O príncipe Philip, duque de Edimburgo, passou para a outra vida aos 99 anos. Ele foi, é e ainda será famoso por muito tempo. Nos múltiplos comentários que honram – ou desonram – sua memória, ele tem sido citado algumas vezes como alguém que dedicou grande parte dos seus esforços pessoais e oficiais à defesa do meio ambiente. Isso é verdade. Nesta nota, pretendo mencionar algumas experiências pessoais sobre a sua atuação, incluindo uma das suas visitas ao Brasil.
Devo começar por lembrar que o duque sempre foi um ambientalista convicto. E digo sempre, já que há mais de sessenta anos atrás, quando ainda não tinha 40 anos de idade, ele foi um dos promotores e fundadores do World Wildlife Fund (hoje World Wide Fund for Nature ou, simplesmente WWF) e o primeiro presidente do World Wildlife Fund-UK (1961-1982). Em 1981, o príncipe foi eleito presidente mundial do WWF, cargo que manteve até 1996. Ainda, como se verá, ele nunca considerou esses cargos como simplesmente honoríficos, senão que ele os exerceu com presença ativa, muito empenho e importantes resultados, demonstrados por alguns bilhões de dólares insuflados para a proteção de ecossistemas e espécies ameaçadas no mundo todo.
Evidentemente o WWF não foi sua única atuação em assuntos ambientais. Mas, nesta ocasião, não se trata de passar revista a parte da sua vida dedicada à defesa da natureza e do ambiente. Quem deseja saber mais sobre isso pode consultar o livro “Down to Earth” (1981), que contém uma coletânea dos seus escritos e discursos até aquela data, não obstante o que ele fez nas seguintes décadas.
Sua filosofia com respeito ao entorno natural se resume nestas frases: “Se nós, como humanos, temos poder de vida e morte, não apenas vida e morte, mas extinção e sobrevivência, devemos exercê-lo com algum tipo de senso moral. Por que extinguir algo se não precisamos?” ou “Dependemos de fazer parte da teia da vida, dependemos de todas as outras coisas vivas neste planeta, tanto quanto dependem de nós”. Ele era um forte advogado da conservação com sensatez e pragmatismo.
Não era um ambientalista radical. Por exemplo, ele não era contra a caça, que praticou até que as pressões extremistas fizeram isso incompatível com as suas funções no WWF. Ele, com toda lógica, insistia em que o que se deve evitar a qualquer custo é o irremediável desaparecimento das espécies.
Viagens ao Brasil
O duque visitou algumas vezes o Brasil. De fato, em 1968 o fez acompanhando a rainha em viagem oficial. No entanto, quero me referir a uma visita privada, como presidente do WWF, realizada ao Brasil em 1992. O duque, na sua condição de líder do WWF, era também vice-presidente da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Maria Tereza Jorge Pádua, então presidente da Funatura, uma organização não governamental dedicada ao Cerrado, havia sido membro do Conselho da UICN e, portanto, duas vezes por ano ou mais, compartilhava reuniões com duque, que sempre as assistia pontualmente. Assim foi como o príncipe foi convidado a visitar o Santuário ecológico (reserva particular de patrimônio natural) Vagafogo (Pirenópolis), de propriedade da família Ayer, que recebeu apoio da Funatura mediante um financiamento britânico, aproveitando uma breve visita dele ao Brasil.
A visita se realizou em 9 de março de 1992. Ele, acompanhado do embaixador britânico, de Maria Tereza e do professor Cleber Alho, da Universidade Nacional de Brasília, percorreu o Parque Estadual da Serra dos Pireneus e logo depois o Santuário Vagafogo. Inútil é dizer que gostou muito de tudo o que viu, tendo sido essa a sua primeira experiência no Cerrado. Mas na noite anterior à visita, um trágico acidente de automóvel tirou a vida do então melhor amigo da Maria Tereza, o economista Luiz Toledo, que era também seu assistente no comando da Funatura. Terrivelmente comovida pelo fato e depois de uma noite horrível, ela foi uma péssima guia e ainda pior anfitriã para o duque. Possivelmente ele nunca foi tão mal recebido. Por isso, para o retorno da viagem, ela pediu as desculpas e solicitou que o professor Alho tomasse seu lugar ao lado do convidado.
Anos mais tarde, o WWF entregou seu maior prêmio – que leva o nome do duque –, a Marina Silva. Ele, por certo, o entregou pessoalmente numa emotiva cerimônia em que demonstrou seu conhecimento e sua preocupação pela realidade social e ambiental da Amazônia brasileira.
O WWF foi criado em 1961 para financiar as atividades da UICN criada no mesmo ano. O WWF, na concepção inicial, deveria ser o braço financeiro, ou o arrecadador de fundos, para a UICN, que realizaria os projetos e ações decididas. Como era de se esperar, isso não funcionou e muito rapidamente o WWF foi executando suas próprias ações e mesquinhando e dificultando mais, a cada ano, seu aporte ao orçamento da UICN. O WWF, uma entidade bastante autocrática, não comungava com a UICN, bem mais democrática e com forte representação dos países do terceiro mundo. Eu fui por muitos anos membro do Conselho da UICN e, claro, participava dessas intermináveis discussões institucionais. Mas, por coincidência, no mesmo período em que o WWF exigiu o posto de vice-presidente da UICN para melhor controlar o uso do dinheiro, eu fui eleito para a outra vice-presidência. De tal modo que não somente compartilhamos as reuniões do Conselho senão que ademais eu assistia a jantares e discussões fechadas, onde participavam apenas os dirigentes e os administradores. Na época, o presidente da UICN era o indiano M. S. Swaminatham, o diretor geral era nosso bem conhecido Kenton Miller e o diretor geral do WWF era o sul-africano Charles de Haes. Não havia química entre eles. O duque, nesse ambiente, era muito dominante e impositivo – especialmente porque ele era o homem do dinheiro – e o presidente da UICN, Swaminatham, cedia aos pedidos dele. É nesse contexto que o Miller confiava muito no meu inglês macarrônico para defender a causa da UICN. O que estava em jogo não só era parte importante do orçamento anual, também se discutia ali o futuro do local que ambas as instituições compartilham na Suíça, dentre outros muitos temas.
Não importa o desfecho dessas discussões. De fato, a relação entre o WWF e a UICN foi cada vez menos íntima. O que interessa nesta nota é dizer que o duque sempre se apresentou aos membros da UICN como simplesmente um a mais. Participava de tudo, dos almoços rápidos e das modestas reuniões sociais noturnas, com absoluta simplicidade, conversando com todos por igual. Ficava alojado nos mesmos hotéis que os demais, que nunca eram de grande luxo. Esfregava o pão com os dedos para desfrutar dos molhos da excelente culinária suíça-francesa; usava reunião após reunião o mesmo terno deformado pela mania de mergulhar a mão num dos bolsos do paletó e a sua comitiva se limitou sempre a um ajudante só. Era evidente, de outra parte, seu legítimo interesse no que fazia, aportando ideias construtivas, participando em todas as discussões e trabalhando seriamente. Ele, sendo quem era, aportava muito mais que personalidades bem menos famosas, embora muito mais pretensiosas, enquistadas naquele conselho.
Em outra ocasião, dentre outros convidados, tive a oportunidade de ver o duque atuando com habilidades diplomáticas inesperadas com grandes personalidades políticas, religiosas, financeiras e ambientais do mundo. Ao cumprir 25 anos de idade, em 1986, o WWF fez um evento memorável que assisti junto a três grandes ambientalistas brasileiros; o almirante Ibsen de Gusmão Câmara e os professores Paulo Nogueira-Neto e José Goldemberg. Na catedral de Assis foi realizada uma missa celebrada por líderes das cinco grandes religiões do mundo: budista, hinduísta, judaica, cristã e muçulmana, seguida de suas declarações, tendo como telão de fundo as suas visões sobre a relação do ser humano com a natureza. Foi notório outra vez o enfoque radicalmente diferente das religiões asiáticas e das do meio oriente e do ocidente com relação ao entorno natural. O duque, nosso anfitrião, usou da ocasião para marcar novos rumos para o WWF e, também, essa foi a ocasião em que o panda, o símbolo tradicional dessa instituição, mudou de aspecto, assinalando esses câmbios um tanto drásticos.
Esta nota apenas pretende que seu nome seja recordado também como um grande ambientalista. Ele aportou muito à gigantesca tarefa de preservar o patrimônio natural da humanidade e de aprimorar a qualidade de vida de todos. Não pelo fato de ter sido um personagem famoso por muitas outras razões, ele deve ser esquecido pelo que fez na área ambiental.
Referências
Dourojeanni, M. J. 1986. Reflexiones sobre el panda en Assis. In Si el Árbol de la Quina Hablara (1988). Pronaturaleza, Lima.
Holdgate, M. 1999. The Green Web. A Union for World Conservation. IUCN. Earthscan, London.
Philip, Duke of Edinburgh. 1989. Down to Earth. Stephen Greene Press., London.
Redação. 1992. Um príncipe nos Pireneus goianos. O Popular 20 de março de 1992.
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