O Sistema Cantareira, principal rede de abastecimento da Grande São Paulo, está com um índice de armazenamento de água em 35,6% —o menor volume registrado no período desde dezembro 2013, mês que antecedeu a crise hídrica.
Imagem Ilustrativa
Índices abaixo dos 40% acionam estado de alerta segundo a ANA (Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico).
O sistema está assim desde outubro. A causa? Tem chovido menos do que a média histórica na região durante todo o ano. Para um geólogo ouvido pelo UOL, não há perigo imediato de desabastecimento, mas é preciso economizar e focar no problema estrutural: o principal culpado da baixa umidade e o crescente desmatamento na Amazônia.
Segundo dados da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), só em três dos 12 meses de 2020 choveu mais do que a média histórica e, em dezembro, a quantidade está próxima. A maioria deles teve situação crítica. Em abril, início da estiagem, choveu apenas 2,2 mm dos 86,6 mm esperados para o período.
“Não tem chovido o suficiente, e de onde vem a chuva que abastece a região? Da Amazônia. Não só o Cantareira está com esse déficit, como outros reservatórios importantes no país. Não é uma questão esporádica”, afirma o geólogo Pedro Côrtes, professor da USP (Universidade de São Paulo).
Essa relação de causa e efeito é apontada no relatório “O futuro climático da Amazônia”, publicado em 2014 pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Segundo o texto, o desmatamento na região altera os padrões de pressão em todo o interior do Brasil e pode causar o declínio dos ventos carregados de umidade que vem do oceano para o continente. Sem a floresta, a chuva na região poderia cessar por completo.
Isso se dá porque a floresta funciona como uma bomba d’água que “puxa” a umidade dos oceanos. Cada árvore amazônica de grande porte pode evaporar mais de mil litros de água por dia —o que leva, ao todo, a cerca de 20 bilhões de toneladas de água por dia (20 trilhões de litros).
“Você tira árvores de raízes longas e troca por capim, de raízes curtas, que não tem a capacidade de drenagem para atingir os aquíferos profundos da região [amazônica]”, explica Côrtes. “Isso reduz a umidade da atmosfera e os ventos continuam soprando [para o sul], mas cada vez mais secos.”
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Desmatamento
Em um estudo publicado na revista “Nature” em 1989, pesquisadores britânicos fizeram esta simulação e trocavam a mata nativa da Amazônia por pastagem. “A resposta simulada do clima local foi dominada por um ciclo hidrológico enfraquecido, com menos precipitações e evaporações e um aumento na temperatura da superfície”, diz o texto.
Outro alerta foi dado em 2006, em um estudo do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) sobre o desmatamento na região. “As cidades principais do Brasil já estão no limite de abastecimento de água, e qualquer redução significativa de transporte de vapor de água da Amazônia teria sérias consequências sociais”, diz o texto do biólogo Philip Fearnside.
Isso impacta em especial o interior do Brasil, regiões de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, entre outras, que não recebem as frentes frias vindas do Oceano Atlântico por causa das serras.
“Neste ano, teve a seca sem precedentes no Pantanal. De onde vem a água do Pantanal? Da Amazônia”, aponta Côrtes. “No Sul, não conseguem perceber tanto este efeito porque as principais fontes de abastecimento de água vêm das frentes frias do sul do continente.”
Desmatamento bate recordes em 2020
De acordo com o Inpe, 2020 tornou-se o ano com maior taxa de desmatamento na Amazônia Legal desde 2008, com a derrubada de mais de 11,1 mil km² de área verde entre agosto de 2019 e julho deste ano – um aumento de 9,5% em relação ao mesmo período anterior.
Na série histórica, o acompanhamento via satélite mostra que o desmatamento passou a cair em 2004, quando desceu de 27,8 mil km² para 19 mil km² no ano. A partir de 2019, no governo Jair Bolsonaro (sem partido), voltou a passar dos 10 mil km².
O ritmo só aumenta. Mês passado foi o novembro com maior desmatamento nos últimos dez anos na região, com a derrubada de 484 km² de área verde, aumento de 23% em comparação com o ano passado, segundo o SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), do Imazon.
“Esse modelo de desmatamento na Amazônia está completando 50 anos, começou na década de 70, com a [rodovia] Transamazônica, e já não há mais justificativa para sua manutenção. Há trabalhos científicos do final dos anos 1980 que já alertavam que poderia gerar impactos ambientais, inclusive com redução do volume de chuvas. Hoje, estamos colhendo as consequências.”
Situação é preocupante, mas risco não é imediato
O Sistema Cantareira abastece aproximadamente 46% da população da Região Metropolitana de São Paulo (cerca de 9,8 milhões de pessoas), segundo a ANA. Ele atende as zonas norte e central e parte das zonas leste e oeste da capital e mais dez cidades da Grande São Paulo.
Côrtes afirma que a situação é “preocupante”, mas o risco de desabastecimento não é imediato. Neste mês, com a retomada das chuvas, o sistema vem aumentando a capacidade desde o dia 6 de dezembro, quando chegou a 31,3%. Abaixo dos 30%, já é considerada reserva técnica.
“Uma nova crise hídrica vai depender do comportamento do clima a partir do outono [de 2021]. Agora é esperado que chova mais, como tem chovido, mas não vai ser suficiente para reverter essa situação para que chegue a níveis confortáveis”, afirma o geólogo.
Ao UOL, a Sabesp informou que o Cantareira hoje faz parte de um sistema integrado com seis reservatórios que abastece a região metropolitana, com ligações que não existiam na crise hídrica de 2014. Até terça (29), o sistema operava com 46,2% de sua capacidade total.
Fonte: UOL.
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O post “Como o desmatamento na Amazônia levou Cantareira/SP a nível de pré-crise hídrica” foi publicado em 4th January 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte