Como Matrix foi apropriado pela extrema-direita?
A apropriação da narrativa iniciou em fóruns no Reddit e 4Chan instituídos em torno do Gamergate, um movimento que surgiu em 2014 e gerou ataques misóginos contra mulheres que trabalhavam e consumiam games.
Depois dos ataques do Gamergate, os integrantes desses grupos começaram a buscar novos alvos. A narrativa de que homens estavam sendo oprimidos por mulheres, pelo feminismo e por LGBTs se tornou recorrente nesses territórios, assim como a expressão “escolher a pílula vermelha”.
“Escolher a pílula vermelha” seria se tornar ciente da opressão que homens enfrentam na sociedade, da destruição de valores da masculinidade, do racismo reverso, da doutrinação da esquerda nas escolas e de como o Estado é o vilão.
Ou seja, só delírio e falácia.
A pílula vermelha aparece em Matrix quando Morpheus dá a Neo a escolha de tomar a pílula azul e retornar, sem nenhuma memória, para o “mundo simulacro”, ou tomar a pílula vermelha e manter todo o conhecimento e memórias adquiridas até ali, sendo parte da resistência.
No Brasil o ex-ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, Abraham Weintraub, publicou no Twitter a cena da escolha da pílula do filme Matrix fazendo alusão à importância de escolher apoiar o presidente, recebendo um xingamento de uma das criadoras da obra.
Seja no governo ou nesses fóruns, parece existir uma apropriação da obra que distorce as intenções das criadoras (possivelmente desconhecidas para muitas pessoas que integram esses grupos), duas mulheres transexuais.
Essa leitura de Matrix como signo da extrema-direita é sintoma também da:
1) Estrutura em rede de movimentos odiosos transnacionalmente;
2) A ambuiguidade de produções da cultura pop;
3) A urgência da leitura crítica da mídia nos sistemas de alfabetização.
Que Matrix 4 possa elucidar com potência que o sistema do qual Neo acorda é a matriz hegemônica: branca, cis, hétero, masculina e capitalista.
Algumas referências:
STERN, Alexandra Minna. Proud boys and the white ethnostate: How the alt-right is warping the American imagination. Beacon Press, 2019.
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Estou no final do doutorado e pesquiso cultura pop há alguns anos. Tenho usado as plataformas digitais para popularizar o conhecimento científico, leituras queer da mídia — com humor e diversão também.