Foi o fato de ser um jardineiro e plantador de árvores, antes de tudo o mais que me veio em cima nesses quarenta e três anos de ativismo ambiental com criar parques, defender baleias e o escambau, o que fez com que o querido Marcos Sá Corrêa, lá nos tempos da fundação d’O Eco, me convidasse a escrever neste mui lido (tanto quanto odiado em Brasília) portal. E eu até tentei, como escrevi na minha primeira coluna aqui, em 2004 . Mas a desgraceira ambiental do Brasil acabou me fazendo escrever sobre outros temas, e nunca retomei o assunto da jardinagem ecológica neste espaço. Faço-o, na verdade, instigado pela Editoria, depois de ter escrito um post no Facebook sobre plantar árvores com meu neto e a importância de reaproximarmos as crianças da Natureza. Para minha surpresa, esse post recebeu mais de 2000 curtidas e algumas centenas de compartilhamentos nos grupos de jardinagem e arborização dos quais participo, o que no fundo era a ideia do post mesmo – fazer as pessoas pensarem e compartilharem sobre a importância de envolver as crianças em atividades de plantio, recuperação e observação da Natureza.
A missão de transmitir aos mais novos uma visão abrangente do mundo natural e da imensa alegria de entendê-lo não é novidade para mim. Com as duas filhas de meu primeiro casamento, apesar da minhas ausências prolongadas e regulares enquanto tentava levar adiante o Projeto Baleia Franca , tentava sempre aproveitar nosso tempo juntos pra vermos o mundo, observar baleias, visitar parques, e sim, plantar árvores e admirar a fauna das cidades que a presença da arborização permite existir. E creio que a arte de uma delas deixa claro que fui bem-sucedido, com ambas, em criar essa visão, infelizmente tão restrita a poucos, sobre a maravilha do mundo natural que nos cerca mesmo em nossas cinzentas urbes, sobre o espetáculo da descoberta em cada brotação de planta ou em cada aranha papa-moscas no batente da janela de casa.
Eu sempre fui muito crítico do que se entende aqui em Banânia por “Educação Ambiental”. Peguei uma terrível alergia do termo e de seus “especialistas” ao testemunhar a imensidão de dinheiro, tempo, energia e oportunidade que se desperdiçam ao se gastar congressos inteiros em blábláblá e nhonhonhó sobre “referenciais teóricos”, tentar impor essas besteiras através de amontoados de leis inócuas, e buscar embuchar ideologias furadas e teses estrambólicas naquilo que deveria ser, simplesmente, fazer o mais importante: mostrar a Natureza para as crianças, interpretar as maravilhas naturais a partir do que temos próximo de todos nós mesmo nas cidades, e ajudar a construir a cidadania ambiental não com pataquadas pseudodidáticas, mas sim com o VER E SENTIR que todas as crianças trazem dentro de si antes de serem reprimidas e estragadas pelos medos e pela ignorância dos adultos que a cercam em relação ao mundo natural.
O sentido de urgência em transmitir a descoberta e o maravilhamento com a Natureza aos pequenos como forma de gerar adultos conscientes e atuantes na cidadania ambiental foi renovado em mim por duas ocorrências conexas. Uma, o advento do meu neto João Pedro, uma criança alegre e inteligente que desde muito cedo se interessou pelas conversas do Vovô Maluco sobre bichos, plantas, praias e parques, insetos próximos e países distantes, e que desde os quatro anos de idade planta árvores comigo, algo que o motiva muito, a ponto de termos feito um livrinho para registrar os seus plantios (do que falo mais naquele post que mencionei acima). Outra, instigado pela vontade de fazer melhor meu papel de subverter mais uma cabecinha fértil, foi ter lido neste verão o magistral A Última Criança na Natureza , de Richard Louv. Publicado ao redor do mundo e trazido ao Brasil com o apoio do Instituto Alana , uma ONG de promoção dos direitos da criança e de uma infância saudável, o livro aborda a necessidade urgente de reconectarmos as crianças com o mundo natural e de combater o Transtorno de Déficit de Natureza, que embora ainda não constante do rol de doenças “oficialmente reconhecidas”, é tristemente real para muitas crianças das cidades contemporâneas. O que, sim, está amplamente provado e reconhecido em estudos científicos realizados em várias partes do mundo, em sociedades muito distintas, como os realizados pelos pesquisadores da Universidade de Sonora no México, University College of London no Reino Unido, Sun Yat-sen University na China e dezenas de outros, é que a presença de Natureza na vida das crianças causa melhorias notáveis e mensuráveis em desempenho escolar, sociabilidade, sensação de felicidade e outros indicadores de uma vida melhor vivida e plena.
A receita de Louv, que lidera o movimento Children and Nature – Crianças e Natureza, é muito simples: precisamos voltar a conectar as crianças à Natureza em todas as suas expressões, a ensiná-las a brincar em áreas verdes, a fazê-las entender a maravilha que são os seres vivos ao nosso redor, a plantar árvores, fazer um jardim, enfiar as mãos na terra, deixar de temer o mundo natural e abraçá-lo, ao invés, com toda a intensidade que só uma criança em descoberta pode ter.
Como em tudo o mais que se refere à Educação, isso não é tarefa (só) da escola. É muito cômodo para os pais delegarem a Educação na Natureza (prefiro essa definição ao surrado e sequestrado Educação Ambiental dos teóricos ecochatos) à comunidade escolar. Esta tem, sim, um papel relevante, ao se poder utilizar sua estrutura e recursos para atividades de reconhecimento, interpretação e conexão com a Natureza (fazer uma horta, visitar parques e áreas rurais, plantar árvores em grupo); entretanto, como cidadania e civilidade não se aprendem primariamente na escola, mas sim no dia a dia da família, a construção de uma cidadania ambiental também depende do estímulo diário e precoce dos pais e outros familiares. Se os pais do João Pedro não fossem parceiros nessa caminhada de dar a ele uma cidadania planetária pela experiência de viver a Natureza, não haveria futuro para ele nisso só com o que ele recebe na vivência escolar, por melhor que seja a escola.
E sim, TODA vivência com a Natureza é válida. Caminhar numa trilha de um parque, plantar árvores, dar comida aos patos no lago, observar aves, ter um aquário e saber de onde vêm os peixes, hospedar girinos apanhados num córrego até virarem sapos e acompanhar sua metamorfose, plantar lantanas no jardim para ver borboletas, olhar inofensivas aranhas papa-moscas na janela sem um adulto ignorante que a esmague, destruindo com isso, como bem pontuava o saudoso José Lutzenberger, a curiosidade natural da criança e transformando o maravilhamento em medo.
O ato de plantar árvores, em especial, faz com que as crianças aprendam desde cedo que elas podem, sim, fazer a diferença, mudar o mundo a partir das atitudes individuais, melhorar a vida de todos na sua comunidade, não esperar por ninguém mais para fazer algo de útil pela natureza. Oferece uma oportunidade para que elas acompanhem um gesto grandioso de sua infância ao longo da vida, até crescerem cidadãos melhores que isso que estamos vendo por aí.
Quem desdenha do poder transformador de se plantar árvores é apenas um pobre tolo que teoriza sobre ativismo enquanto Roma arde.
É fundamental que todos os que nos preocupamos com a natureza brasileira e planetária nos dediquemos a resgatar as crianças sem-Natureza, sejam da favela ou dos condomínios abastados, e fazer algo para aproximá-las do mundo natural. Todas merecem isso, todas precisam muito disso, e não há desculpa alguma para que deixemos de fazê-lo. Negligenciar a vivência ambiental das crianças desde pequenas é condenar o mundo a mais uma geração inteira de devastação e descaso. E um planeta devastado é o que eu não quero legar nem a minhas filhas nem a meu neto, que segue ali feliz plantando suas árvores e fazendo sua parte, desde pequeno, para um mundo melhor.
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O post “Sobre árvores, um neto e o tal de “Educação Ambiental”: por mais crianças na Natureza” foi publicado em 28th March 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco