governantes viris como Trump e Bolso pode enfrentá-la.
Mas
esse vídeo desse grande defensor da família e salvador das crianças dizendo que pintou um clima não é montagem, não é deep fake, não é tirado de contexto. O que o presidente disse foi exatamente isso: “Parei uma moto numa esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas, 3, 4, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas no sábado numa comunidade. E vi que elas eram parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas, e eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos, se arrumando sábado, pra quê?! Ganhar a vida!”
Lembrei do vídeo sobre canibalismo, sobre Bolso dizendo que queria comer um indígena, só não comeu porque ninguém da comitiva quis ir com ele. Era uma entrevista que ele tinha dado ao NYT em 2016. Naquela entrevista ele também falava que só não se deitou com haitianas famintas porque “não precisava” e porque elas não tinham higiene. Quer dizer, a missão do exército brasileiro no Haiti foi acusada de trocar alimentos por sexo, e sempre negou, e lá estava o Inominável indiretamente confirmando isso, sem chocar ninguém. Lembrei do Mamãe Falei fazendo turismo sexual na Ucrânia – turismo sexual que Bolso recomendou que os estrangeiros viessem fazer no Brasil – e afirmando que lá as mulheres “são fáceis, porque são pobres”.
Lembrei que Bolsonaro elogiou Alfredo Stroessner, o ditador pedófilo do Paraguai que praticava tráfico sexual com menores de idade.
Lembrei da live que Bolso fez em 2020 e colocou uma menina de 10 anos, e ele passou a live fazendo piadinhas de duplo sentido com a garota. Mas o problema é falar sobre gênero nas escolas.
Depois que o vídeo de Bolsonaro dizendo que pintou um clima entre ele e a menina de 14 anos, escutei. Ouvi o silêncio da família tradicional brasileira defendendo a pedofilia.
Em seguida coletei algumas passadas de pano de bolsominions sobre a declaração do messias:
– pintou um clima de amizade
– pintou clima de algo errado
– pintar clima não configura consumação de crime
– quem nunca se engraçou com adolescente? E outra: 15 anos não é nenhuma criança não (essa foi um
pastor que disse ).
– meninas nessa idade estão todas loucas por coroas com dinheiro (vivo)
– é sobre comunismo , estúpido! (disse o advogado de Bolso e hospedeiro de Queiroz depois do debate de ontem)
Aparentemente não foram apenas os bolsominions que ficaram desesperados com o vídeo. Bolso fez uma live a meia noite culpando o PT. Ele não explicou o que quis dizer com “pintou um clima”. Um de seus filhos, Flávio Rachadinha, disse tratar-se de uma fala mal-colocada (um leitor emendou: “mal colocado é o pedaço de esterco que foi posto na presidência”). Seu Jair conseguiu piorar um pouco mais. Disse na live: “Se fosse algo escondido, tudo bem”. O bônus track ficou a par do “fã de novinhas” e vereador bolsonarento cassado acusado de pedofilia, Gabriel Monteiro, que o abençoou. Também gastou milhares de reais nossos com anúncios pagos nas redes para dizer que ele não é pedófilo.
O que mais vimos nessas e nas últimas eleições foram homens presos por pedofilia e pornografia infantil apoiando Bolsonaro. Não é difícil entender o porquê. Assim como este governo acabou com a fiscalização na Amazônia, permitindo que milícias, garimpo e agronegócio invadissem terras indígenas e proliferassem à vontade, também
desmontou as políticas de proteção à infância. Tem como pedófilo não amar Bolso? Ele é contra educação sexual nas escolas, a favor de homeschooling, blinda líderes religiosos, sucateia programas de combate à exploração sexual.
Mas talvez ainda pior que descobrir que o presidente do Brasil é pedófilo é ver que aquelas meninas venezuelanas de 14, 15 anos não são prostitutas. Uma das venezuelanas presentes na “visita” de Bolsonaro em 2021 diz que
ele mentiu sobre elas ganharem a vida. A casa a que Bolso se referiu é um ponto de apoio para refugiados no DF, e naquele dia havia uma ação social que ensinava a pentear e fazer design de sobrancelha. No vídeo que Bolso fez na época ele só quis falar mal da Venezuela, espalhando que eles comiam cachorros para não morrer de fome.
Não houve qualquer fala sobre prostituição.
Ele já havia contado essa
história mentirosa antes em outra live, mas naquela ocasião, em vez de dizer “pintou um clima”, disse “chamou minha atenção”. O fato é que ele viu meninas pobres de 14, 15 anos arrumadas, bonitinhas, as sexualizou, automaticamente assumiu que elas estavam se prostituindo, e ainda inventou que pintou um clima. Pensamento de pedófilo mesmo.
De repente, no sábado, vários comentários com ameaças no meu blog, me mandando parar de falar no vídeo de Bolso. No Twitter reapareceu um ex-amigo da minha adolescência, que eu não ouvia falar havia uns doze anos. Ele já havia reaparecido em 2010, por aí, dizendo como estava feliz por ter me reencontrado. Contou que havia engravidado a amante e a esposa estava injustamente brava com ele, e ficou muito bravo ao ver que, bom, a mulher tinha razão. Aí ele passou a deixar comentários misóginos no meu blog e eu o mandei passear. Então, sábado à noite eu vi que ele havia virado bolsominion dos mais fanáticos, com avatar de cruzadas, deus vult, Deus, família, liberdade, sabem? E ele me ameaçou: “Deixa de ser canalha mentirosa e revele aos seus jegues seguidores quem vc foi nos anos 80 em Búzios, RJ. Se não contar eu conto. VAGABA”. Ele não vê nada de errado com seu mito de 67 anos se sentir atraído por meninas de 15, mas ele me chama de vagaba por eu, aos 16, 17 anos, livre e desimpedida, transar com adolescentes da minha idade nas férias. Não tenho a menor dúvida que, pra ele, as erradas na história do Bolsonaro são as vagabas venezuelanas.
O desespero é deles, não nosso.