Edvilson Castro Brasil é médico e eleitor do Lula 13. Eis seu guest post sobre constelações familiares:
Acompanhando o Twitter, vi um post endereçado a Lola sobre Constelação Familiar, em que ela oferecia o espaço para quem quisesse escrever sobre o tema. Acabei me oferecendo, inclusive como uma oportunidade de externar algumas opiniões e preocupações sobre o assunto.
Conheci a Constelação Familiar (CF) em 2013, num momento da minha vida em que as coisas não podiam estar mais caóticas. Estava em processo de saída de uma chefia que acabou com minha saúde mental (chefia da perícia médica do INSS em Alagoas) e desencadeou o que, hoje, identifico como a minha primeira crise de Burnout, sobre o que ainda posso escrever um dia. Tinha acabado de receber um diagnóstico clínico bastante complicado e ainda estava tentando descobrir o caminho para conduzir aquela nova condição na minha vida. Vida amorosa não existia. Enfim, tudo parecia conspirar para a manutenção e agravamento da minha condição de angústia.
Fui, então, convidado a conhecer a técnica através de uma amiga psicóloga. No início, estranhei e tentei fugir, mas depois acabei aceitando a ideia e me joguei de verdade. Participei ativamente de vários grupos de constelação, obtendo, sim, uma melhora geral do meu quadro, o que despertou o meu interesse a ponto de chegar mesmo a fazer uma formação e tentar atuar como terapeuta.
De forma simplificada, podemos dizer que a técnica se propõe a buscar informações que estão no inconsciente das pessoas e, por consequência, de suas famílias. Postula-se que exista um inconsciente familiar (bebendo no inconsciente coletivo, teoria de Jung), que seria uma espécie de repositório de informações, tornando possível acessar, através de um membro do sistema, as informações sobre todo o mesmo. Não carrego no peito a pretensão de esgotar o assunto ou de dar explicações definitivas sobre a técnica em si e seus fundamentos, se têm veracidade científica ou não. Inclusive, e principalmente, por considerar que um assunto dessa magnitude não pode e nem deve ser discutido na superficialidade.
O meu primeiro estranhamento foi em relação à qualquer pessoa poder se tornar um constelador, mas fui vencido pelo fato de que, para isso, era necessária uma formação que dura, em sua maioria, mais de um ano. E fomos tocando o barco.
Mas, escorpiano não consegue ficar muito tempo sem pensar e observar coisas. Em um desses cursos, em São Paulo, tive a oportunidade de ver o criador da técnica, o alemão Bert Hellinger. Naquela ocasião, ele já se encontrava, salvo engano, com 89 ou 90 anos. Uma constelação, em especial, chamou minha atenção. Um rapaz, que se encontrava sentado próximo de mim, até pouco tempo, era o cliente. O meu gaydar havia apitado no momento em que o vi, não me restando muitas dúvidas sobre o fato de ele ser gay também. Não me recordo qual o tema que ele queria tratar, mas lembro bem que não estava diretamente ligado à esfera sexual.
Bem, de forma resumida, a coisa prosseguiu e o que se mostrou foi uma dificuldade de relacionamento com sua mãe, confirmada pelo cliente, e aí o rapaz foi colocado na situação de que, se não resolvesse internamente suas questões com a mãe, teria dificuldades na vida, e até aí, tudo bem, porque em quase todas as abordagens terapêuticas, mesmo na psicanálise, não conseguimos fugir muito do peso da nossa relação com nossos pais, e a mãe sempre tem um papel importante na formação de nossas psiquês, indiscutivelmente, mesmo as ausentes por qualquer motivo. Mas Bert falava que ele precisava se resolver com a mãe porque, só aí, atrairia a mulher que o completaria!. O constrangimento do rapaz era visível.
Minhas amigas que estavam comigo também estranharam, mas permaneceram e permanecem até hoje dizendo amém. Neste mesmo evento, em relação a um caso de abuso sexual, foi reforçada a ideia de que, sempre que houver abuso, a culpa seria da mãe, que não conseguindo “cumprir o seu papel de esposa”, acabava por dar, de forma inconsciente, a permissão para o abuso. Voltei para Maceió com muitas caraminholas na minha cabecinha. Continuei lendo, estudando, e observando.
A primeira pergunta que fiz, e que me faço até hoje, é: quem definiu esses papéis? Qual o papel de esposa esperado e que aquela mulher que teve a filha abusada não conseguira cumprir? Quem estabeleceu esses papéis? E aí, precisamos historiar o processo um pouquinho.
Como citado anteriormente, Bert Hellinger tinha, nessa época, perto dos 90 anos. Ele nasceu no dia 16 de dezembro de 1925, em Leimen, e morreu no dia 19 de setembro de 2019, em Bischofswiesen. Ou seja, um cara que nasceu na Alemanha do pós-Primeira Guerra e pré-Segunda Guerra, e que em dado momento de sua vida, aos 20 anos (1945) foi ordenado pela Igreja Católica. Foi um jovem na Segunda Guerra, tendo inclusive lutado nesta (e ele era alemão!), e depois foi padre até o final dos anos 60, o que significa uma vida de quase 25 anos de sacerdócio em uma igreja e época onde os papéis sociais eram muito bem definidos, porque ainda não havíamos começado a colocar nossas cabeças, asas e unhas para fora. Era o patriarcado em sua forma mais pura, ainda.
As discussões sobre o feminismo, por exemplo, estavam começando. Simone de Beauvoir estava escrevendo O Segundo Sexo por essa época, e só veio a se declarar uma feminista publicamente em 1972. A rebelião de Stonewall só ocorreria em 28 de junho de 1969, deflagrando o pontapé inicial para termos Pabllo Vittar hoje em dia como um fenômeno de mídia mundial.
Outras pessoas contribuíram para a gênese da Constelação Familiar. Algumas delas, inclusive, divergiram em relação a certos pontos, que incluíam (só vim a perceber depois) alguma parte das interpretações desses “papéis” sociais.
Tá, cara, mas onde você quer chegar com essa ladainha?
Eu quero apenas fazer perceber que, dadas as circunstâncias descritas acima, essas definições de papéis são, inevitavelmente contaminadas por uma época e uma história de vida de uma pessoa que, a partir de um certo momento de sua vida, começa a ser idolatrado como um novo Messias. E, sim gente, esse cara tinha 90 anos, e era alemão. Era a cabeça de um cara alemão viajado pelo mundo todo, mas de 90 anos. Não dá pra esperar que ele pensasse igual a quem tem 40 anos hoje. Mas era de se esperar que quem tem 40 anos hoje tivesse senso crítico em relação a algumas coisas, e não transformasse uma técnica que pode, sim, ser muito interessante, se bem usada, em algo próximo a uma seita .
Talvez o problema não seja a técnica em si, mas as definições de papéis utilizadas e suas interpretações dentro do campo fenomenológico. E não, não é pra ser uma seita, apenas um recurso de auto descoberta, que pode ser bem usado, ou mal usado.
O post “GUEST POST: SOBRE CONSTELAÇÕES E ESTRELAS” foi publicado em 19th August 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva