DO OC – A cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio, voltou nesta terça-feira a ver cenas de horror como as causadas pelos catastróficos deslizamentos de 2011. Mais de 70 pessoas já morreram na chuva mais intensa registrada na cidade desde o início da série histórica, nos anos 1930. Somente durante a tarde de ontem, o nível da chuva ultrapassou o esperado para o mês inteiro. Até o momento de publicação deste texto, já eram cerca de 300 desabrigados e quase 200 ocorrências de deslizamento, além de imagens chocantes de corpos e veículos sendo levados por correntes de água nas ruas e avenidas da cidade.
A tragédia carrega a impressão digital do aquecimento da Terra. “A tendência do aumento de eventos de chuva extremos, com o que aconteceu em Petrópolis, vem sendo observada em vários lugares do mundo”, explica José Marengo, diretor do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). “Aqui no Brasil, por exemplo, tivemos situações semelhantes de precipitações intensas acumuladas em poucas horas do dia em São Paulo, no início do ano, e no sul da Bahia, no final do ano passado. Tudo isso é consequência do aumento do risco climático [o possível impacto negativo que um evento climático pode causar], o que está diretamente associado ao aquecimento global.”
Em agosto do ano passado, na divulgação do último relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), os 234 cientistas que assinam o documento conseguiram, pela primeira vez, não só quantificar a influência humana no aquecimento da terra (atribuindo grande parte à ação dos homens), como também mostrar como isso se reflete no aumento da frequência e da intensidade de eventos extremos, como as tempestades. Com modelos computacionais mais modernos, conseguiram mostrar que, no cenário atual, em que o mundo já aqueceu 1ºC na média global, as inundações já aumentaram 30% e episódios de chuvas extremas já estão correndo com volume de água 6,7% maior, podendo chegar a chegar a 30,2% no pior dos cenários.
As consequências disso têm aparecido no mundo inteiro. Eventos de chuvas extremas nos últimos 12 meses incluem enchentes devastadoras na Europa Central durante o verão de 2021, inundações no subsolo de Londres e em Zhengzhou, na China, em julho do mesmo ano.
De acordo com Marengo, o aquecimento da terra está fazendo com que ciclos hidrológicos (evaporação e precipitação) estejam acelerados, provocando chuvas intensas concentradas em poucas horas ou dias, separados por períodos mais severos e longos de secas. “Essa irregularidade no clima é o que gera o risco climático, mas o risco de desastre, como o que aconteceu em Petrópolis, está relacionado diretamente ao grau de vulnerabilidade da região, ou seja, à quantidade de pessoas morando perto de encostas de morros ou de áreas de córregos, e com políticas públicas de prevenção, que ainda são precárias no Brasil. A combinação desses dois riscos é letal”.
Em Petrópolis, que teve estado de calamidade pública decretado pela prefeitura, há mais de 7.000 famílias vivendo em locais considerados de risco alto ou muito alto para deslizamento, de acordo com o Plano Municipal de Redução de Riscos, divulgado em 2017. Ao longo desta quarta-feira (16), as centenas de pessoas que tiveram casas atingidas pela chuva ou que estão em situação de risco estão sendo atendidas pela Defesa Civil em estruturas emergenciais, em sua maioria escolas públicas.
“Ainda que tenhamos a melhor rede observacional de monitoramento climático, hidro e geológico, a situação de risco de desastres no futuro pode não melhorar se nada for feito para reduzir a vulnerabilidade e risco de populações expostas. Com o aumento e intensidade das chuvas, a redução de risco de desastres vai depender de políticas publicas ambientais e de criar na população e tomadores de decisões uma percepção de risco de desastres naturais, algo que deve ser incluído no currículo escolar”, explica Marengo.
Em 2011, também em Petrópolis, outro evento de chuvas extremas havia deixado 918 mortos, sendo que 99 continuam desaparecidos até hoje. Na ocasião, foi criado o Cemaden para monitorar eventos extremos no país inteiro e também foi instalada uma rede de radares meteorológicos na região serrana do Rio.
“Coincidentemente ou não”, na mesma semana em que Petrópolis se acabou em água, cientistas e governos de 195 países iniciaram uma reunião virtual de duas semanas para finalizar o sumário executivo da segunda parte do sexto relatório do IPCC, o AR6. Este tomo do documento trata exatamente de vulnerabilidades de países, populações e ecossistemas e do que o mundo precisa fazer para se adaptar a chuvas como a desta terça-feira, que já estão mais intensas num mundo com 1,1oC de aquecimento e só devem piorar nas próximas décadas. (JAQUELINE SORDI)
O post “Tragédia em Petrópolis carrega digital da mudança do clima” foi publicado em 16th February 2022 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima