Em sua entrevista no Jornal Nacional no dia 23 de agosto, o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) criticou o Ibama , dizendo que o órgão ambiental comete “abusos”, como a destruição de equipamentos utilizados para desmatar, queimar ou garimpar ilegalmente. A declaração deve ter sido comemorada pelos seus doadores de campanha: de R$ 1,17 milhão que o presidente recebeu até esta sexta, 26 de agosto, R$ 140,9 mil (12%) foram doados por pessoas que já foram multadas ou tiveram suas empresas autuadas pelo Ibama.
Segundo levantamento feito pela Agência Pública, entre os 17 doadores que doaram ao menos R$ 10 mil até o momento, cinco têm histórico de infrações ambientais. Considerando todas as 83 pessoas que doaram para Bolsonaro até agora, 16 (19,6%) foram multados pelo Ibama.
A lista inclui agropecuaristas, um ex-prefeito de cidade no interior de São Paulo e sócios de uma empresa de aviação agrícola. Somadas, as autuações que não foram canceladas ultrapassam R$ 80 milhões e abarcam multas por desmatamento, descumprimento de embargo e exploração de madeira sem autorização, entre outros. A reportagem procurou todos os citados, que não responderam até a publicação.
Até o momento, a maior parte do dinheiro recebido pela campanha de Jair Bolsonaro veio do Partido Liberal, que destinou R$ 10 milhões para o candidato à reeleição. A maior parte dos apoiadores financeiros da campanha são ligados ao agronegócio: dos 25 maiores doadores (todos com valores acima de R$ 5 mil), ao menos 18 têm atuação no ramo.
Terceiro maior doador de Bolsonaro já recebeu multa de mais de R$ 2 milhões
O terceiro maior doador de Bolsonaro até agora, com um total de R$ 60 mil em doações, o agropecuarista Ronaldo Venceslau Rodrigues da Cunha foi multado pelo Ibama em R$ 2,18 milhões em 2012. Segundo a descrição do auto de infração, Cunha destruiu, entre outubro de 2002 e agosto de 2007, 1,4 mil hectares de floresta amazônica ilegalmente em Aripuanã (MT), município próximo às fronteiras do estado com o Amazonas e Rondônia. A área desmatada, na Fazenda Estrela do Aripuanã, foi alvo de embargo pelo Ibama.
O pecuarista é um dos sócios da Agropecuária Rodrigues da Cunha, criada há mais de 60 anos em Uberaba (MG) e que hoje atua especialmente com gado no Mato Grosso . Além dele, outros cinco familiares aparecem no quadro societário da empresa, incluindo o patriarca, Antônio Ronaldo. A família é dona de um dos maiores rebanhos bovinos do país e figura entre os maiores vendedores de touros do Brasil. Segundo a Repórter Brasil , a família Rodrigues da Cunha teria utilizado o serviço de transporte da JBS para levar o gado criado na fazenda multada e embargada para uma “ficha-limpa” – prática conhecida como “lavagem de gado”.
A eleição de 2022 não é a primeira em que Rodrigues da Cunha abre o bolso para candidatos ao pleito. Em 2018, ele doou R$ 2 mil para a campanha de Jair Bolsonaro e outros R$ 5 mil para Luciano Vacari, que tentou se eleger deputado estadual pelo PPS no Mato Grosso, sem sucesso. Quatro anos antes, ele fez R$ 25 mil em doações: R$ 5 mil para o fundador e ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Ronaldo Caiado (DEM), eleito senador em Goiás, e R$ 20 mil para Pedro Taques (PDT), eleito governador do Mato Grosso naquele ano.
O quarto maior doador de Bolsonaro, com R$ 30 mil (e 88 centavos), também já foi alvo do Ibama. O agropecuarista Sérgio Cardoso de Almeida Filho recebeu cinco multas, três delas canceladas. As multas ainda válidas, que já foram quitadas, somam R$ 2.620 e referem-se a desmatamento e exploração de madeira sem plano de manejo em Mundo Novo (GO).
Sócio de uma agropecuária e de vários empreendimentos imobiliários, ele é filho de Sérgio Cardoso de Almeida, que foi produtor rural em Ribeirão Preto (SP) e deputado federal pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio ao regime militar, entre 1967 e 1982. O seu pai chegou a defender a continuidade do Ato Institucional nº 5, o mais repressivo instrumento da ditadura, “pelo menos até o ano 2000” .
Almeida Filho também fez doações para o candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), que recebeu R$ 40 mil (e 88 centavos), e para o atual deputado estadual Frederico D’Ávila, que está tentando uma vaga na Câmara Federal pelo PL. D’Ávila é produtor rural, foi vice-presidente da Aprosoja São Paulo e se declara “monarquista” e “armamentista” .
A quinta maior doadora da campanha até o momento, com R$ 25 mil, é Ana Dulce Ribeiro Vilela, que não tem multas, mas cujo marido e sócio já foi multado pelo Ibama em diversas ocasiões. Daniel Andrade Vilela, que está no quadro societário da Agropecuária Ana e Filhos Ltda, recebeu oito autuações. As multas que não foram canceladas ou tiveram defesa deferida somam mais de R$ 1,5 milhão e referem-se a desmatamentos e incêndios ilegais em Corumbiara (RO) e Indiavaí (MT).
Há ainda outros três doadores de ao menos R$ 10 mil entre os multados. Herbert Walter Schlatter, diretor-financeiro do Grupo Schlatter , foi multado em R$ 3 mil por construir dreno em área de preservação permanente (APP) em Chapadão do Céu (GO). Ricardo Borges de Castro Cunha, que já teve conflitos com assentados em Rondônia , foi multado em quase R$ 14 mil por pescar em época proibida (piracema) em Cuiabá (MT). Ex-presidente da Associação dos Proprietários Rurais de Mato Grosso, ele é sócio de várias empresas do ramo agropecuário. Já Renato Zago de Melo foi multado em R$ 10 mil por descumprir embargo de área no município de Figueirópolis (TO).
Ex-prefeito que doou para Bolsonaro já recebeu mais de R$ 65 milhões em multas
O doador de Jair Bolsonaro com a maior multa no Ibama é José de Castro Aguiar Filho (o “Zezinho”), que recebeu 16 autuações entre 2007 e 2015, totalizando mais de R$ 65,4 milhões. Ex-prefeito de Flora Rica (SP), pelo MDB, ele é sócio da Agropecuária São João da Liberdade, entre outras empresas. As multas, que variam de R$ 294 mil a R$ 19 milhões, referem-se ao desmatamento de milhares de hectares e descumprimento de embargos em fazendas nas cidades de São Félix do Araguaia e São José do Xingu (MT). Ele está na lista dos maiores desmatadores da Amazônia . O político doou R$ 5 mil para Bolsonaro.
O segundo doador com as maiores multas é o produtor rural Moisés Debastini, que doou R$ 1 mil e acumula R$ 6,35 milhões em autuações válidas. Todas as multas de Debastini foram por infrações em suas propriedades na cidade de Feliz Natal (MT). Seu pai é um dos fundadores e ex-prefeito do município. As autuações foram aplicadas no âmbito de grandes operações de combate ao desmatamento do Ibama, como a Toruk e a Hileia Pátria .
Há ainda mais quatro doadores com multas acima de R$ 1 milhão. O primeiro é Dagoberto Antônio Faedo, que doou R$ 2 mil e recebeu multa de R$ 4,06 milhões. Ele foi autuado em 2016 por desmatar mais de 4 mil hectares em Fernando Falcão (MA). O segundo é Ubirajara Augusto Fagundes Filadelpho, que doou R$ 500 e foi multado em R$ 1,2 milhão por desmatamentos em Itaituba (PA).
Além dos dois, os irmãos e sócios da Aviação Agrícola Gaivota Ltda , Marcos e Fernando Morandi, que doaram R$ 5 mil cada, também têm débitos acima de sete dígitos, considerando a autuação recebida pela empresa. A Gaivota foi multada em R$ 1,2 milhão por exercer a atividade de aviação agrícola sem licença em Jaguapitã (PR). Marcos Morandi também já foi multado individualmente em duas ocasiões: descumprimento de embargo em Novo Progresso (PA) e por ter agrotóxicos em descumprimento com a legislação, em Itaituba (PA). As duas autuações somam R$ 400 mil.
Fonte
O post “A cada cinco doadores da campanha de Bolsonaro, um tem multa no Ibama” foi publicado em 26th August 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública