Essa história me enche de raiva.
Eu já tinha lido a matéria sobre Raiana , uma babá de 25 anos que pulou do terceiro andar de um prédio em Salvador para fugir das agressões da patroa. Raiana teve várias escoriações pelo corpo e fraturou os dois pés.
Mas eu ainda não tinha visto as imagens das agressões, obtidas por uma câmera de segurança. São terríveis, de uma covardia inominável. Raiana está sentada num sofá com uma bebê, uma das trigêmeas de quem tomava conta. Era nova no emprego, só estava lá havia uma semana. Melina, a patroa, começa a gritar com a babá e agredi-la do nada. São vários socos, tapas, puxões de cabelo, chutes, xingamentos. Ela ainda diz: “Você só sai daqui num caixão”.
Em cárcere privado, Raiana chegou enviar uma mensagem aos familiares, pedindo ajuda. Eles viajaram do interior à capital, mas, ao chegar ao prédio, não conseguiam localizar o apartamento onde a babá trabalhava. Depois, a patroa a obrigou a mandar mensagem dizendo que estava bem. Raiana ainda tentou se socorrer com uma vizinha, mas Melina a arrastou para dentro.
Felizmente, Raiana sobreviveu, está bem, e o caso veio à tona. Outras onze ex-funcionárias de Melina surgiram para denunciá-la. Ela não as pagava direito, confiscava celulares, xingava, ameaçava, e partia pra agressão física. Pelo menos duas delas registraram boletim de ocorrência, em 2018 e 2020. E nada aconteceu. As denúncias não foram investigadas, um incentivo para Melina continuar destratando trabalhadoras.
Num depoimento de 6 horas na delegacia, Melina alegou que também foi agredida e que revidou. Certamente não é o que as câmeras dizem.
A elite brasileira é repulsiva. Saudosista do seu passado escravagista, insiste em tratar com violência suas empregadas domésticas.
Paga mal, quando paga (uma boa parte das domésticas ganha menos de um salário mínimo), e insiste em heranças de uma era que deveria causar vergonha, como quarto de empregada e elevador de serviço.
Aliás, não é só a elite brasileira. Nunca vou me esquecer dos maus tratos sofridos por Rigoberta quando trabalhava em casas de família. Ela narra isso em Meu Nome é Rigoberta Menchú: e assim nasceu minha Consciência. Décadas mais tarde, em 1992, ganhou o Nobel da Paz por sua lutas pelos indígenas. Mas o dia a dia contado por Rigoberta como empregada na Guatemala é muito parecido ao das domésticas daqui: uma rotina de exploração, humilhações, condições análogas à escravidão e, em muitos casos, agressões físicas.
Toda minha sororidade a Raiana e às outras funcionárias espancadas pela patroa. E nenhuma a Melina, que precisa ser punida e indenizar todas que agrediu impunemente.
O post “A HERANÇA ESCRAVAGISTA FAZ MAIS UMA VÍTIMA” foi publicado em 3rd September 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva