O historiador Fernando Horta fez no Twitter uma ótima análise do fiasco do golpe de Bolso. Não sei se a análise dele mudou depois do recuo covarde do Capetão, mas vale a leitura:
Bolsonaro tentou o golpe, e ele não aconteceu. O que teria dado errado? O que efetivamente aconteceu para que os planos golpistas fossem frustrados? Seria apenas um erro de cálculo de Bolsonaro? Seria o fato de o Brasil ter “instituições fortes”?
É completo consenso que o que ocorreu no dia 7 de setembro foi uma tentativa de golpe. Por isso, todos os jornais e todos os partidos falam que “bolsonaro acabou”. Sabem todos que a tentativa falha não faz com que Bolsonaro pare de tentar. E esse é todo o problema de Arthur Lyra
Para entender o que aconteceu precisamos olhar para o dia 6 de setembro e não para o dia 7. Em especial para o final do dia. O que sabemos até agora já nos permite algumas interessantes explicações.
Desde o início da semana, os hotéis de Brasília foram sendo tomados. Especialmente os hotéis de menores preços. Isso indicava o deslocamento antecipado de um bom número de pessoas com alguma capacidade financeira ou que estavam sendo financiados.
No dia 6, quase todos os hotéis mais baratos de Brasília estavam lotados. Esse movimento não passou despercebido pelo STF e todo o aparato de inteligência por ele montado (já que a PF e a ABIN são tributárias de Bolsonaro).
A partir das 12 horas do dia 6 a PM do Distrito Federal iniciou os planos de isolamento da região central da cidade (a esplanada dos ministérios) como parte do plano de segurança que é SEMPRE imposto em caso de manifestações.
Da forma como foi planejada, Brasília fecha a entrada do povo nos locais de poder de forma muito fácil e efetiva. Apesar de planejada por um comunista, essa é uma característica urbana de Brasília muito útil aos poderes constituídos. Basta que a PM coloque barreiras no lugar.
Por volta das 18 horas, numa ação claramente planejada aos moldes militares, bolsonaristas resolveram “testar a água”. Um grupo de cerca de 600 pessoas passou a retirar as barreiras e os isolamentos e abrir espaço para os grandes caminhões que já estavam na cidade.
Esse “destacamento avançado” com missão de reconhecimento foi abrindo espaço SEM A OPOSIÇÃO DA PM DO DF. A PM do DF é talvez uma das mais bolsonaristas do país. Aqui, sete em cada dez homens votaram em Bolsonaro. As PM aplaudiam literalmente os manifestantes contra Dilma …
Ibaneis, o governador, além também de bolsonarista, está envolvido até o talo com as maracutaias da saúde juntamente com a Precisa e Ricardo Barros. Ocorre que o governador convenientemente NÃO ESTAVA NO DF.
Estava tudo arrumado para uma “pequena” indisciplina da PM de Brasília que seria o aviso para que o movimento incendiasse no país inteiro. Tudo passaria como uma azarada “falta de ordenamento” porque o governador não estava no seu lugar. Brasília, pela manhã, daria o tom do golpe
Caso as mobilizações prometidas em número chegassem a Brasília, Bolsonaro faria da Paulista apenas seu palco de completo sucesso. O presidente contava com pelo menos um milhão de pessoas em Brasília e, com isso, a pressão sobre as outras polícias dos Estados seria insustentável.
Para entender o que deu errado precisamos voltar à noite e madrugada do dia 6. Percebendo a fúria com que os bolsonaristas progrediam destruindo as barreiras na esplanada e a complacência inicial da PM, vários atores políticos (como o deputado Paulo Pimenta e o jornalista Ricardo Noblat) passaram a ligar incessantemente para o governador Ibaneis, e usar suas redes para denunciar o estopim do golpe. Essa “gritaria” inicial chegou ao presidente do Supremo que, com a Corte em uníssono, entrou em contato direito com a PM do DF exigindo providências.
A resposta da PM, pelo que apurei, foi puramente protocolar. O STF não é a autoridade imediata a que a PM precise dar satisfação. No fim, a constituição fala que as PM’s estão subordinadas ao exército e aí veio o segundo golpe de mestre do STF.
Fux ligou direto para os comandantes militares, ainda durante a madrugada, avisando que caso as PM’s seguissem o comportamento leniente, ele (Fux) chamaria a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e convocaria as Forças Armadas para deter os manifestantes. É preciso compreender este ato para entender o dia 7.
O que o STF fez foi adiantar uma tomada de decisão do exército brasileiro. As Forças Armadas esperavam PRIMEIRO a mobilização popular prometida, para ENTÃO apoiarem o levante. Estavam naquela madrugada, portanto, aguardando. O STF, contudo, exige uma posição imediata do exército.
Do ponto de vista do STF a ação era simples. Negasse o exército a ordem de Fux e o golpe estava consumado. Não haveria necessidade da pantomina do 7 de setembro. Por outro lado, ao adiantar a tomada de decisão o STF elevava exponencialmente o custo desta ação para os militares.
Na prática, tivessem os militares desobedecido Fux e no dia 7 as manifestações “flopassem” e os comandantes militares seriam processados por insubordinação e sairiam culpados de sedição. O preço era alto demais. A exigência da decisão ainda no dia 6 quebrava o plano bolsonarista.
No meio deste imbroglio todo duas figuras trabalhavam. Por um lado Alexandre de Moraes de posse das informações de inteligência mapeava o financiamento dos movimentos. Bloqueando as contas certas e as chave-pix, asfixiava os financiadores de Bolsonaro.
Muitas “caravanas” de locais perto de Brasília não puderam sair por conta do dinheiro. O resultado foi o pífio número de apoiadores para que Bolsonaro fizesse o que estava planejado. Como era possível ver em Brasília, tinha muito mais “carro do que gente” segundo Rodrigo Pilha.
O outro ator que em silêncio agia era o vice-governador do DF, atuando diretamente com as PM’s. Na falta de Ibaneis a desculpa das PM’s para a inação não seria mais possível. O comportamento dual do governo (ora apoiando Bolsonaro, ora obedecendo o STF) já é em si golpista…
Mas o vice governador compreendeu que recairia sobre ele toda a culpa de uma malfadada sedição que ocorresse nas PM’s de Brasília. Novamente, o STF aumentava o custo da tomada de decisão e o vice precisou garantir as PM’s na linha.
Com a recomposição das linhas hierárquicas do exército — a partir da cobrança do STF na madrugada do dia 6 — e com a lealdade das PM’s (ainda que a contragosto) garantidas, a margem de sucesso do golpe de Bolsonaro era pequena.
No final do dia 6, percebendo seus planos diminuírem a possibilidade de se realizar, os filhos do presidente foram até os manifestantes que faziam a “frente” para o movimento na tentativa de insuflar o apoio necessário para a sedição no dia seguinte e também para impactar a PM.
Não funcionou. Tirando os apoiadores do fascismo de Bolsonaro, os outros agentes são o que chamamos de “atores racionais” e fazem um cálculo de custo e benefício das suas ações. Precisam, contudo, de informações completas e corretas para esse cálculo. E isso eles não tiveram.
A tensa madrugada do dia 6 de setembro, que virou com fogos de artifício o tempo todo, determinou o fracasso do golpe do dia 7. O STF subiu o custo das ações políticas dos outros agentes e diminuiu o acesso destes agentes às informações que precisavam para a tomada de decisão.
As ações não foram coordenadas entre os atores políticos que saíram denunciando a posição claudicante da PM no dia 6 e o STF que colocou “a faca nos peitos” dos comandantes militares, mas, de alguma forma, elas foram complementares. O golpe naufragou.
Não podemos, contudo, achar que ele não foi dado. Que Bolsonaro não cometeu crime porque “o resultado não foi alcançado”, como é o argumento dos defensores do governo na CPI. Se deixarem Bolsonaro solto, ele tem mais um 7 de setembro para tentar. E mais um ano para planejar.
Aqui, meu balanço sobre o 7 de setembro de 2021.