Ontem à noite a internet, ou a parte progressista da internet, entrou em polvorosa com a suposta morte de um perfil muito querido e admirado, o Coronel Siqueira. O @direitasiqueira, que existia desde meados do ano passado, divertia a esquerda (e enganava quem não entende ironia) ao fingir ser um bolsonarista fanático. Nas entrelinhas, era evidente que era um admirador do Lula e do PT.
Ontem às 9 da manhã morreu de pancreatite aos 48 anos o advogado e mestre em Geologia Sergio Vicente Liotte. Eu não o conhecia, mas ele me seguia no seu perfil no Twitter. Às 14 horas de ontem, Patricia Liotte, viúva de Sérgio, escreveu no Twitter: “É com imensa dor e pesar que informo o falecimento do meu marido, Sergio Vicente Liotte, na data de hoje. Agradeço as manifestações de pesar de todos os amigos”.
Quanto a isso não resta dúvida. Existiu um homem chamado Sergio que morreu ontem, muito jovem, lamentavelmente. Patricia era sua esposa e Jessica, sua filha. O velório e enterro acontecem hoje. Meus pêsames à família.
À noite, o Diário do Centro do Mundo (DCM) publicou uma matéria assinada por Fabrício Rinaldi dizendo que Sergio Liotte era o criador do Coronel Siqueira e havia morrido. A matéria cita Patricia, que explica que o Coronel estava no CPF do Sergio, que havia compartilhado o perfil com outros colaboradores para que eles também postassem “no estilo do Coronel”: “Agora o Siqueira está mais democrático. Quem está postando mais é um pessoal de Porto Alegre. Eu estou com pouco tempo. Estou com minha mãe internada, caso grave”.
Patricia também fala do rosto que aparece no perfil de Siqueira: “O rosto do Siqueira era o do meu tio, comunista doente, falecido em 2018 quando essa Bozo já tinha sido eleito. Tributo a um assistente social que trabalhou por 40 anos em creches municipais de SP”.
Antes, Fabrício trocou mensagens com quem ainda estava com o perfil do Coronel, pedindo para entrevistá-lo, avisando que fariam uma live na TV DCM com a viúva. Nesses tuítes, o Coronel diz que não conhece Sergio e que irá “processar quem quer que seja”.
Minutos depois do DCM publicar a matéria, o Coronel desmentiu a notícia: “Gente, que barrigada do DCM foi essa?” Eu caí. Fiz um tuíte afirmando que, se o Coronel Siqueira apareceu pra se dizer vivo, eu iria acreditar nele. Ele então me enviou umas três DMs (direct messages) dizendo estar chateado com aquilo tudo, sem saber o que estava acontecendo ou por que estavam fazendo isso.
Em seguida, algum seguidor me enviou o link pra live do DCM , que trazia Patrícia em cores e ao vivo repetindo o mesmo que havia dito para Fabricio na matéria escrita. Ela, que também é advogada, falou que iria processar a pessoa que continuava usando o perfil. Os ânimos estavam acirrados na live. Fabrício e o diretor de redação do DCM, Kiko Nogueira, também falaram em processo e em investigar para descobrir quem continuava por trás do perfil, se passando pelo Coronel.
Durante a live, duas coisas importantes ocorreram: primeiro, a Carta Capital publicou um texto não assinado afirmando que Siqueira “segue vivíssimo”, e que “a pessoa por trás do perfil” foi pega de surpresa, não conhece Sergio, e que só ele é o criador e autor das postagens do Coronel Siqueira, sem colaboradores.
A Carta, que tinha/tem o Coronel como colunista (provavelmente pago, então não tem como a revista não saber quem ele é), mencionou que Patrícia havia dito que a foto que ilustrava o perfil do Coronel era de um tio dela, mas mostrou um print de um email de março de Siqueira dizendo que a imagem era do site This Person Does Not Exist, que gera rostos através da inteligência artificial. Teria sido bem esclarecedor se o DCM tivesse questionado a viúva sobre essa ponta solta de sua história.
A segunda coisa importante que aconteceu durante a live é que o perfil Coronel Siqueira no Twitter foi tirado do ar. No Instagram também, ao mesmo tempo, o que desmonta a tese de que foi derrubado. Quem o removeu tem a senha e decidiu removê-lo. Agora, por quê? Se o perfil é seu, você fica e prova que é seu. Não o retira após ser ameaçado de processo. Pra mim e pra muita gente, soou como uma confissão de culpa.
Aí eu fiquei pensando: eu acompanhava muito o Coronel no Twitter. Dava RT em vários de seus posts e ele nos meus (tínhamos/temos praticamente o mesmo número de seguidores, uns 175 mil). Muitas vezes respondíamos os tuítes um do outro. Nesses quase dois anos de convivência, sabem quantas DMs o Coronel me enviou? Zero. E aí ontem me envia logo três? Tudo bem que ele nunca tinha morrido antes, mas eu deveria ter desconfiado naquele instante. Depois outras pessoas vieram me contar que também receberam DM dele, antes de deletar o perfil (quando o perfil desaparece, as DMs também somem).
A essa altura o Twitter já estava um pandemônio, apesar do UOL ter publicado uma matéria comprovando boa parte do que a viúva e o DCM disseram (menos sobre a tal da foto polêmica). Tinha gente aproveitando pra declarar que o DCM mente sempre (é impressionante como tem gente de esquerda que odeia o DCM e o Brasil 247 ), gente julgando a viúva e determinando regras de etiqueta sobre luto (basicamente: você não pode fazer uma live no mesmo dia em que seu marido morreu, mesmo que todo mundo esteja falando sobre ele), gente falando que deveríamos focar na votação sobre o orçamento secreto, gente especulando que o DCM quis acabar com o Coronel porque ele gostava do PCO (não me perguntem que eu também não entendi), gente muito chateada com o fim do perfil do Coronel… E isso que eu perdi o Spaces comandado pelo JairMeArrependi , outro perfil anônimo fabuloso (pô, por que a galera faz Spaces se o troço nem fica gravado?!).
Hoje de manhã uns três perfis bastante hostis vieram me dizer a mesma coisa: que eram amigos pessoais do verdadeiro Coronel (que não seria o Sergio) e que ele estava muito decepcionado comigo. Um me contou que o perfil sempre foi administrado da Europa, não de Porto Alegre, e acusou a viúva de delírio. Outro tentou responder a minha pergunta mais frequente: por que Patrícia mentiria? A resposta do “amigo (anônimo) do Coronel” foi que talvez Sergio tivesse mentido pra esposa e a filha (que foi bastante atacada e deletou seu perfil). Um outro justificou que o Coronel não tem que aparecer nem provar nada, porque senão seria marcado e perseguido. Pra mim, que sou marcada de morte e perseguida há mais de dez anos, é estranho ler algo assim. Parece que coragem é um item em falta no mercado.
Também agora de manhã, o DCM escreveu que a Carta Capital mentiu em sua matéria. Numa troca de mensagens (que o DCM infelizmente não conta entre quem), um jornalista da Carta escreveu ontem: “Morreu o criador da conta [do Coronel]. Tem outros cinco administrando, mas acabaram de derrubar a conta dele”. A revista Fórum (outra publicação de esquerda, assim como o DCM, o Br247, a Carta) confirmou isso, mas depois publicou outra resposta da Carta: “nós nunca nos comunicamos com alguém de nome Sergio Liotte. Apenas com a pessoa que, até ontem, manteve acesso de fato ao perfil Coronel Siqueira. Os canais de contato que mantemos com essa pessoa desde o início da colaboração, no início do ano passado, seguem operantes”.
Se Sergio era de fato o criador do perfil e há mais de uma pessoa colaborando, como conta Patrícia, o que elas deveriam ter feito, a meu ver? Lamentar a morte do criador, e anunciar que o perfil (a criação) continuaria. E pronto, não haveria problema algum. Agora, se Sergio não tem nada a ver com a história, a viúva deveria se explicar. Algo me diz que ainda vamos ouvir falar bastante nesse imbróglio. Espero que não chegue aos tribunais. Ninguém merece isso.
O que me leva a refletir sobre a fragilidade das informações e dos relacionamentos na internet. Isso tudo me lembrou demais uma situação que vivi em 2012. Uma comentarista querida, inteligente e frequente do meu blog, a Niemi, “morreu”. Só que pouco depois começaram a chegar desconfianças sobre a doença que a levou a sua morte. Depois concluiu-se que não existia uma Niemi com aquele nome. Mais tarde, que a foto que ela usava pertencia a outra pessoa. Mas eu só me convenci mesmo que Niemi não tinha morrido ao receber um email considerando desrespeitoso duvidar de sua morte. Mesmo que o email não estava assinado por Niemi, veio da conta dela! Putz, não teria sido tudo mais simples e menos melodramático se Niemi apenas tivesse deletado todos os seus perfis?
O post “A “MORTE” E OS MISTÉRIOS DO CORONEL SIQUEIRA” foi publicado em 30th November 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva