As ironias da vida: o guru bolsonarista Olavo de Carvalho morreu de covid. Lógico que seus seguidores (e sua família) inventarão outra causa de morte, porque não pega bem um negacionista antivax que passou os últimos dois anos pregando que a pandemia não existe morrer logo disso. Mas o fato é que ele estava internado com covid.
Aos 74 anos, cheio das comorbidades, viveu demais. Ano passado ficou quatro meses internado num hospital em SP (mas era contra o SUS). Em novembro, um dia depois de receber uma intimação para depor no inquérito sobre as milícias digitais, fugiu do Brasil. Dizem que foi pelo Paraguai. Mas Heloísa, a filha que rompeu com ele (e que tuitou hoje: “Que Deus perdoe ele de todas as maldades que cometeu”), me convenceu que não tinha como um senhor idoso e doente aguentar horas de carro até outro país.
Não há absolutamente nada de positivo a ser dito sobre Olavo. Era um ególatra repleto de ódio, rancor e ressentimentos. E não guardava isso pra si. Pelo contrário, ensinava pra sua seita que nunca deveria se debater com o inimigo (qualquer um que discordasse dele), e sim esmagar adversários e arruinar a reputação de pessoas de esquerda. Não à toa, era o ídolo de bolsonaristas, mascus, neonazis, incels. As pessoas mais nefastas do país iam a manifestações fascistas com cartazes de “Olavo tem razão”.
Antes da internet, eu nunca tinha ouvido falar dele. Ele é um modelo de como se vendem produtos estragados na internet. A primeira vez que ouvi que o nazismo foi de esquerda foi através de um olavete comentando no meu blog (logo no início, em 2008). Quando descobri a existência dos mascus, vi que eram todos fanáticos por Olavo. Eles criavam tópicos afirmando que Olavo merecia o Nobel (nunca especificavam qual: o da paz? De Literatura? De Física?).
Eu o comparava a David Irving, um autointitulado historiador que negava o holocausto (sua história é contada no ótimo filme Negação). Com a internet, seu séquito cresceu : Irving conseguiu multiplicar o número de fascistas que juravam que Hitler nunca matou judeus. Sua vida nunca esteve tão boa. Recebe doações que lhe permitem viver numa mansão e dirigir um Rolls-Royce. Não sei quanta grana Olavão arrecadou. Creio que estava falido. Só sua dívida no processo do Caetano já chegava a quase 4 milhões.
Durante sua longa vida, Olavão foi muçulmano, comunista, astrólogo, deu calote em monte de gente, mas encontrou mesmo seu nicho de mercado apelando para a extrema-direita, bem antes de Steve Bannon. Suas ideias não eram originais — ele apenas copiava as teorias conspiratórias internacionais, mas certamente havia público pra elas no Brasil. Pontuava todas as frases com palavrões e tinha obsessão por c*, como se nunca tivesse saído da fase anal.
Uma vez eu respondi a um olavete que foi me insultar no Twitter algo como “Deixe-me te desejar um vtc antes de te bloquear”. Assim mesmo, vtc (vai tomar no c*), só as iniciais, porque eu não costumo falar palavrão. Aí saiu no jornal: “Professora universitária usa palavrão com um tuiteiro”. Era estranho. Sua seita, boa parte formada por fundamentalistas cristãos, não via problema na sua linguagem ou na sua coleção de armas. Ele realmente preparou o terreno pra aceitação de Bolso, que de messias só tem o nome.
Seu pior momento, se é que é possível apontar só um (a Pepsi usa fetos abortados como adoçante?), foi quando ele disse numa live com o padre Paulo Ricardo (que foi caçar urso com ele na Virgínia) que meninas de 9 anos que são estupradas e engravidam nunca deveriam abortar: “Ter um bebezinho é o sonho de toda menina . É por isso que brincam de boneca, se tiver um bebezinho direto já salta a etapa da boneca, porra! Tem que respeitar esse sentimento da criança”. No mesmo vídeo ele também gritou: “Esses casos de ataque sexual a meninas, quase todos acontecem em casas de mães solteiras que vivem com o amante, na família regularmente constituída isso é raríssimo”.
Megalomaníaco, Olavão costumava dizer que era o ser humano mais perseguido da história da humanidade. Mas era ele quem perseguia e colecionava desafetos. A mim ele chamava de Barangovich. Em 2015, quando o mascu Marcelo (preso desde maio de 2018) criou um site de ódio com meu nome, Roger do Ultraje e Olavão ajudaram a divulgá-lo. Sabiam que o site não era meu, mas não ligavam. Valia tudo pra esmagar adversários.
Olavo não foi negacionista apenas com a covid, mas com tudo. Não acreditava em crise climática nem terra redonda. Lecionava que cigarro faz bem, que a Aids só passa pra gays. Negava a realidade. Preferia se mover através de conspirações como marxismo cultural, foro de SP, vírus chinês. Não era somente contra a vacina que combate a covid, mas contra todas. Fazia propaganda contra vacinação infantil. Um perigo pro mundo todo. Pelo menos foi coerente: não se vacinou. E morreu de covid.
Não vou comemorar (ao menos não publicamente) a morte dele, mas querer que eu lamente o fim de alguém que só causou o mal é um pouco demais. O mundo é um lugar melhor sem lunáticos como Olavo.
Hoje um mascu olavete deixou um comentário às duas da manhã me culpando pela morte do astrólogo (eles já me culparam quando Bolso escorregou no banheiro). Sinto-me lisonjeada, mas não tenho esse poder.
O post “O MUNDO É UM LUGAR MELHOR SEM OLAVO DE CARVALHO” foi publicado em 25th January 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva