Já fiz tanta coisa no campo da inovação social, impacto e afins, e, ao mesmo tempo, nada.
Me engajei em Redes Temáticas e Redes Regionais no GIFE, escrevi diversos artigos e alguns livros, produzi podcasts, me engagei em coletivos, coalizões e tantas outras redes, participei de eventos, conheci pessoas, etc.
Se tem uma coisa que não posso dizer é que fiquei acomodado nesta área. Muito pelo contrário. Me movimentei muito além do que meus chapéus institucionais esperavam de mim. Não me arrependo. Aliás, notei que esse foi um acerto até aqui.
Mas tudo isso tem seu preço. Excesso de viagens, de demandas. Aprendizados intensos e muitas vezes fichas que caíram/caem revelando aspectos nem um pouco edificantes das relações profissionais e institucionais deste nosso setor. Infelizmente, esse setor é também um reflexo da nossa sociedade. Muitas vezes projetamos expectativas de que aqui em nossa bolha tudo será mais ‘céu azul’ e que teremos relações laborais mais horizontais, mais saudáveis, etc. Ledo engano.
Pois é. Todo acúmulo na área da inovação social, ISP, impacto e afins tem me feito refletir: afinal, estamos mesmo avançando?
Embora hoje tenhamos mais ferramentas e um campo com muito mais possibilidades, me pergunto se estamos avançando também em profundidade e impacto de nossas organizações e projetos? A sensação mais óbvia é que sim, estamos avançando, mas não sem trade offs. Não sem efeitos colaterais. Reuno alguns a seguir:
1. Alta rotatividade de profissionais
Sempre há gente indo e vindo no setor. Gente nova chegando, tanto em termos geracionais quanto vinda de outros setores. Isso é fantástico, mas é também um baita desafio. Explico porque. Com esse entra e sai, acúmulos são levados para outras áreas e aos que chegam é preciso contextualizar quem chega ao barco. Caso contrário, vamos lidar com o famoso ‘inventar a roda’ algo que, infelizmente, vemos rolar por aqui.
Infelizmente alguns confundem esse on-boarding com carteirada, o que é bem diferente, embora isso também ocorra em nosso setor. Não dá pra desconsiderar a presença do processo de precarização laboral aqui no nosso setor e sua contribuição para esta rotatividade. Vida de PJ, sabe como é.
2. Reinvenção de rodas e pouco aproveitamento dos acúmulos
A falta de espaços e processos de contextualização de quem chega, amplia a reinvenção de rodas e o desperdício de acúmulos já construídos. Não que os acúmulos não possam e devam ser revisitados, mas no seu devido tempo.
Daí chegam levas de novos profissionais ao setor trazendo suas soluções prontas para problemas complexos que já vêm sendo endereçados há tempos.
Nem sempre o google se encarregará de trazer esse contexto a quem chega.
Finalmente convém lembrar aos novos entrantes que chegam de outros setores e que trazem recursos $ (ex: mercado financeiro): para estes, o tratamento é totalmente distinto. Soluções de prateleira são não só aceitas, como sequer problematizadas à luz da complexidade da agenda socioambiental. Afinal, busca por recursos é aspecto crônico por aqui, não? Tudo bem, mas qualquer $ é mesmo sempre bem-vindo? Pelo jeito sim. Em resumo: quem chega ao campo trazendo suprimentos ($), mesmo que venha com ideias mirabolantes e absurdas, será aceito e ganhará seu lugar de destaque nesse palco ecossistêmico.
3. Modo de fazer mais travado e menos aberto a disrupção
Voltando aos avanços, nos deparamos hoje, de um lado, com um discurso de inovação e disrupção, e de outro, o mantra do compliance como um escudo anti-ideias fora da caixa. Esse fenômeno também chegou ao nosso setor e vem gerando seus efeitos. Quanto maior a organização, mais ela tem de lidar com o fantasma do compliance.
Não sou contra o compliance, afinal, é essencial que nossas organizações e projetos atuem de forma íntegra, ética e seguindo os procedimentos mais adequados. Mas não entendo porque atuar desta forma significa atuar com o freio de mão puxado. Às vezes o fantasma do compliance parece ser um salvo conduto para uma atuação lenta, burocrática e pouco ousada, e também para salvaguardar lideranças bundonas. Afinal, é ‘culpa’ do compliance a demora. Esse modus operandi combina com nosso setor? Combina com a urgência das questões socioambientais que buscamos endereçar?
Pelo jeito os fins não justificam os meios, mas os delimitam.
4. A área está se tornando mais chata, mais careta, mais quadrada
Uma consequência do ponto anterior é a sensação de que nosso setor está mais quadrado, mais pasteurizado e menos empolgante. O voluntarismo inconsequente de décadas atrás parece ter se transformado num pragmatismo de mercado careta e envelhecido. Qualquer ideia mais mirabolante de cunho socioambiental já é questionada: qual seu modelo de negócio? Qual sua teoria de mudança? Quais seus indicadores?
Afinal, pra promover transformações sociais e ambientais é preciso ter a pós X, usar a ferramenta Y ou ter fulaninho(a) em seu conselho? Talvez não, mas o sim é que mais se nota no horizonte.
5. Se você não está inovando, está fora
Outra distorção que me intriga é essa. Há uma forçação de barra no ar para que se inove sempre, que se incorpore assuntos do momento (blockchain, NFT, ESG pra citar alguns), mesmo que seja só pra sair bem na foto. A própria concepção do setor é voltada à inovação, mas não necesariamente ele será sempre sinônimo de tecnologia. Vale lembrar que o projeto de cisternas foi uma baita inovação no acesso à água com zero tecnologia. Ferramentas digitais poderiam se somar a iniciativas como esta e ampliar seu impacto? Claro que sim, mas elas se agregam ao que ele já entrega e não o contrário. O que temos visto é que quem estava operando iniciativas como a das cisternas (e tantas outras) precisa de uma hora pra outra se tornarem especialistas em blockchain, em NFTs, em endowments, etc. Mas caso não consigam se tornar especialistas, podem contar com uma leva de consultorias a preço de ouro.
Será que este é o caminho mais inclusivo e democrático para que novas tecnologias nos ajudem a ampliar alcance e impacto de nossos projetos? Será que só será possível seguir sendo um ‘fazedor de impacto’ adotando essas inovações? Não, embora essa turma tende a ficar cada vez no subterrâneo do setor, infelizmente.
6. Ah, a panela!
Pra fechar, não poderia deixar de mencioná-la. Nosso setor é composto de algumas panelas, com seus caciques (PF e PJ) e sub-caciques orbitando ao redor em busca de um lugar ao sol. Isso é facilmente percebido nas redes sociais, eventos, parcerias, projetos. O que me incomoda no modo panela de atuar? Algumas coisas.
A primeira é que quem está fora da panela vive o dilema de Dominguinhos: “olha quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai”. Como entrar é dificil! Quem está dentro não percebe (ou não quer perceber). E assim, pilhas de CPFs e CNPJs se mudam pra SP, abrem filiais em SP, etc, pois só assim poderão ser notadas. Pra quem está na panela, esse é o normal. Será?
A segunda é que o modo panela vive de se auto-referenciar, visando fortalecer laços entre os nós desta rede. Logo, os nós secundários da rede tendem a ficar mais enfraquecidos, a não ser que detenham algo que interesse à rede (conhecimento, contatos, recursos, recursos, recursos).
A terceira é que a panela tem sua forma de abordar os assuntos. Abordagens diferentes tendem a ser evitadas. Afinal, abordagens mais críticas não colaboram com o setor, abordagens que procuram jogar luz para iniciativas de fora da panela tiram o foco da conversa, e assim por diante. Resultado: o cancelamento, a geladeira ou a indiferença. Como nenhum profissional nem organização querem ser cancelados ou refrigerados, evita-se gerar esse tipo de situação e evita-se levantar esse tipo de reflexão que sigo propondo.
Mais uma vez, o ET aqui passou do ponto. Vou buscar um cobertor pois a geladeira é fria. Até a próxima!
O post Já fui. Não sou mais? A inovação social reinventando rodas e resetando profissionais apareceu primeiro em Fábio Deboni .
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O post “Já fui. Não sou mais? A inovação social reinventando rodas e resetando profissionais” foi publicado em 14th April 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Fábio Deboni