Já faz um tempão que prometi escrever este post, e agora talvez seja o momento certo. É que recebi comentários de mascus comemorando que Marcelo Valle Silveira Mello saiu da Penitenciária Federal de Campo Grande, MS. É mentira, mas vamos ao que sei.
Primeiro, pra quem tá perguntando: “Quem?”, Marcelo é um mascu neonazi de 36 anos que carrega a “honra” (pra racista deve ser uma honra” de ter sido o primeiro condenado por racismo na internet brasileira. Em 2012, ele e Emerson (que está em liberdade na Espanha) foram presos pela Operação Intolerância e condenados a 6,7 anos cada. Mas saíram em maio de 2013 e Marcelo voltou a fazer tudo que fazia antes: atacar, ameaçar e tentar incriminar pessoas, prometer atentados terroristas, publicar sites de ódio, entre outros crimes. Marcelo só foi preso novamente cinco anos depois, em maio de 2018, pela Operação Bravata. Foi condenado (em 19/12/2018) a 41 anos por associação criminosa, racismo, divulgação de pedofilia, apologia ao crime, coação no curso do processo, e terrorismo.
Infelizmente, ano passado sua pena foi reduzida de 41 para apenas 11 anos de prisão, já que seu advogado conseguiu remover a acusação de terrorismo. Eu só fiquei sabendo disso porque algum anônimo me enviou um habeas corpus julgado em 22 de julho de 2020 e indeferido pelo relator João Pedro Gebran Neto. Lá está escrito:
“Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pelo próprio paciente Marcelo Valle Silveira Mello, requerendo sua soltura imediata em razão do tempo em que se encontra preso e, subsidiariamente, sua transferência para o Complexo Médico de Pinhais/PR de modo a ficar próximo de sua família. […] A defesa argumenta, em síntese, que o paciente encontra-se preso há mais de 730 dias em presídio federal sem direito a trabalhar para remir sua pena e tratamento de saúde com consultas psiquiátricas, em manifesto constrangimento ilegal por excesso de prazo. Refere que o laudo médico comprovou que o paciente é semi-inimputável portador de autismo, doença que reduz sua capacidade cognitiva, necessitando de tratamento médico adequado e não representa risco à sociedade. O julgamento da apelação criminal pelo Tribunal reduziu a pena privativa de liberdade de 41 anos para 11 anos de reclusão, afastando o fundamento de periculosidade e manutenção em presídio federal.”
“Prisão preventiva: Entendo que a prisão preventiva já decretada em desfavor do réu Marcelo do Vale (sic) Silveira Mello deve ser mantida, diante da manutenção da situação fática que legitima seus fundamentos. Além disso, as provas examinadas no curso da fundamentação da presente sentença confirmam, em absoluto, a necessidade de segregação do réu do convívio social, por representar grave ameaça à ordem pública, e também por ser necessária à conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal, tendo em vista que o réu tem plena crença na impunidade decorrente das reduzidas penas previstas para os crimes que costumeiramente comete, das falhas do sistema prisional e das benesses da execução penal, inclusive incitando virtualmente outras pessoas a cometerem delitos, haja vista que, segundo sua avaliação e experiência, em menos de um ano podem se livrar soltas. […] Deixou muito claro que não pretende parar de perpetrar graves delitos por meios virtuais, tendo em vista a possibilidade de logo ser colocado em liberdade graças a benesses do próprio sistema de execução penal brasileiro”.
O relator cita uma ata notarial de 15/12/2015 no RJ: “Inequívoca, portanto, a sua periculosidade, sendo o acusado verdadeira ameaça à ordem social, se solto, não só na condição de autor de delitos como divulgação de imagens de pedofilia, racismo e líder de associação criminosa virtual, mas também como grande incentivador de cometimento de crimes ainda mais graves por parte de terceiros, como homicídios, feminicídios e terrorismo”.
A pena privativa de liberdade de Marcelo foi reduzida de 5 meses e 10 dias de detenção e 41 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão para 3 meses e 3 dias de detenção e 11 anos, 6 meses e 23 dias de reclusão, “em razão da absolvição do acusado dos delitos de terrorismo e coação no curso de processo, todavia, a prisão preventiva decretada restou mantida”.
Em maio de 2021, seu advogado de Curitiba, Ricardo Baldan, entrou com outro habeas corpus, pedindo que Marcelo fosse internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, “convertendo-se a pena em medida de segurança”. Ele também disse que “Marcelo sofre de transtorno de personalidade com características antissociais, esquizoides e instabilidade emocional. […] Os demais internos por vezes entram em confronto com Marcelo, já que ele, para além de não aceitar a convivência com os demais internos, sofre preconceitos e ameaças”. Desse habeas corpus eu fiquei sabendo num vídeo que Emerson fez (já deletado ou derrubado), em que ele mostra o documento em pdf na tela. Eu só copiei.
O advogado diz também: “Verifica-se também, através dos atendimentos realizados por este defensor, que Marcelo está bastante agressivo, fala coisas sem nexo e escreve cartas com dizeres sem sentido para a sua genitora, para o juízo da execução, dentre outras atitudes que comprometem o seu comportamento carcerário e a própria execução da sua pena, já que está correndo o risco de se envolver em condutas, como de fato se envolveu, que certamente podem fazer com que ele seja acusado de praticar falta administrativa, fato que aliás já ocorreu e continua acontecendo”.
“No dia 12/02/2021, a defesa protocolou pedido, ocasião em que alegou que em visita ao detento, realizada no dia anterior, constatou que ele estava totalmente perturbado emocionalmente e psicologicamente, […] não está tomando sua medicação, e está tendo problemas com um detento de nacionalidade venezuelana na cela onde se encontra”. A direção do presídio negou.
O Ministério Público Federal respondeu no dia 18 de maio de 2021: “Analisando a íntegra dos autos, constata-se que a suposta insanidade mental foi suscitada inúmeras vezes pelo interno junto ao Juízo de origem, tanto em primeiro grau quanto em grau recursal. Aliás, a ausência do mencionado incidente foi inclusive apontada como cerceamento de defesa, argumento rechaçado pelo Tribunal”. Ou seja, Marcelo já tinha pedido para ser considerado inimputável várias vezes (na sua primeira condenação por racismo o argumento foi aceito, e por isso ele não foi preso. Em 2012, não colou).
Desta vez, o MPF foi contrário até à realização dos exames, já que “os elementos constantes dos autos e feitos correlatos indicam a plena capacidade de Marcelo entender o caráter ilícito dos fatos praticados”. Para justificar sua “capacidade intelectual”, o MPF citou que, antes de ser preso em 2018, Marcelo cursava o sétimo período do curso de Direito, que era profissional na área de informática, mestrando em Informática, e tinha curso completo de inglês.
O MPF concluiu que “o fato de o acusado ser eventualmente acometido por doenças psiquiátricas — TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), Asperger, em tratamento há anos para minorar os respectivos sintomas, não significa prejuízo à sua capacidade de discernimento a ponto de torná-lo inimputável ou semi-imputável”.
O MPF ainda lembrou que grande parte da população é diagnosticada como portadora de moléstias psiquiátricas, “o que não lhes concede salvo conduto para práticas delitivas”. “Caso o paciente acometido por tais doenças de cunho psiquiátrico alcance grau tal que o tornasse inimputável certamente estaria impossibilitado de realizar grande parte dos atos da vida civil de maneira regular e normal, como por exemplo trabalhar, estudar ou se relacionar em redes sociais, o que, como se vê no presente caso concreto, o réu realiza normalmente com notável desenvoltura”.
Em agosto recebi um email com o título “sua hora vai chegar”, em nome de Marcelo, dizendo estar na Argentina e “já planejando minha vingança. A PF bostileira não tem jurisprudência aqui”. Acho que não era ele. Mascus sempre enviam mensagens prometendo que Marcelo irá sair logo. Eles imaginam que eu fique com medo. E adoram inventar mentiras. Em abril do ano passado criaram um alvará falso de soltura pra ele. O advogado do Emerson caiu.
Ontem me enviaram um link para um “agravo em recurso especial”. Está escrito em jurisdiquês e não é fácil de entender, mas basicamente o advogado de Marcelo pede que ele progrida do regime fechado para o semiaberto. E mente na cara de pau, alegando que “o recorrente não é reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça a pessoa”. Ué, não é? O MP se manifestou contra o provimento do agravo.
Mas o ministro Ribeiro Dantas, relator da sentença, decidiu que o recurso “merece parcial acolhimento”. Mas afirma que seu caso cabe no inciso IV do Artigo 112 da Lei de Execuções Penais, que diz que o preso pode progredir de regime se tiver cumprido “30% da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça a pessoa”. E, ainda assim, só tem direito à progressão quem tem bom comportamento. O que o advogado descreveu no último habeas corpus parece bom comportamento? Além do mais, Marcelo foi transferido da prisão em São José dos Pinhais para Campo Grande justamente por mau comportamento (estava usando celular na cadeia).
O relator aponta que Marcelo ainda não cumpriu 30% da pena e que não foi demonstrado o bom comportamento. E ainda emenda, misteriosamente: “E isso porque há informação nos autos da execução penal (evento 85), datada de 03/03/2020, no sentido de que o apenado responde a procedimento disciplinar no qual se apura a prática de falta grave, por infringência ao artigo 45, inciso VII do Decreto no. 6.049/2007 c/c artigo 287 do Código Penal (praticar fato previsto como crime doloso — no caso, apologia de crime ou criminoso), o que desabonaria a sua conduta carcerária, impedindo a pretendida progressão”. O que será que Marcelo fez em março do ano passado? Apologia a qual crime, a que criminoso?
Esse acórdão é de 21 de setembro de 2021, mas a publicação dessa decisão em diário eletrônico só ocorreu em 27 de outubro, ou seja, semana passada. Como me disse um advogado, a contagem de prazo recursal se faz a partir do acórdão publicado: “o MPF regional terá prazo para análise e eventual interposição de recurso. Posteriormente ao trânsito em julgado, os autos retornarão ao juízo da execução penal para providências e cumprimento de medidas. Por enquanto, nada muda”.
Um outro advogado me respondeu: “O regime semi aberto permite que o condenado saia da cela durante o dia, e trabalhe na instituição prisional. Não significa que ele possa sair do presídio durante o dia. Isso é só para presos que estão no regime aberto, em que o preso sai para trabalhar e retorna à noite. Para progredir de regime, ele deverá cumprir 1/6 da pena, o que seria 1 ano e 08 meses para passar ao regime semi aberto. Como há uma infração disciplinar, o juiz da VEC terá de recalcular os prazos para a concessão da progressão de regime”.
Então é isso. Marcelo segue preso em Campo Grande. Ainda vão recalcular quanto da pena ele já cumpriu e se pode ter progressão. Espero que o Ministério Público esteja de olho (obviamente o MP sabe muito mais acerca da situação carcerária do Marcelo do que eu) e impeça que o criminoso volte para aterrorizar online mulheres, negros e LGBT.
O post “MARCELO SEGUE PRESO” foi publicado em 1st November 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva