Durante uma atuação de rotina de fiscalização e controle no âmbito da APA de Guapi-Mirim e da Estação Ecológica (ESEC) da Guanabara – unidades de conservação federais localizadas na Baía de Guanabara, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, agentes do ICMBio localizaram, em 16 de dezembro passado, um conjunto de resíduos de eletroeletrônicos descartados irregularmente às margens da BR 493, no município de Magé/RJ. Estimaram em cerca de 60 peças de computadores e televisores antigos, com tubos e carcaças. Trata-se, provavelmente, de uma conduta ainda muito comum de empresas de assistência técnica, que descartam os equipamentos que não possuem mais serventia, a fim de esvaziar seus estabelecimentos.
O descarte irregular de resíduos ocorre com esses tipos de aparelhos, mas também com pneus, resíduos de construção civil e, eventualmente, até mesmo de produtos perigosos que, expostos na natureza, podem afetar o meio ambiente com a diluição de metais pesados e outros componentes que prejudicam o solo, o subsolo, os lençóis freáticos, os corpos hídricos e, consequentemente, a fauna, a flora e a saúde humana.
Esses descartes irregulares ocorrem geralmente em função dos custos da destinação adequada, que envolve o devido armazenamento, o transporte e o processamento desses materiais, exatamente para que não sejam despejados livremente no meio ambiente. Até alguns anos atrás essa era uma questão de alta complexidade para ser resolvida, tendo em vista que a ação conhecidamente ilegal é realizada em horários nos quais os infratores têm a convicção de que o controle e a fiscalização são menos eficientes. Nesse sentido, os órgãos públicos responsáveis pelo controle ambiental, pela limpeza urbana e pela manutenção de vias só tomam conhecimento dos fatos após sua ocorrência.
A socialização dos prejuízos e a Logística Reversa
As indústrias em todo o mundo despejam no mercado uma infinidade de produtos dispostos para o deleite e consumo humanos. Muitos desses produtos possuem curtos ciclos de vida, seguindo uma lógica de lucros bem sucedida da chamada obsolescência programada – que ordena a duração de um produto a fim de assegurar uma permanente renovação das relações consumeristas com a constante “necessidade” de consumir produtos e tecnologias mais atualizadas.
Entretanto, a alta quantidade de resíduos gerados por essa produção ficava fora das planilhas das indústrias, eis que era considerada uma externalidade dos processos produtivos. Com isso, os lucros da produção eram privados, enquanto que os prejuízos eram socializados. Isto é, os ganhos da produção ficavam exclusivamente com os detentores dos meios, enquanto que as consequências negativas dos resíduos lançados na natureza e os custos operacionais do seu recolhimento e da destinação final adequada ficavam nas mãos do poder público. Ou seja, perpetuava-se uma relação que privatiza os lucros e socializa os prejuízos.
A gestão de resíduos é uma ação constante e permanente, que visa manter as condições de asseio das cidades e o equilíbrio ecológico do meio ambiente natural ou construído. Cada tipo de resíduo tem uma destinação específica que envolve reuso, reciclagem, reaproveitamento, reprocessamento, incineração, dentre outras medidas voltadas a prolongar ou finalizar o ciclo de vida de um produto, para que ele não seja indevidamente descartado na natureza.
Essa gestão tem um custo expressivo, pois inclui transporte, armazenamento, separação e destinação. E a indústria, por muito tempo, conseguiu ficar livre dessa obrigação, acumulando lucros e proporcionando prejuízos socioambientais e econômicos para toda a sociedade. Com vistas a promover um novo arranjo institucional relacionado aos resíduos sólidos no Brasil e apontar soluções para o drama da má gestão desses resíduos, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 12.305/10 – que dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos e que, dentre outros mecanismos e ferramentas, instituiu a chamada Logística Reversa. Em seu art. 3º, XII, ela estabelece que Logística reversa é o “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.
A partir da vigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes ficaram obrigados com o recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso, assim como sua subsequente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objeto de sistema de logística reversa.
A PNRS impõe, ainda, aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e, produtos eletroeletrônicos e seus componentes, que tenham seus sistemas de logística reversa.
Com isso, o Brasil começou a determinar novos procedimentos para minimizar os efeitos negativos de um descarte descontrolado de resíduos país afora. Mas a lei não é a panaceia dos problemas brasileiros, portanto há ainda uma distância entre a sua vigência e seus efeitos concretos na dura realidade dos descartes inadequados de resíduos sólidos.
Indústria começa a assumir o ônus de seus resíduos
A localização dos televisores e computadores descartados na BR 493 caminhava para o desfecho comum para esse tipo de situação, que é a mobilização de órgãos ou entidades públicas para a coleta e destinação adequada. Ocorre que se trata de resíduos da indústria e do comércio de eletroeletrônicos, o que se enquadra na obrigação legal da logística reversa. Foi, então, quando o chefe da APA de Guapi-Mirim, Klinton Senra, resolveu apostar na solução estabelecida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS): “De início, procuramos a Secretaria de Meio Ambiente de Magé para partilhar uma solução para o recolhimento e a destinação. Eventualmente também buscamos apoio do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que é o responsável pela rodovia. Porém, dessa vez procuramos a Samsung, a fim de que ela acionasse seu sistema de logística reversa”, declarou.
A iniciativa foi exitosa. Apesar dos aparelhos serem de diversas fabricantes, dentre elas a Samsung, a empresa assumiu a demanda e providenciou a coleta. O procedimento envolve não apenas a coleta, mas a abertura de uma investigação para a identificação dos responsáveis pelo descarte, a partir do mapeamento da origem de cada aparelho.
A ação de recolhimento dos equipamentos foi acompanhada pela Secretaria de Meio Ambiente de Magé e executada pela empresa GM & C Soluções em Logística Reversa e Reciclagem, de São José dos Campos/SP, conveniada à Samsung. Segundo a responsável pelo processo de logística reversa da Samsung, Priscila Susana Beck, a investigação apontou que os equipamentos estavam sem os números de série – o que impediu a identificação dos autores do descarte.
Desde a entrada em vigor da Lei da PNRS, diversos Acordos Setoriais foram estabelecidos, dentre eles o de Eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes, assinado em 31 de outubro de 2019. Na Lista dos 400 Municípios-Alvo do Sistema de Logística Reversa, Magé aparece em 117° lugar. No entanto, por força de um descarte indevido, provavelmente o Município se torna um dos pioneiros na aplicação desse mecanismo.
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O post “A Logística Reversa quando funciona: o caso Samsung na ESEC Guanabara” foi publicado em 14th February 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco