O estado de Rondônia proferiu um novo – e silencioso – golpe nas suas unidades de conservação. Dessa vez, o corte é de 96.355 hectares promovidos pela extinção do Parque Estadual da Ilha das Flores e pela redução da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Limoeiro. Ambos os atos foram proferidos pela Assembleia Legislativa de Rondônia com o aval omisso do governador, Marcos Rocha (PSL), que sequer se manifestou pelo veto ou pela sanção dentro do prazo de 15 dias úteis que é dado ao Executivo. Com isso, as propostas são consideradas automaticamente sancionadas, na íntegra, pelo presidente da Assembleia, Alex Redano (PRB-RO).
Os dois projetos de lei complementar (PLC), o nº 104/2021 , que extingue na totalidade o Parque Estadual Ilha das Flores e seus 89.789 mil hectares, e o nº 105/2021 , que desafeta 6.566 hectares da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Limoeiro, foram aprovados pelos deputados em sessão no início de julho. Ambos miram o mesmo alvo, a polêmica Lei nº 1.089/2021 , aprovada em maio deste ano, que desafetou cerca de 220 mil hectares de duas unidades de conservação – a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim – e para “compensar” criou outras cinco áreas protegidas, que somavam cerca de 120 mil hectares. Com as leis complementares sancionadas, restam agora apenas 23 mil hectares de áreas protegidas. Ou seja, as mudanças mantêm a desafetação – classificada como o maior retrocesso ambiental da história de Rondônia – e diminuem a suposta “compensação”.
A extinção do parque estadual é de autoria do deputado estadual Jean Oliveira (MDB-RO) enquanto a desafetação da RDS tem como autor o deputado Lebrão (MDB-RO).
Como o Executivo não se manifestou e a decisão voltou para a Assembleia, a promulgação das leis complementares, que ganharam os números 1.094 e 1.095, foram publicadas no Diário Oficial Eletrônico da Assembleia Legislativa de Rondônia na última sexta-feira, dia 30 de julho , ao invés do Diário Oficial do Estado, o que colaborou para que as sanções passassem despercebidas. A própria página de tramitação dos projetos de lei, no site da Assembleia, não indica a sanção, e a última atualização, do dia 13 de julho, diz apenas “Aguardando deliberação do Poder Executivo” (último acesso pela reportagem no dia 04/08/2021 às 12:50).
A aprovação das leis contraria parecer emitido pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) que cita cinco diferentes violações cometidas pelos atos legislativos: aos princípios da prevenção e da precaução; à garantia de não comprometimento da integridade dos atributos que justificaram a criação das unidades de conservação desafetadas; ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental; ao princípio da segurança jurídica; e ao dever de consulta livre, prévia e informada – em especial ao direito de consulta das populações tradicionais diretamente afetadas, estabelecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT 169).
“Veja-se, então: se o Estado de Rondônia criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro e o Parque Estadual Ilha das Flores com o objetivo específico de compensar a desafetação de outras duas Unidades de Conservação, é evidente que não pode, apenas dois meses depois, sem que tenha havido nenhuma alteração no mundo fático ou jurídico, simplesmente suprimir arbitrariamente esses espaços territoriais especialmente protegidos, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica”, aponta o parecer contrário da PGE, ao qual teve acesso ((o))eco.
O Ministério Público do Estado de Rondônia (MP-RO) protocolou nesta terça-feira (03), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as duas leis (nºs 1.094 e 1.095). A ação foi assinada pelo Procurador-Geral de Justiça, Ivanildo de Oliveira, e enviada ao Tribunal de Justiça de Rondônia, onde já tramita uma ADI contra as desafetações feitas pela Lei Estadual nº 1.089/2021, que ainda aguarda julgamento.
As ressalvas contrárias aos projetos de lei foram reforçadas pela Coordenadoria de Unidades de Conservação da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), o órgão rondonense responsável pelas unidades de conservação (UCs) estaduais, em parecer (nº 60/2021) emitido no dia 21 de julho.
Segundo o texto, ao qual ((o))eco teve acesso, “a perfeita compreensão dos impactos da desafetação pretendida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro e no Parque Estadual Ilha das Flores somente seria possível mediante a realização de estudos técnicos, os quais deveriam, no mínimo: mapear e identificar a população residente na unidade de conservação e no seu entorno; avaliar se a alteração compromete os atributos e objetivos dessas áreas protegidas; avaliar se a alteração pode resultar em degradação ambiental e, assim, se poderá violar o princípio do não retrocesso; e apresentar, com base em critérios técnicos, alternativas de compensação para a alteração proposta que garanta a manutenção do grau de proteção ao meio ambiente (em nível local e regional). A proposta de desafetação aprovada pela Assembleia Legislativa, porém, não foi objeto de nenhum estudo técnico”, alerta o parecer.
No texto, a SEDAM ressalta ainda que a criação de ambas as UCs afetadas foi precedida de estudos técnicos que “indicaram que tais áreas são de grande importância para a conservação da biodiversidade” e devem ser objeto de especial preservação.
Tanto a SEDAM quanto a Procuradoria Geral do Estado orientaram o governador ao veto integral dos projetos de lei. Uma fonte que acompanha a situação das UCs em Rondônia e preferiu não se identificar, acredita que o governador quis evitar o “constrangimento de contrariar o parecer da PGE e da SEDAM novamente”, como fez quando sancionou a Lei nº 1.089/2021, em maio deste ano.
As áreas afetadas
O recém-extinto Parque Estadual Ilha das Flores ocupava uma área de quase 90 mil hectares no distrito de Porto Rolim, município de Alta Floresta D’Oeste, no centro-sul do estado, em zona de encontro entre os biomas Amazônia e Cerrado. O parque ficava no vale do rio Guaporé, entre a Reserva Extrativista Estadual Pedras Negras, a Terra Indígena Massaco e o Parque Estadual Corumbiara, e possuía papel estratégico para assegurar um corredor natural de conservação da natureza, como destaca o estudo técnico realizado pela SEDAM para criação da UC.
A RDS do Limoeiro também está localizada no vale do rio Guaporé, ao sul do estado, no município vizinho de São Francisco do Guaporé. A reserva está limitada ao norte e à oeste por terras particulares, à leste pela Reserva Biológica do Guaporé e ao sul pela Bolívia. Diferente da categoria parque, de proteção integral, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, como o nome sugere, permite o uso dos recursos naturais. Apesar de não haver residentes dentro da área da RDS, os moradores da Comunidade de Santo Antônio utilizam a área para extração vegetal, principalmente de cipós e sementes, conforme contextualiza o estudo sobre a UC.
Os pouco mais de 6.500 hectares desafetados da reserva correspondem a uma faixa à oeste da área protegida, e refaz o desenho originalmente proposto pela PLC nº080 para a área protegida. O incremento foi aprovado na própria Assembleia em abril, que agora volta atrás, sem transparência ou participação da sociedade, e redefine a RDS em 11.453,78 hectares.
Em 2020, de acordo com o Prodes, monitoramento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o município de Alta Floresta D’Oeste desmatou 25,42 km² enquanto São Francisco do Guaporé registrou uma taxa anual de desmatamento de 21,64 km².
Também foi sancionada a lei nº 1.096/2021, de autoria do próprio presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Alex Redano (PRB-RO), que faz um ajuste de redação no artigo da Lei nº 1.089/2021 sobre a desafetação do Parque Estadual Guajará-Mirim, mas não altera a redução de cerca de 50 mil hectares sofrida pela área protegida.
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O post “Com omissão do governador, Rondônia realiza novo corte de UCs” foi publicado em 4th August 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco