Na região metropolitana de João Pessoa, na Paraíba, há pequenos remanescentes da Mata Atlântica. O maior deles – e do estado – está protegido pelo Refúgio de Vida Silvestre Mata do Buraquinho, associado ao Jardim Botânico Benjamin Maranhão. São pouco mais de 510 hectares de proteção integral de floresta dentro da área urbana da capital. Apesar do tamanho, a Mata do Buraquinho é um coração verde praticamente isolado pelo concreto, que divide uma larga fronteira com a BR-230, a Rodovia Governador Antonio Mariz. Nesta mancha florestal, existem 113 espécies de aves, sendo seis delas consideradas ameaçadas de extinção e com área de ocorrência restrita, conforme destacou um estudo recente que fez o levantamento da avifauna dentro da área protegida.
Uma delas é o gavião-gato-do-nordeste (Leptodon forbesi), cuja ocorrência é restrita ao nordeste do Brasil. A espécie é considerada em perigo de extinção e é uma das aves de rapina mais ameaçadas do Brasil, principalmente devido a perda de habitat, já que possui uma “média” sensibilidade a distúrbios ambientais e habita ecossistemas florestais. Estima-se que restam não mais do que 2.500 indivíduos maduros, a maior parte deles restrita a uma única subpopulação.
Além do gavião, no levantamento constam outras cinco espécies que enfrentam diferentes graus de ameaça, conforme classificação do Ministério do Meio Ambiente (Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, Volume 3 – Aves ): o apuim-de-cauda-amarela (Touit surdus), o arapaçu-rajado-do-nordeste (Xiphorhynchus atlanticus), o bico-virado-miúdo (Xenops minutus alagoanus) e a maria-de-barriga-branca (Hemitriccus griseipectus naumburgae), classificadas com o status de Vulnerável; e o anambezinho (Iodopleura pipra leucopygia), considerado Em Perigo de Extinção, grau mais severo de ameaça.
A capacidade de voo não significa que a conectividade florestal seja menos importante para a sobrevivência de várias espécies de aves, como ressalta o ornitólogo Antônio Cláudio Conceição de Almeida, autor da pesquisa, publicada no final de janeiro na Revista Brasileira de Gestão Ambiental e Sustentabilidade .
“Se tem a ideia de que aves não têm problemas para transitar e se deslocarem por terem capacidade de voar. Muitas espécies são generalistas quanto ao habitat e assim o fazem, mas tantas outras são dependentes de florestas densas e não se deslocam por áreas abertas, possuem seus hábitos alimentares e reprodutivos ligados diretamente à fitofisionomia onde evoluíram ao longo das centenas e milhares de anos nesses corpos florestais; os quais podem ser de florestas densas e úmidas, como podem ser formações vegetais mais secas e abertas, a exemplo do Cerrado”, conta Antônio Cláudio.
No caso do Refúgio de Vida Silvestre (RVS) da Mata do Buraquinho , ele cita o exemplo da pequena maria-de-barriga-branca, espécie endêmica do Centro de Endemismo de Pernambuco – região biogeográfica única da Mata Atlântica distribuída entre os estados de Alagoas e Rio Grande do Norte – e classificada como vulnerável à extinção. “Ela é totalmente dependente da floresta e tem uma capacidade muito limitada de deslocar-se entre os remanescentes florestais e quase impossível entre os isolados”, explica.
A maria-de-barriga-branca não é a única. As outras cinco espécies ameaçadas que Antônio Cláudio identificou dentro da RVS Mata do Buraquinho também são dependentes de florestas e deslocam-se apenas por remanescentes florestais em estágio médio a avançado de regeneração. A exigência de cobertura florestal por essas espécies têm três principais motivos: o abrigo fornecido pelo dossel aos ninhos; a maior oferta de alimentos; e a alta diversidade de micro-habitats dentro do ambiente florestal.
Em seu artigo, o ornitólogo destaca ainda a situação do apuim-de-cauda-amarela, considerada uma ave rara e com alta sensibilidade a distúrbios ambientais. A espécie, endêmica da Mata Atlântica, ocorre em ecossistemas florestais do sudeste ao nordeste do Brasil, e está sendo estudada dentro do atual ciclo do Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação das Aves da Mata Atlântica . De acordo com Antônio Cláudio, ainda há poucos dados sobre a espécie e são necessárias informações mais precisas sobre seus locais de ocorrência, distribuição, hábitos alimentares e ecologia, até para investir em ações de conservação em cativeiro (ex situ), assim como na natureza (in situ).
“Esse periquito possui sua biologia pouco conhecida, é um habitante dependente de florestas bem conservadas com árvores altas e copas densas, onde encontram frutos e sítios para reprodução, tais como ocos e ou cupinzeiros. Ele apresenta movimentação sempre condicionada à circulação sobre e entre as copas das árvores, o que o torna um dos Psittacidae (família dos papagaios, periquitos e maracanãs) mais raros da Mata Atlântica, onde é endêmico e por depender desse bioma, que encontra-se bastante fragmentado no nordeste do Brasil, o torna um forte candidato a passar da categoria de Vulnerável a Em Perigo, considerando-se a subpopulação nordestina”, conta Antônio Cláudio.
Dentre as sugestões que detalha no seu artigo para fortalecer a conservação da RVS e seus habitantes, Antônio Cláudio aponta que o apuim-de-cauda-amarelo, com suas cores verde e amarela bem brasileiras, teria o carisma – assim como o estado de conservação alarmante – para ser uma espécie-bandeira da área protegida. A estratégia teria como objetivo ajudar a sensibilizar a sociedade para a causa da conservação, servir de referência para ações de educação ambiental e garantir recursos financeiros para a gestão da unidade de conservação.
Além disso, a espécie serviria de bandeira também para a causa da conectividade entre os fragmentos florestais, já que depende disso para sua sobrevivência, como reforça o ornitólogo. “No Refúgio de Vida Silvestre, a manutenção do apuim só será garantida com possibilidades de conectividade entre outros remanescentes florestais que garantam suprimento alimentar, sítios para reprodução e fluxo gênico, a fim de evitar a acentuada endogamia na população local; bem como a garantia da floresta em pé sem queimadas, desmatamento e cortes seletivos de árvores maduras, que são condições primordiais para a persistência desse periquito”, explica.
Sonho de corredor ecológico
Será que a área de 512,93 hectares do Refúgio de Vida Silvestre (RVS) Mata do Buraquinho, isolada pela malha urbana da cidade, carente de conexões com outros remanescentes florestais, “será suficientemente funcional, em médio e longo prazo, para a conservação das espécies endêmicas ameaçadas de extinção, num cenário de mudanças climáticas e crise ambiental?”, questiona o ornitólogo em seu artigo. Para a comunidade de aves, ele acredita que não.
Em João Pessoa existem outras três unidades de conservação: a Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo , com 114 hectares, distribuída na fronteira com o município vizinho de Cabedelo, ao norte do RVS; o Parque Natural Municipal do Cuiá, com 43 hectares, ao sul; e o Parque Estadual das Trilhas, criado em 2017 e que integra o território de outros três parques predecessores, num total de 578 hectares protegidos, no litoral sul da capital.
Por enquanto, o corredor ecológico entre o Refúgio e os outros fragmentos florestais do município é apenas um sonho. A área protegida é cercada por sete bairros da zona urbana de João Pessoa. O único vislumbre mais imediato de conexão é o rio Jaguaribe, que corta a RVS, e conta com um pequeno corredor verde em suas margens.
De acordo com Antônio Cláudio, que atua como Chefe da Divisão de Estudos e Projetos Ambientais na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de João Pessoa, por enquanto existem apenas projetos pontuais de reordenamento urbano; e ações de desocupação de zonas dentro de Área de Preservação Permanente (APP) , como as margens do Jaguaribe, e de recuperação ambiental de áreas degradadas, realizadas pelo governo municipal.
“Porém carecemos de uma política pública integrada de conservação de biodiversidade entre as diferentes esferas de governança local, que garanta a implantação de corredores ecológicos entre os fragmentos florestais ao longo da bacia do Rio Jaguaribe e conexões entre outras bacias hidrográficas da cidade”, aponta o pesquisador. A solução depende ainda da criação e manutenção de unidades de conservação que assegurem a proteção dos remanescentes de Mata Atlântica.
Para implementar corredores que garantam um mínimo de conectividade entre a RVS e outras áreas florestais, Antônio Cláudio acredita que é necessária “uma revisão profunda no processo de ocupação e expansão urbana da cidade de João Pessoa, que contemple a conservação da biodiversidade, por meio de um novo plano diretor e dispositivos legais que condicionem a manutenção de percentuais de áreas mínimas verdes nos médios e grandes lotes da malha urbana, particularmente àqueles que possuem corpos hídricos protegidos por mata ciliares e áreas potenciais para recuperação ambiental. Ou seja, a decisão também é política ou não poderá ser diferente nesse contexto entre desenvolvimento humano e conservação ambiental”.
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O post “Estudo sobre avifauna em área protegida em João Pessoa alerta para fragmentação” foi publicado em 25th February 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco