Ontem o Profissão Repórter tratou de três crimes cibernéticos: pornografia infantil, golpes financeiros e stalking. É assunto demais pra pouco tempo (só 34 minutos), mas pelo menos ajuda a alertar a respeito desses crimes.
Em 2015 conheci um dos repórteres, o Guilherme Belarmino, porque ele e o cameraman Ricardo (ambos muito simpáticos) vieram até a minha casa em Fortaleza e me acompanharam até a UFC e para uma palestra em Quixadá. Eles contaram um pouco da minha história de ser atacada, difamada, caluniada e ameaçada por ser feminista. Entrevistaram dois dos mascus que mais me atacavam — Emerson, hoje foragido na Espanha, e Marcelo, preso desde 2018.
Eles esperaram Marcelo chegar na rua em que ele vivia em Curitiba para tentar entrevistá-lo. Ele me chamou de louca e partiu pra cima deles. Na mesma noite, em seu chan, contava o que tinha acontecido. Como o programa só foi ao ar dois meses depois, apenas três pessoas sabiam (ele, Guilherme e Ricardo). Isso foi usado mais tarde para provar que Marcelo era o principal responsável pelo fórum anônimo que prometia ataques a pessoas e instituições. Naquela mesma noite, aliás, Marcelo ordenou que sua quadrilha atacasse Guilherme. Porque Guilherme é negro e o chan é nazista. Só por isso.
Ameaças a Guilherme em dezembro de 2015, quando o programa foi ao ar |
De lá pra cá, Guilherme e eu trocamos alguns emails, contando as novidades. Faz pouco tempo, ele contou que faria um programa sobre stalking, que virou crime no Brasil no ano passado. Perguntou se havia alguém que aceitasse falar. Não me lembrei de ninguém imediatamente.
Mas, poucos dias depois, um nome veio com toda a força pra minha cabeça. Na realidade, eu estava num hotel em Brasília (fui ao Rio gravar uma entrevista para um documentário sobre o massacre de Realengo, e na volta o voo atrasou, eu perdi a conexão, e tive de passar a noite em Brasília), e na hora que entrei no quarto, lembrei da Rayanne . Escrevi pra ela na mesma hora, perguntando se ela toparia ser entrevistada para o Profissão Repórter.
Não conheço a Rayanne pessoalmente, mas fiquei sabendo de sua história em outubro de 2020 no Twitter. Ela me enviou um email pedindo que eu divulgasse o seu caso, já que a repercussão é uma forma de defesa, e eu publiquei seu guest post . Rayanne é uma jovem modelo de Teresina, linda, negra. Ela conheceu o francês Malik Roy e eles foram morar juntos em Budapeste, na Hungria. Lá a relação começou a dar errado e ela voltou para o Brasil, não sem antes registrar as agressões, ameaças e perseguições num primeiro boletim de ocorrência ainda na Hungria, em 31 de julho de 2019.
Era pra ter acabado aí, certo? Mas o que fez Malik? Ele decidiu vir ao Brasil para continuar atormentando Rayanne. Além de ameaçá-la sem parar, o francês criou vários perfis para difamar a modelo. Parece que stalkear Rayanne virou sua missão na vida. Crente da impunidade, ele foi ficando cada vez mais ousado. Rayanna conseguiu que um programa de TV, o Cidade Alerta , falasse do seu caso em 2020, e Malik deixou comentários racistas e misóginos (cadela, prostituta, macaca peluda etc), avisou que sua “vingança será suave de uma verdadeira alegria”, e admitiu seu racismo: “Eu sou racista sim, por apenas um tipo de pessoa: mentirosos e perversos narcisistas”. Como se ele pudesse cometer o crime de racismo dependendo de quem quisesse atingir!
Nesses quase dois anos (outubro de 2020 a julho de 2022), não falei mais com Rayanne, mas sabia que ela seguia sendo stalkeada, porque não parei de receber mensagens de Malik no meu blog, Twitter e email, sempre sobre ela.
Numa das “justificativas” dele, ele escreveu: “Apenas desejei o pior a ela e manifestei minha alegria por seu irmão ter sido executado”. No “dossiê” que frequentemente envia para os amigos e familiares de Rayanne, ele confessa: “Aqui está o que escrevi para seus amigos: ‘Se o irmão foi executado, foi porque ele era definitivamente um canalha forrado de lixo sem nome. Pelo menos tão nojento quanto a irmã Ray. Deus limpe a terra desse povo de m*rda. Obrigado, Deus. Amém. […] Eu nunca vou deixar uma puta suja mentir”.
Três dias depois de eu mandar um email pra Rayanne, no dia 14 de julho, ela me respondeu, com uma novidade incrível: no dia 15 de julho Malik foi preso num supermercado em Itajaí, Santa Catarina! Achei uma coincidência tão bacana!
Guilherme foi até Itajaí, entrevistar o delegado, e para Teresina, gravar com Rayanne. A gente se falou um pouco pelo Zoom e ele colocou um pedacinho no programa, contando do programa de 2015.
E querem saber de outra coincidência? O programa foi ao ar ontem , bem no aniversário de Rayanne. Um belo presente.
Obviamente não sabemos quanto tempo Malik ficará preso. Como ele é obcecado, duvido que ele pare. Ainda mais porque existem misóginos e neonazistas que acreditam em tudo que homens dizem contra mulheres, principalmente contra mulheres negras. Malik estava começando a ter alguma voz nessas comunidades.
Mas é gratificante a gente poder mostrar que também se une, também se acolhe, também se ajuda. Tomara que Rayanne tenha dias melhores daqui pra frente. E que sua serenidade e sua coragem inspirem outras mulheres a denunciarem seus stalkers.
O post “PROFISSÃO REPÓRTER: STALKER DE RAYANNE É PRESO” foi publicado em 27th July 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva