Ontem aconteceu o primeiro debate (
veja aqui a íntegra ) dos presidenciáveis, na Band. Não foi exatamente bom, nem Lula foi muito bem.
O debate foi marcado pela misoginia. A jornalista Vera Magalhães perguntou a Ciro, com um comentário de Bolso, se o negacionismo durante a pandemia pode ter afetado as campanhas de outras vacinas (o que é óbvio que sim: o Brasil era craque em vacinação infantil, e depois do genocida, não é mais, o que abre as portas para a volta de várias doenças que haviam sido erradicadas).
Quando chegou a vez de Bolso falar, ele
simplesmente atacou , numa postura inconcebível para um presidente (mas normal para um presidente misógino e que odeia a liberdade de imprensa): “Vera, eu acho que eu não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão em mim. Não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.
O negócio foi tão violento e repulsivo que me rendeu um pesadelo de madrugada (falando sério!). Sonhei que estava num debate e Bolso falou pra mim que eu era obcecada por ele. Eu passei mal e vomitei na cara dele.
Voltando à realidade, a coordenação do
debate errou ao não reprovar publicamente a atitude de Bolso. Não é possível uma jornalista ser xingada dessa forma. Lógico que não é a primeira vez nem será a última. Esta é a tônica do pior governo de todos os tempos. Muita gente não
gosta da Vera , que sempre foi antipetista e lavajatista, mas não dá pra aceitar uma coisa dessas.
Dá pra ver no vídeo Ciro gargalhando (e depois balançando a cabeça) ao ver e ouvir o ataque de Bolso a Vera. Ciro teve vários piores momentos no debate, mas acredito que este foi o pior. Ele foi o primeiro que poderia ter condenado o ataque, mas não: em vez de se solidarizar com Vera e colocar Bolso em seu lugar, Ciro decidiu condenar o PT pela polarização e os ataques.
Pra falar a verdade, Ciro tratou Bolso com muito mais carinho do que tratou Lula. Ele só se exaltou depois de Bolso citar Patrícia Pillar. Mas começou assim:
[Leão Serva]: O próximo a perguntar é o candidato Jair Bolsonaro. Candidato, pra quem pergunta?
[Jair Bolsonaro]: Quem tá sobrando aí?
[Leão Serva]: A senadora Simone Tebet e Soraya Thronicke. O Ciro Gomes também.
[Jair Bolsonaro]: Vou perguntar pro Ciro, ter um papo sobre mulher aqui, Ciro.
Bolso não quis perguntar pra nenhuma das duas candidatas “sobrando”, Simone Tebet (MDB) ou Soraya Thonicke (ex-PSL, eleita senadora no rastro bolsonarista, agora no União Brasil), e escolheu Ciro pra falar de mulher! Para tentar fingir que se importa com as mulheres (disse o abestado: “faço muita coisa pelas mulheres, hoje fizemos o dia do voluntariado”. Como lembrou uma leitora, a Alana, “Realmente se tem uma coisa que define a vida das mulheres nesse país é o trabalho não pago!”), Bolso mentiu sobre ser o criador da Casa da Mulher Brasileira, uma das marcas de Dilma.
Ciro citou a famosa frase machista de Bolso sobre
a “fraquejada” , e Bolso citou a famosa frase machista de Ciro (sobre a importância de Patricia Pillar, então sua esposa, ser
dormir com ele ). Ciro então devolveu com alusões às rachadinhas: “Você corrompeu todas as suas esposas, todas elas estão envolvidas em escândalos, corrompeu seus filhos”.
Mas parece que tudo acabou bem entre os dois. Tanto que Ciro foi a única pessoa que Bolso abraçou no final do debate. E hoje de manhã Ciro
atacou a saúde de Lula num tuíte, e depois apagou. Pegou mal pacas.
Pra variar, Bolso mentiu adoidado (aqui
algumas mentiras do Mentiroso da República). Talvez sua maior mentira de ontem tenha sido: “Tenho certeza: uma grande parte das mulheres do Brasil me amam”. Não só a maior parte das mulheres do Brasil odeiam Bolso, como ele sabe disso muitíssimo bem. E se tinha alguma mulher desavisada, após o debate de ontem, não deveria ter mais.
Uma das mentiras vai colocar Bolso em maus lençóis. No final do debate, em que citou “Deus, Pátria, Família e Liberdade” (um lema fascista), ele inventou que Gabriel Boric, atual presidente do Chile, praticou “atos de tocar fogo em metrôs lá no Chile”. Boric e o país que ele governa ficaram revoltados, e com razão. O embaixador já
foi chamado , e pelo jeito Bolso provavelmente terá que se retratar.
Bolso também repetiu o que as fake news do Gabinete do Ódio espalham há anos: que o governo de Lula roubou 990 bilhões da Petrobras. Qualquer ser pensante vê que é mentira, já que a estatal vale 452 bilhões (a PF calcula R$ 42,8 bilhões em esquemas investigados pela Lava Jato). Mas Lula não respondeu, ou pelo menos não respondeu como devia. Na sua primeira participação no debate, ele pareceu ter se confundido com o tempo.
Lula não foi bem. Seu melhor momento foi ao responder as críticas de Soraya: “Você não viu mudança [no meu governo], mas o seu motorista viu, o seu jardineiro viu, a sua empregada doméstica viu. No meu governo, o pobre vai voltar a ser tratado com respeito, a ter emprego de verdade, a ser tratado com dignidade”.
Eu achei que ele errou feio ao não se comprometer em garantir metade das mulheres no seu futuro ministério, como pediu uma jornalista da Folha. Dizem que ele não entendeu a pergunta (pensou que ela estivesse falando de paridade de gênero no STF), mas, de todo modo, sua resposta foi bem ruim (“você vai indicar as pessoas que têm capacidade pra assumir determinados cargos”). Não foi a primeira vez que ele foi cobrado. Por que não se comprometer, oras? Boric fez isso no Chile. Candidatos petistas, como Haddad em SP e Elmano no Ceará, já se comprometeram. Pô, qual a dificuldade de cada um dos dez partidos que apoiam Lula recomendar uma ou duas mulheres para o ministério, em vez do festival de homens brancos de sempre?
Foi uma bola fora de Lula, ainda mais num debate em que a misoginia de Bolso deu o tom. E claro que Simone Tebet se comprometeu com a paridade! É fácil pra uma candidata que tem menos de 4% dos votos e nenhuma chance de ser eleita se comprometer. Mas ainda dá tempo, Lula!
Ah, outro bom momento de Lula foi quando ele disse a Bolso: “Eu fui preso para que você fosse eleito presidente mas depois fui inocentado. Mas vou vencer agora para em uma só canetada ver o que você tanto quer esconder!” No começo Bolso chamou Lula de presidente. Deve ter sido advertido pela equipe, e depois passou a chamá-lo de ex-presidiário. Se eu fosse o Lula, responderia chamando o genocida de futuro presidiário.
Segundo pesquisa Datafolha realizada durante o evento (com apenas 60 pessoas), Tebet ganhou o debate. Ela teve 43% dos votos, Ciro 23%, e Bolso e Lula, 10% cada. Para 51% dos entrevistados, Bolso foi o pior. 21% consideraram Lula o pior, e Soraya, 14%. Já um levantamento da Quaest nas redes sociais apontou que Bolso, Felipe D’Ávila e Soraya lideraram menções negativas. Sobre D’Ávila, concordo com a opinião da atriz Maria Bopp : “Impressiona como o Partido Novo conseguiu arranjar um candidato ainda mais tosco do que o Amoedo”.
Muita gente reparou que não houve um só negro ou negra (como candidato ou jornalista), e nenhuma pergunta sobre igualdade racial ou racismo, o que sem dúvida é uma ausência gravíssima.
Hoje vi bolsonarentos (robôs em sua maioria) cantando vitória e afirmando que “Lula apanhou mais que mulher de malandro” — quer dizer, eles sabem que são misóginos e se orgulham disso. Ainda bem que nós mulheres vamos chutar seu candidato misógino pra bem longe. Agora, se Bolso foi tão maravilhosamente bem no debate de ontem como (só) seus seguidores pregam, por que sua equipe disse que ele não deve participar dos próximos debates?