Publico hoje o guest post da Isabela, minha correspondente no Chile! A jornalista Isabela Vargas é mãe da Gabriela, é feminista e integra a coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile, que organizou os protestos do #EleNao no Chile.
Essa semana o Chile ocupou as manchetes mundiais com uma conquista importante na luta pelos direitos da comunidade LGTBIQ+. É que na terça-feira, 7 de dezembro, o Congresso finalmente aprovou a Lei do Casamento Igualitário, que tramitava desde agosto de 2017. Agora, falta apenas a promulgação pelo presidente Sebastián Piñera.
Com a nova lei, outros avanços importantes ficam assegurados como as garantias dos direitos de filiação a qualquer pessoa que se submeta a mecanismos de reprodução assistida, independentemente do sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Além disso, estabelece a não discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero, entre outras categorias, para fins do regime e do exercício dos cuidados pessoais de filhas e filhos.
Quem olha para o Chile, hoje, não tem ideia do longo caminho percorrido por ativistas na luta pelos direitos fundamentais da comunidade LGTBIQ+. Foi somente em 2004 que o país reconheceu o divórcio. Naquele mesmo ano, a então advogada Karen Atala, defensora dos direitos LGTBIQ+ processou o Estado chileno perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos depois que a Suprema Corte do Chile lhe retirou a custódia das filhas por morarem com ela e sua companheira.
O caso “Atala Riffo y niñas x Chile” não apenas abriu um precedente no sentido de cobrar do Estado a igualdade de direitos, como também de pressionar os gestores públicos em matérias que garantissem avanços nos temas de diversidade sexual. Hoje, Karen exerce a função de juíza e faz parte da direção da Fundación Iguales , que tem sido protagonista na luta por direitos fundamentais.
Em entrevista ao jornal The Clinic , Karen Atala comentou sobre o caminho percorrido para se chegar a este momento inesquecível. A trajetória de Karen é fascinante. Ela denunciou o Estado do Chile perante a Justiça Interamericana e, após oito anos de tramitação da denúncia, em 24 de fevereiro de 2012, o estado chileno foi condenado por graves violações dos direitos humanos contra Karen e suas filhas, por violação da igualdade, considerando que prejulgar ou prejudicar um casal do mesmo sexo e as famílias que elas estavam criando, era contrário à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos.
O interessante nesse caso é que o desenlace se deu no primeiro mandato de Sebastián Piñera. Depois disso, Piñera se comprometeu com o Sistema Interamericano e a Justiça a dar prioridade a outro projeto que tramitava naquele momento: a Lei Antidiscriminatória.
Essa lei foi aprovada devido às pressões que surgiram da sociedade civil organizada por conta do caso Daniel Zamudio , um jovem homossexual assassinado num parque em pleno centro de Santiago por um grupo de agressores homofóbicos.
Embora tenha sido aprovada na gestão de Piñera, a lei foi apresentada por Ricardo Lago, do Partido Socialista, em 2005.
A mobilização pela diversidade sexual não parou por aí e seguiu com a conquista do Acordo de União Civil (AUC) e, posteriormente, da Lei de Identidade Trans.
Conversei com outro dirigente da Fundación Iguales, o arquiteto Sebastián Gray. Ele destacou a importância dessas conquistas consolidadas por conta da grande difusão em meios de comunicação e da forte pressão dos setores organizados. Gray afirma que “(reflete) este conjunto de direitos que as pessoas reclamaram de maneira abstrata em 2019”, referindo-se ao plebiscito que definiu uma nova constituição no Chile.
Quando perguntei sobre como podemos analisar o Chile de hoje — que ao mesmo tempo em que aprova o casamento igualitário, enfrenta um segundo turno polarizado entre a extrema-direita e a jovem esquerda — ele fez um interessante resgate histórico. A origem das organizações pela diversidade sexual remete à clandestinidade e ao período da ditadura militar. Por conta disso, o movimento sempre esteve muito associado à esquerda, naturalmente.
Foi a partir do caso Atala Riffo e da criação da Fundación Iguales que outros atores aderiram às lutas pelos direitos da comunidade LGTBIQ+. “O grande problema social chileno é a diferença de classes, é o drama chileno”, reflete. “O surgimento da Fundación Iguales foi um ponto de inflexão porque unificou a luta”, explica.
Pensando nisso e analisando o tempo que cada uma das quatro importantes e recentes leis pela diversidade sexual foram aprovadas no Chile é possível compreender o cenário político atual no país. “O fenômeno é bastante global”, sugere Gray. Cada uma das leis tramitou por distintos governos, tanto de direita, quanto de esquerda, até finalmente serem aprovadas. Ou seja, a polarização política sempre esteve presente na sociedade chilena e a luta pelos direitos iguais atravessou cada governo, sem importar a ideologia politico-partidária.
O casamento igualitário é um passo importante no sentido de garantias legais aos direitos da comunidade LGTBIQ+. A mobilização, agora, deve continuar com a luta pela educação, porque o preconceito existe. Na avaliação de Karen Atala, o componente machista, transfóbico, homofóbico e lesbofóbico que obedece a padrões culturais arraigados deve ser combatido, pelo Estado chileno, com programas intensivos de treinamento. “Para que os cidadãos e funcionários públicos sejam educados e treinados em direitos humanos, diversidade sexual e gênero. Porque o que se busca é que haja uma mudança cultural”, sentencia.
Quem também comentou a aprovação da lei do casamento igualitário no Chile foi o escritor e fundador da Fundación Iguales, Pablo Simonetti . “Sinto que conquistamos algo depois de uma jornada cheia de frustrações, dificuldades, pequenos avanços e retrocessos, momentos de esperança e decepção. Mas ver que ele finalmente está aqui para tantos jovens, tantas famílias e tantos filhos, e para os futuros gays, lésbicas e pessoas trans que vão sentir que seu amor é valorizado e reconhecido como o amor de qualquer pessoa. Isso não tem preço”.
Enquanto se aproxima o dia de votação do segundo turno para as eleições que vão definir o novo presidente chileno, a aprovação do casamento igualitário pode ser encarada como um lembrete de que as grandes mudanças acontecem — ainda que levem muitos anos para acontecer.
O post “CASAMENTO IGUALITÁRIO É APROVADO NO CHILE APÓS 10 ANOS DE LUTA” foi publicado em 10th December 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva