E deu-se hoje a pá de cal em Arthur do Val: a entidade ucraniana no Brasil a quem o MBL supostamente doou R$ 211 mil disse que ele merece ser cassado . E recomendou que ele renuncie ao mandato e se dirija imediatamente para uma clínica médica. “Eu acho que existe um problema sério dele, da conduta e da relação dele com as mulheres”, disse o presidente da representação. Sim, o problema sério chama-se misoginia.
E todo mundo que acompanhou a carreira de youtuber do Mamãe Falei sabe que não é de hoje. Ele começou a fazer vídeos tentando constranger pessoas de esquerda em 2015 e foi contratado pelo MBL — conhecido por suas mensagens machistas, racistas, LGBTfóbicas, de extrema-direita — no ano seguinte. Uma de suas missões foi ir a ocupações de escolas em Curitiba para humilhar estudantes do ensino médio.
Pra quem não lembra, o maior ato de resistência contra o golpe e pelo Fora Temer foi justamente a ocupação das escolas no final de 2016. Quase sempre liderados por garotas, movimentos espontâneos de jovens decidiram protestar ocupando seus próprios colégios. O MBL, que sempre odiou professores e estudantes, e tentou promover ao máximo o Escola sem Partido (até ficar com pecha de perseguidor de professores, o que pega mal pra caramba ), viu que as ocupações eram fortes e ganhavam repercussão na mídia e apoio da população, e por isso mirou nelas sua metralhadora de destruir reputações.
No fim de outubro de 2016 Mamãe Falei foi mandado para Curitiba. A seu lado estavam dois outros membros do MBL e Renan Santos, fundador e coordenador do grupo, hoje mais famoso pela alcunha de “Tour de Blonde” (no áudio da viagem à Ucrânia, Arthur sugeriu que Renan era um especialista em turismo sexual, indo pra Suécia todo ano pra pegar loiras. Neste vídeo de alguns anos atrás vemos Renan dando mais detalhes sobre “xavecar gringa”). Esta matéria do Jornalistas Livres da época mostra a baderna que o MBL causou ao tentou invadir o Colégio Estadual do Paraná.
Os estudantes não queriam deixar o MBL entrar e não queriam ser filmados, como é seu direito (se o que Mamãe Falei faz sempre foi discutível — afinal, é necessário autorização de imagem para filmar alguém –, fica mais sério ainda ao tentar fazê-lo com menores de idade). Arthur provocava, mandava beijinhos, e gritava para as meninas, com a câmera desligada, “Vocês são todas gostosas, se me acharem bonito é só chegar”. Ao empurrá-las, ele pegava na altura dos seios . Pelo menos uma garota de 17 anos foi assediada, e todos foram para a Delegacia da Mulher.
Lá Mamãe Falei continuou filmando e se fazendo de vítima. O advogado da menina denunciou o ocorrido (Arthur passou a mão da lateral do seio até a cintura da garota) como estupro de vulnerável, mas a policial de plantão colocou no boletim de ocorrência “importunação ofensiva” (hoje essa contravenção penal chama-se importunação sexual). O caso foi arquivado depois por falta de provas, mas desde o início a garota passou a ser perseguida por fascistas do MBL.
Arthur esperou a garota atingir a maioridade para processá-la por falsa acusação. Pois é, parece incrível que o agressor processe a vítima, mas isso é o que mais acontece. Eu, por exemplo, já fui processada quatro vezes pelos mesmos mascus que me atacam e ameaçam há anos. E, em dois casos envolvendo professores que me processaram (um por noticiar assédio; outro, por me solidarizar com a vítima de estupro), eles também processaram as vítimas. Arthur pediu R$ 15 mil de indenização à jovem que ele havia importunado sexualmente. A garota, que tinha perdido o pai, que era filha de diarista, que iria casar, já não queria saber mais nada disso. Só queria paz.
Antes de ir à audiência, Mamãe Falei gravou stories dentro do seu confortável jatinho (quem paga? Na delegacia, na época, ele se declarou desempregado e vivendo com uma renda mensal de R$ 300). Num desses posts, colocou a foto da advogada da garota, Tânia Mandarino, e escreveu “A advogada da estuprada é do PT”. Foi a deixa para que a militância do MBL a atacasse também (sei bem como é fascistas atacarem suas advogadas). Tânia, que publicou este ótimo relato há poucos dias, é ameaçada de morte desde 2016. Arthur perdeu a ação.
Vale a pena lembrar também o modus operandi do MBL. Quando as ocupações perderam força, o grupo pagou um outdoor para se parabenizar por “devolver as escolas aos alunos”, assinado por pais. E, como se isso não bastasse, logo ordenou que o outdoor fosse vandalizado. Assim, podiam se fazer de vítimas. Não sou eu que estou dizendo. É a Veja, que deu enorme suporte para o crescimento do MBL. Mas por conhecer esse modo de agir da extrema-direita, deve-se ficar com um pé atrás em relação às ameaças de ultranacionalistas russos contra Mamãe Falei.
No primeiro vídeo que fez ao voltar para o Brasil, depois do áudio escandaloso , Mamãe Falei implorou para que fosse julgado somente pelo que fez. Pois bem, essa história de cinco anos atrás mostra bem o que ele fez, o que sempre fez. Mostra também que, se diante das câmeras ele é mais comedido, quando está longe delas, ou quando grava mensagens pros amigos, ele é um predador, não um “jovem de 35 anos”, um “moleque”, como insiste. Ele também jura que aquele do áudio não é ele, não representa quem ele é.
Esses dias, quando a jovem garota que foi importunada sexualmente por ele cinco anos atrás ouviu o áudio misógino, afirmou: “Sempre soubemos quem ele é”.
Agora Arthur desistiu se candidatar a governador de SP, se desfiliou do Podemos, antes de ser expulso, prometeu não se candidatar à reeleição, e saiu do MBL . Há doze pedidos de cassação de mandato para serem julgados pelo Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de SP. Se aprovados, a maioria dos deputados têm que votar pela sua cassação, o que deve acontecer. Mas aposto que Arthur vai renunciar antes, para não ficar inelegível pelos próximos oito anos. Enquanto isso, um MBL cada vez mais desgastado deve lutar pela sua sobrevivência política.
Eu torço para que Mamãe Falei seja cassado e varrido, junto com o MBL, para a lata de lixo da história.
O post “A PÁ DE CAL EM ARTHUR DO VAL” foi publicado em 9th March 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva