A pensão alimentícia é um assunto importante que afeta muita gente, e ainda assim eu raramente tratei disso. Em tempos de pandemia e economia em frangalhos como agora, deve haver inúmeras crianças que não estão recebendo. Reproduzo aqui este artigo publicado pelo site da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará.
Com a crise econômica ocasionada pela pandemia do novo coronavírus, são milhares os casos de genitores que não estão conseguindo receber ou pagar os valores acordados nas ações de pensão alimentícia.
É como uma corda sendo puxada pelos dois lados: de um lado, o alimentado, representado pela pessoa que recebe a pensão (em via de regra, as mães), que passa pela dificuldade de não poder contar com aquele recurso financeiro certo por mês para ajudar no sustento dos filhos. Do outro lado, o alimentante (quem paga, geralmente o pai), que não tem de onde retirar, visto que muitas vezes perdeu o emprego ou teve diminuição drástica em sua renda mensal comprometendo seu próprio sustento.
E neste dilema, de que lado a Defensoria fica? De ambos, e a busca pela representação dos interesses de ambas as partes volta-se para o equacionamento e enquadramento de um equilíbrio possível diante de tais realidades. De um lado, a Defensoria realiza a defesa dos interesses das crianças e adolescentes envolvidas no processo, com o ajuizamento das ações através dos núcleos de petição inicial, além de acompanhar o processo na Varas de Família até a execução desta pensão, que pode gerar a prisão de quem não cumprir com sua obrigação legal. Enquanto de outro lado, também promove a defesa de quem precisa através da demonstração da realidade do devedor.
De acordo com o defensor público Sérgio Luis de Holanda, supervisor das Defensorias de Família, o valor da pensão alimentícia é calculado observando três características: a possibilidade de quem paga, a necessidade de quem recebe e a proporcionalidade do valor pago. “Sempre é anexado aos processos uma relação das condições financeiras dos pais comparado aos custos fixos dos filhos. Isso é de extrema importância para que nenhuma das partes envolvidas sofra privações e prejuízos com a fixação do valor da pensão alimentícia”.
Ele explica que a pensão alimentícia, embora tenha este nome, é um direito previsto na legislação civil, para suprir minimamente as necessidades básicas, preservar o sustento e o bem-estar dos filhos. O valor deve garantir os custos com educação, moradia, vestuário, saúde, dentre outros que porventura venham a ser necessários. Podem receber pensão os filhos menores de 18 anos; os filhos maiores até a idade de 24 anos, desde que estejam estudando (curso técnico, faculdade ou pré-vestibular), o ex-cônjuge ou ex-companheiro, grávidas ou parentes com necessidade comprovada.
Do lado de cá – A ação de alimentos é um das mais rápidas ações judiciais que existem no sentido de se chegar ao primeiro objetivo: a subsistência dos filhos, em regra, frutos de relacionamentos afetivos que cessaram ou nunca prosperaram. No entanto, tão célere quanto complicado, o tema gera muitas dúvidas. Quem paga ou quem recebe sempre busca esclarecimentos sobre valores, prazos, idade, formas de pagamento e das consequências do não pagamento.
É, sem dúvida, o maior percentual de atendimentos da Defensoria no Direito da Família. Estima-se que cerca de 200 pessoas procuram diariamente os canais de atendimento em petição inicial criados pela instituição para realizar o atendimento durante este período de isolamento social.
Foi o caso de Patrícia Alves da Silva, 27 anos. O casamento terminou no ano passado, mas da união restou o amor pela filha de dois anos de idade. O casal nunca formalizou nada e estabeleceu a pensão alimentícia de modo informal. “O pai da minha filha pagava pensão mensalmente, mas sem data estabelecida e sempre reclamava o valor acordado. Aí achei melhor procurar a Defensoria pra deixar tudo certinho, fazer logo o divórcio, deixar o juiz decidir o valor correto, porque aí não tem perigo dele reclamar dizendo que foi eu quem decidiu”, desabafou a mulher, que atualmente está desempregada.
O peticionamento alimentar está previsto na legislação brasileira há mais de 60 anos. Como a pensão alimentícia é um direito legal, deve ser obtida por meio judicial ou por mediação homologada em juízo, sendo conduzida e regulada por uma lei específica – Lei de Alimentos – que possibilita aos processos maior rapidez em sua tramitação.
O trâmite funciona assim: a pessoa que solicita a pensão alimentícia deve reunir no processo o máximo de informações sobre a necessidade de quem vai receber, além das possibilidades de quem vai pagar. “Reúnem-se assim todas as necessidades do alimentado, comprovantes da escola, plano de saúde, gastos como lazer, transporte, vestimentas, alimentação. Assim como também são apresentados nos autos do processo as informações da capacidade de quem vai pagar, se tem emprego fixo e qual é a fonte pagadora”, esclarece a defensora pública Michele Alencar, supervisora do Núcleo descentralizado do Bairro Mucuripe, em Fortaleza.
Com essas informações, o juiz, por previsão legal, já fixa no despacho inicial os chamados “alimentos provisórios”, que podem ser modificados durante o curso do processo de acordo com as novas provas apresentadas. “Isso é para garantir o sustento inicial, porque independente do tempo que o processo durar, já são fixados os alimentos provisórios, devidos a partir da citação de quem vai pagar. Ao final do processo, ele pode ser mantido, reduzido ou ampliado de acordo com as provas apresentadas. As ações de alimentos têm um rito mais célere que os demais processos e realmente elas tramitam de forma rápida”, complementa a defensora pública.
Do lado de lá – Diante de um cenário de muitas dificuldades, os pais têm recorrido à Defensoria Pública do Estado para pedir na Justiça a redução dos valores pagos. É o caso de Gerônimo do Nascimento, de 32 anos. Ele trabalhava como garçom em um restaurante na Praia de Iracema, mas com a pandemia, o estabelecimento fechou, demitindo todos os funcionários.
“Todos os meses eu depositava na conta da minha ex-companheira o valor acordado na audiência, mas agora não tenho como pagar mesmo. Estou passando por um período bem apertado, de falta de dinheiro até pra comer, minhas contas estão todas atrasadas e infelizmente não tenho como arcar. Pelo menos, por enquanto, até essa pandemia passar e as coisas voltarem ao normal. Eu fico com dó no coração em não poder mais ajudar, porque meus filhos são tudo pra mim, e sei do esforço da mãe das crianças, mas eu também tô pedindo socorro. Por isso fui na Defensoria”, conta o homem, que agora está desempregado.
Para a defensora pública Roberta Quaranta, titular do Núcleo de Resposta ao Réu (NURDP), quando há situações como esta de Gerônimo, é necessário acionar uma Ação Revisional de Alimentos, que é a ferramenta jurídica com a qual se pode solicitar a revisão dos valores pagos a título de pensão alimentícia. “Em caso de mudanças da renda familiar, é necessária uma ação de revisão. Em um período de incertezas financeiras, onde mesmo pessoas bem intencionadas, que não querem fugir de suas obrigações, podem ficar sem emprego e ter os rendimentos afetados, algumas medidas podem ser tomadas para não deixar a situação fugir de controle”, complementa.
A defensora pública, no entanto, alerta que, independente da situação, não se pode deixar de efetuar os pagamentos. “Muitos acham que, se não têm condições de efetuar o pagamento, podem simplesmente deixar de fazê-lo, sem que isso gere maiores consequências. Ocorre que, ao contrário, essa conduta pode levar – inclusive – ao decreto da prisão civil se a dívida for cobrada judicialmente”, alerta.
“A diminuição econômica do autor, ou seja, a mudança do ‘status quo’, é condição indispensável para a revisão do quantum alimentar e é ônus de quem paga demonstrar que não tem mais as mesmas condições de antes. Outro fator que deve ser levado em consideração é que o alimentando (geralmente menor e incapaz), acima de tudo, é a parte mais vulnerável na relação jurídica analisada e que o Judiciário deve refutar qualquer manobra insidiosa de se tentar demonstrar em Juízo supostas condições de miserabilidade que não correspondem à verdade dos fatos”, pondera Roberta Quaranta.
Para dar entrada em uma ação de redução de alimentos, é preciso apresentar os documentos pessoais, como RG e CPF, comprovante de endereço, certidão de nascimento dos filhos, cópia da petição inicial, termo de audiência e/ou acordo da sentença que homologou os valores da pensão alimentícia, testemunhas e provas dos fatos que comprovem que a capacidade financeira foi reduzida.
O post “DE QUE LADO FICA A DEFENSORIA PÚBLICA QUANDO A PENSÃO NÃO É PAGA?” foi publicado em 24th May 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva