Minha mãe, no começo da década de 90, foi ao Cine Belas Artes, em SP, para ver um filme dividido em três sessões, já que dura mais de 15 horas: Berlin Alexanderplatz, do Fassbinder. Ela foi sozinha. Voltou incomodada — um cara tinha se sentado do lado dela pra se masturbar. Ela não podia acreditar que alguém conseguiria se excitar com um filme deprê num cinema de arte.
Comigo aconteceu também, no final da década de 80. Eu fui ver Era uma Vez na América, do Sergio Leone, num cinema da Consolação. Como o filme é muito longo (4 horas) e era um dia da semana (começava às 8 da noite e acabava à meia noite, se não me engano), não consegui ninguém pra me acompanhar. Teve pelo menos três completos desconhecidos que sentaram ao meu lado (um de cada vez) porque, pra eles, mulher sozinha é de ninguém. Eu trocava de lugar e deixava claro que estava lá pra ver um filme, mas quem disse que eles se importam?
Já faz vários anos, uma leitora contou que um sujeito foi se sentar ao lado da irmã adolescente dela pra se masturbar. A irmã não deixou barato: se levantou e começou a gritar “Tem um tarado aqui!” O asqueroso foi embora rapidinho.
Acho que muitas mulheres já passaram por isso, e as reações variam. A Kasturba, por exemplo, deixou um comentário instigante no post da Amanda . Creio que a atitude mais coerente é mesmo a da irmã adolescente. A gente não pode facilitar. Eu digo “facilitar” no sentido desses otários acharem que somos um buffet à disposição , e que o máximo que pode acontecer é a gente ficar com medo e vergonha e trocar de lugar. Conta aí, Kasturba querida!
Uma vez fui num cinema com dois amigos. Um homem velho sentou ao meu lado. Em algum momento no meio do filme senti algo passando pela lateral da minha coxa (eu estava de vestido), como se fosse o dedo do velho. Olhei e não vi nada. Pensei em pedir pra um dos amigos trocar de lugar comigo, mas fiquei constrangida, pois não tinha certeza se realmente havia acontecido ou era impressão minha… fiquei quieta. Um tempo depois, senti novamente e levei rapidamente minha mão à perna, e ainda pude tocar na mão do velho que, assustado, tirou a mão. Fiquei paralisada. Sem reação. Não sabia o que fazer. Alguns segundos depois o velho se levantou e foi embora, no meio da sessão.
Passei o resto do filme pensando naquilo. Com raiva, com medo, com nojo, engasgada… pensando por que não segurei a mão do velho e fiz um escândalo? Por que não dei um tapa nele ali no meio do cinema mesmo? Por que fiquei paralisada, como se eu tivesse feito algo de errado? Não contei o episódio pra ninguém (nem pros amigos que foram comigo ao cinema) e por um tempo me sentia culpada até por isso: como se eu e aquele velho que eu nem sabia o rosto direito tivéssemos um “segredinho sujo”. E só consigo pensar: se eu me senti tão mal por causa do dedo de um velho deslizando delicadamente na minha perna numa sala de cinema, um gesto que se não fosse intencional, nem teria me incomodado, quão triste e revoltante e nojento e desesperador não deve ser pra uma mulher que sofre um estupro… Deve ser um misto de emoções realmente insuportável… e não ser acolhida por quem deveria fazê-lo deve trazer a maior experiência de solidão possível. A todas que infelizmente passaram por isso: sinto muito…
O post “ASSÉDIO NO CINEMA” foi publicado em 21st February 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva