Autores: Larissa Brussa Reis (@laribrussa), Mateus Falco (@mateuslfalco)
Revisores: Fernando Kokubun (@fernandokokubun), Isaac Schrarstzhaupt (@Schrarstzhaupt ), Mellanie F. Dutra (@mellziland) e Thomaz Arruda (@tarrudaw)
Introdução
As fake news sobre a COVID-19 não param e ficam cada vez mais “sofisticadas”! Dessa vez, trouxemos informações publicadas na rede social Twitter, que foram apresentadas de uma maneira um pouco diferente da habitual. As informações falsas dessa vez foram divulgadas em forma de “checagem de fake news”, utilizando um apanhado de dados científicos distorcidos ou apresentados pela metade, numa tentativa de se parecer com dados verídicos. Apesar do alerta de que o texto traz uma pesquisa aprofundada para divulgar a suposta verdade, percebe-se logo de cara se tratar de uma junção de fatos esparsos com intuito de levantar temas como se fosse uma pesquisa idônea, porém o conteúdo é totalmente inverídico. Como agravante, a suposta verificação do conteúdo pela notícia falsa demonstrou habilidade em relacionar fatos científicos com uma boa dose de imaginação além dos limites racionais. O enfrentamento desse novo tipo de fake news estabelece um parâmetro de entendimento básico de conceitos, que está contido ao longo do nosso texto, para facilitar a análise de como as técnicas em biologia molecular, telecomunicação e criptomoedas funcionam realmente e verificar o que de fato é verdadeiro ou não.
O mais intrigante é que essa notícia inventada tem a função primordial de alarmar a população contra a vacinação. Esse tipo de informação é extremamente danosa, principalmente nos dias de hoje, em que passamos por uma situação de crise de saúde pública mundial e propagar esse tipo de informação falsa pode gerar um prejuízo contra a saúde de todos. Como equipe científica e divulgadores de informações corretas e éticas, nós prezamos pela qualidade da fonte do conteúdo apresentado, e lembramos que a responsabilidade civil é o princípio norteador para toda e qualquer divulgação pública. Ainda, é preciso informar que esta checagem de fake news divulgada aqui pela Rede Análise COVID-19 é totalmente apartidária, não sendo mencionado em nenhum texto informações sobre políticos ou candidatos, a não ser em caso de fake news comprovada. Acreditamos ser irresponsável a defesa de uma bandeira/ideologia juntamente com a checagem de fatos científicos.
Aqui, não fazemos distinção de nomes ou cargos, e nem defendemos quem propaga desinformações. Defendemos a liberdade de expressão de forma responsável e divulgamos o conteúdo que deve ser de conhecimento de toda a sociedade, feito de uma forma clara e objetiva, sem criar uma narrativa de ficção. Nosso objetivo é abastecer o leitor com o máximo de informações verdadeiras possível. Aproveite e acompanhe as explicações!
Quem é a Dra. Christiane Northrup?
A médica Dra. Christiane Northrup é muito conhecida nos Estados Unidos por ter participado do programa “The Oprah Winfrey Show”, ela é autora de livros e cursos direcionados ao público feminino. A falsa notícia foi baseada em uma entrevista na qual a Dra. Northrup comenta sobre a possibilidade da vacina para COVID-19 ser usada como forma de controle social, por meio da inoculação de uma molécula de RNA modificado, além de metais na vacina que supostamente seriam usados como “antenas” que captam as atividades corporais humanas.
Em seu site estão descritas algumas qualidades da autora, que se diz uma autoridade, além de pioneira no campo da saúde e bem-estar feminino. Como mencionado anteriormente, a Dra. Northrup tem uma relação profissional com a apresentadora e psicóloga Oprah Winfrey (Figura 1) devido ao longo tempo que dividiram o programa de auditório. É interessante observar que a Oprah Winfrey também é conhecida por apoiar o ex-presidente americano Barack Obama. A apresentadora tem um forte engajamento na luta pelos direitos das mulheres e dos negros , principalmente por ter sofrido racismo e ter sido forçada a abortar um bebê na adolescência. Aqui no Brasil, as ideias de luta pelos direitos humanos de Oprah Winfrey seriam consideradas como ideologias de “esquerda”. É interessante citar que logo no início da narrativa, os autores afirmam que os dados expostos foram “profundamente estudados para esclarecimento da VERDADE real, e desmontar a distorção da narrativa das checadoras de esquerda” (trecho retirado da notícia falsa). Logo nessa primeira frase do texto fica claro que a pesquisa não foi tão aprofundada, pois criticam os “checadores de esquerda”, mas não foram capazes de checar realmente os fatos que narram, nem de buscar quem são os apoiadores da sua principal fonte, a Dra. Northrup. É no mínimo curioso, não?
Em seu site, a Dra. Northrup divulga um curso (Figura 2) chamado “Evite Vampiros de Energia” (tradução livre). Em um primeiro momento parece que o curso trata de assuntos fictícios como uma caça aos vampiros, porém o conteúdo promete abordar como evitar relacionamentos que drenam nossa energia a fim de obter uma melhoria na qualidade de vida das pessoas. Se pensarmos em termos de criação de notícias falsas e checagem irregular, o curso da Dra. Northrup seria a melhor forma para aprender a evitar divulgadores de conspiração que drenam nossas energias. Outra vez, os checadores pecaram por falta de cuidado na pesquisa, usaram como fonte um discurso que ensina a evitar criadores de situações estressantes e que drenam a esperança em um momento de crises.
Achamos importante salientar que o profissionalismo da Dra. Northrup não está sendo questionado aqui. Seu trabalho lutando pelo bem-estar feminino e seu engajamento para dar voz a um grupo oprimido por pensamento arcaico, durante 25 anos, é exemplar nesse quesito. Em tempo, os seus estudos sobre a união de corpo e mente, são considerados como medicina alternativa e não estão sendo analisados nesse texto. O que queremos expor aqui é a forma como o texto da notícia falsa expõe que a opinião dela sobre vacinas subjuga estudos científicos. Essa situação é um contrassenso, pois na pirâmide de força das evidências científicas a opinião de um especialista é o mais baixo nível de conclusão científica. Estudos reprodutíveis têm resultados e conclusões mais adequadas do que a palavra de um especialista. Ademais, na checagem falsa os autores afirmam que a Dra. Northrup é gabaritada e utilizam seu pensamento como guia para criar a falsa checagem. Porém, a Dra. Northrup emite sua opinião sem nem mesmo realizar um experimento para demonstrar seu ponto de vista, e também não cita artigos que pudessem corroborar seu pensamento ou demonstrar a veracidade dos fatos afirmados. Os autores da publicação buscaram fontes para tentar embasar sua opinião, mas existem falhas que serão demonstradas a seguir.
Tecnologia 5G
O argumento mais fantasioso em toda a checagem da notícia falsa parece ser sobre a tecnologia 5G. Antes de desmistificar a ficção criada na notícia, citamos uma breve explicação do que é a tecnologia 5G. Essa tecnologia nada mais é do que uma ampliação de faixa de frequência em telecomunicação. A Agência Brasil explica em um texto acessível, publicado em 30/03/2020, que essa tecnologia é capaz de aumentar a velocidade de conexões e o número de dispositivos conectados por quilômetro quadrado, chegando a 1 milhão. Quanto à velocidade medida em bit, é possível fazer uma comparação entre as gerações 1G, 4G e 5G. A velocidade para baixar informações na 1G era de 2 kilobit/s, o surgimento da tecnologia 4G elevou a velocidade de tráfego para 1 Gigabit/s, ou seja, aumento em mais de 1 milhão de vezes. A nova tecnologia 5G elevou a velocidade para baixar informações em 100 vezes o valor da 4G, chegando a 100 Gigabits/s. Mas, na prática, o que isso significa? Imagine que você quer acessar um filme de 2 horas via streaming (Figura 3) e precisa baixar o filme para assistir em outro momento. O tempo de transferência na tecnologia 4G é de 10 minutos, na 5G é de apenas 3 segundos, uma diminuição de 200 vezes no tempo.
Como essa tecnologia 5G se relaciona com a vacinação? Na vida real, de jeito nenhum! O 5G é simplesmente mais uma de várias frequências para comunicação sem fio, essa medida em Hertz, diferente da velocidade medida em bits. Estas frequências estão bem presentes em nosso cotidiano, como nos mouses e teclados sem fio (2.4 GHz), em qualquer aparelho bluetooth (fones de ouvido, por exemplo), e até mesmo no nosso velho e bom rádio FM. Um equipamento muito presente em nosso cotidiano que pode variar na frequência de utilização são os modems Wi-Fi que possuem a tecnologia dual-band, ou seja, apresentam duas bandas de frequência de escolha: 2,4 GHz ou 5GHz. Na Figura 4 é possível notar a variação de frequências dos equipamentos, inclusive é possível definir qual faixa apresenta maior risco para saúde devido a radiação ionizante, que seria uma preocupação verdadeira em relação a essas tecnologias. Porém, a tecnologia 5G está abaixo das frequências ionizantes.
Essa discussão sobre os malefícios da tecnologia 5G, ou até mesmo as fantasias mirabolantes expostas por essa notícia falsa, podem ter relação com disputas políticas para a abertura de licitação e implantação dessa tecnologia no Brasil. Atualmente está ocorrendo uma disputa para determinar qual será a empresa que irá disponibilizar equipamentos para que possamos utilizar essa nova frequência de telecomunicação. De um lado estão empresas como Ericsson, Nokia e Samsung e de outro a chinesa Huawei. Deixando as disputas políticas de lado, o fato verídico é que essa tecnologia já é utilizada em outros equipamentos e mesmo assim não somos controlados por eles, a não ser por vivermos inseridos na vida virtual constantemente. Outro ponto a ser exposto é que cartões de crédito e smartphones já possuem tecnologia suficiente para localizar o usuário, e mesmo assim esse é um tópico que não foi mencionado na notícia falsa.
Vacina de RNA
Na notícia falsa, os autores alegam que a médica fala da vacina de RNA mensageiro para a COVID-19, argumentando sobre uma “infecção transmissível”, além de uma possível “integração do RNA da vacina como o material genético” em quem receber a vacina. Com relação à informação falsa de capacidade de integração do RNA mensageiro (RNAm) ao nosso material genético (nossa sequência de DNA), existe um conceito muito bem estabelecido pela biologia que é o Dogma Central da Biologia Molecular (Figura 4), ministrado nas aulas de biologia para o ensino médio. Esse conceito resume como a informação contida em nosso DNA é codificada em uma molécula de RNA e posteriormente em uma proteína. O fluxo dessa informação é num sentido ÚNICO, ou seja, do DNA para RNA e depois proteína, jamais ocorrendo de maneira inversa.
Para explicar um pouco melhor: tudo começa no núcleo da célula, onde está o DNA. O DNA contém todas as instruções para a formação das proteínas necessárias ao funcionamento dos organismos. Trata-se de uma estrutura tridimensional formada por centenas de milhares de nucleotídeos (“os blocos de construção” do material genético) em sequência, extensa em comprimento e altamente compactada (imagine um arquivo ZIP) com a ajuda de proteínas acessórias que auxiliam para que essa sequência caiba dentro do núcleo da célula e fique protegida lá. Quando o organismo precisa de alguma proteína, ocorre a etapa chamada de transcrição. Nesse momento, a estrutura de DNA (que tem informações sobre como construir todas as proteínas e moléculas do corpo, entre outras informações) se abre em uma região específica e esse pedaço (com a informação de uma proteína específica) é utilizado para sintetizar uma molécula de RNA mensageiro, uma espécie de receita obtida pelas instruções determinadas no DNA. Esse RNA mensageiro, como o próprio nome diz, sai do núcleo da célula em direção ao citoplasma para levar essa “mensagem”, ou seja, carregando as instruções necessárias para a formação (síntese) de alguma proteína. Esse sistema altamente funcional, é resultado de muitos anos de evolução das espécies e permite que a estrutura mais importante de todas, o DNA, se mantenha protegido dentro do núcleo das células. A saída da mensagem do DNA para fora do núcleo através da molécula de RNAm é necessária pois é no citoplasma que existem os ribossomos, estruturas responsáveis pela leitura das instruções contidas no RNAm para a fabricação das proteínas.
Após essa breve explicação, fica evidente que o fluxo da informação é sempre à partir do DNA para RNA mensageiro e depois para a proteína. As vacinas de RNA mensageiro fazem um tipo de “atalho” nesse processo, retirando a necessidade de ter a informação contida no DNA da célula. Como nosso DNA não tem informação para produzir as espículas encontradas no “topo” do novo coronavírus, utilizadas pelo vírus para sua entrada na célula (chamadas de proteína Spike ou espícula, em português), a aplicação do RNA mensageiro pela vacina é uma estratégia muito promissora. Esse RNAm carrega as instruções necessárias para a produção dessas espículas, garantindo a produção desses pedaços do vírus, que são reconhecidos pelas nossas células de defesa e ativam nosso Sistema Imune. É criada então uma resposta de defesa, uma espécie de “treinamento” das estruturas envolvidas, que se manifesta quando de fato entramos em contato com o novo coronavírus. O racional por trás das vacinas de RNAm é uma estratégia relativamente simples, mas com uma aplicabilidade imensa e uma resposta extremamente eficaz, que já podemos conferir na divulgação dos dados preliminares das vacinas da Pfizer e Moderna. A notícia mais esperançosa é que a vacina da Pfizer/BioNTech já teve início (08/12/2020), o plano de vacinação em massa começou com a administração da 1º dose na simpática senhora Margaret Keenan de 90 anos. Ela disse estar muito feliz por ser a primeira a receber a vacina e sente como se fosse um presente de aniversário adiantado, completa ainda “finalmente passar um tempo com minha família e amigos no Ano Novo, depois de estar sozinha na maior parte do ano”, um excelente exemplo de dedicação nos cuidados com distanciamento e a recompensa merecida. Falta pouco, conseguimos esperar!
Você encontra informações sobre essas e outras vacinas para COVID-19 em fase final de testes neste texto publicado pela Rede aqui . Outro detalhe que precisa ser mencionado é em relação à instabilidade das moléculas de RNAm. Por ser uma molécula de fita simples (ao contrário do DNA que é uma fita dupla, estável a longos períodos em temperatura ambiente), o RNAm é uma molécula muito instável quimicamente, tanto dentro quanto fora do organismo. Na célula, em condições normais, o RNAm é rapidamente degradado após sua utilização como mensageiro da informação do DNA, não se acumulando na célula. Fora do organismo, essa molécula deve ser armazenada em um ambiente extremamente frio (a -70 °C) para não perder suas propriedades. Essa característica é o principal motivo que dificulta o uso dessa molécula de forma rotineira, pois é preciso um ultrafreezer que consiga manter a temperatura adequada e esses geralmente só são encontrados em laboratórios de pesquisa, pois são maquinários caros e que exigem manutenção constante. Além do fato que o RNA não se integra no DNA humano, como explicado no Dogma Central.
Metais nas Vacinas
Outro argumento usado na notícia falsa é a detecção de metais nas vacinas. A publicação cita um único artigo científico passível de análise, que relata investigação de controle de qualidade em vacinas. O artigo em questão demonstra a presença de estruturas inorgânicas (cristais) em escala micro e nanométrica em algumas das vacinas analisadas, as quais podem causar uma resposta do sistema imune. Ou seja, a pesquisa dos autores está restrita a uma análise das propriedades físicas das partículas e como elas podem influenciar na toxicidade. Quanto aos efeitos dos metais presentes nestas vacinas, o método utilizado pelos autores não faz uma análise quantitativa dos elementos presentes nas amostras, em outras palavras, não é possível determinar se estão em um nível acima do permitido pela legislação, nem mesmo apresenta a forma química na qual eles estão presentes (relevante para determinar a toxicidade). O método em questão apesar de ser relevante para a determinação desses agregados inorgânicos, apresenta algumas limitações quanto à composição elementar da amostra devido a presença de ruído e da sobreposição de sinais de diferentes elementos.
Além disso, dentre os elementos analisados apenas chumbo e cromo poderiam causar algum tipo de preocupação maior, mesmo que este último seja autorizado a ser vendido como suplemento alimentar (na forma de picolinato de cromo). Já os demais elementos que são analisados pelo artigo são constituídos essencialmente por aqueles que estão naturalmente presentes no nosso organismo, além daqueles que não causam nenhum malefício (inertes quimicamente), como é o caso do alumínio, titânio, ouro e platina.
É importante ressaltar que os autores do estudo deixam claro que “essa contaminação não é intencional, uma vez que provavelmente se deve a componentes poluídos ou procedimentos de processos industriais (por exemplo, filtrações) utilizados para produzir vacinas, não investigados e não detectados pelos produtores” (trecho extraído do artigo). Outras fontes citadas pela notícia falsa não puderam ser acessadas, pois não foram encontradas como o caso dessa ou tinham acesso restrito a pagamento, como no caso dessa . Além dessas, essa fonte aqui foi citada pelos autores da notícia falsa como sendo uma contaminação relacionada à vacinas, quando na verdade relata uma intoxicação letal por contaminação alimentar.
Precisamos explicar que, de fato, algumas vacinas apresentam como conservantes metais pesados, como o mercúrio em sua composição. Esse metal está presente em vacinas multidoses desde 1930. Mas hoje, o principal conservante utilizado nas vacinas é o timerosal que possui cerca de 50% de etilmercúrio em sua composição, este componente apresenta menor toxicidade do que o metilmercúrio que é encontrado naturalmente em alguns peixes. A função desse conservante é evitar com que as vacinas que ficam armazenadas em refrigeração sejam contaminadas por fungos ou bactérias.
Um ponto importante a ser relatado é que uma dose de vacina de 0,05 mL tem uma concentração de 0,25 µg de mercúrio e essa é uma concentração muito baixa para causar toxicidade. Em comparação com a concentração de metilmercúrio, componente que apresenta maior toxicidade em humanos, o etilmercúrio das vacinas é menos tóxico. Para a segurança dos consumidores brasileiros a Anvisa emitiu a portaria n.º 685/98 que estabelece o risco de contaminantes em alimentos. No anexo , a portaria delimita a concentração de mercúrio em peixes não predadores em 0,5 mg de mercúrio/kg de peixe, e para peixes piscívoros (predadores de outros peixes) é de 1,0 mg de mercúrio/kg de peixe. Se fizermos uma comparação entre uma dose de vacina e 1 kg de peixe piscívoro, o resultado é 4000 vezes mais mercúrio no quilo do peixe do que em relação a uma dose de vacina, ressaltando ainda que o mercúrio encontrado em peixes é mais tóxico do que o das vacinas. Provavelmente, o consumo de peixe na alimentação pode passar de 1 kg por pessoa, e as vacinas são poucas doses durante toda a vida.
Os exemplos de vacinas que contêm o componente e são disponibilizadas no Brasil são BCG (tuberculose), DTP (difteria, tétano e coqueluche), hepatite B e influenza (gripe). As 3 primeiras são aplicadas antes dos 5 anos, evidenciando a baixa dosagem do composto administrado. Essas vacinas apresentam reações comuns como inflamação local devido ao adjuvante hidróxido de alumínio, responsável por estimular a resposta do Sistema Imune e a migração de células de defesa para o local da lesão, além de dispensar doses elevadas do antígeno ou aplicações frequentes da vacina. Dessa forma, o conteúdo administrado pela vacina ativa o sistema imunológico gerando a resposta esperada na imunização do vacinado. O manual de vigilância de efeitos adversos pós-vacinação apresenta as manifestações locais e sistêmicas, na primeira o exemplo é a lesão local, enquanto na segunda podem ocorrer reações como febre, sonolência, anorexia e náusea. Alguns efeitos colaterais como neurológicos graves, como convulsões e encefalopatia crônica não estão relacionados causalmente com a aplicação da vacina, podendo ter ocorrido por fenômeno coincidente.
Quanto a existência desse metal em vacinas e a utilização dele como “antena”, como é proposto pela notícia falsa, é um argumento inaceitável. Se pensarmos no consumo de peixes (inclusive enlatados), a concentração do metal no organismo humano é um dado real, contudo, não teria necessidade de aplicação do metal em vacinas como função de antena transmissora de dados, pois esse metal já tem ampla distribuição. O corpo humano já possui uma quantidade relevante de metal devido a outras fontes, como a queima de combustíveis e poluição industrial, tanto no ar quanto na água. Negar a vacinação com esse argumento é um contra senso moral e científico. Portanto, a vacinação continua sendo o melhor meio de se prevenir de uma doença infectocontagiosa, e a próxima vacina contra o SARS-CoV-2, independente do laboratório que produz, é a melhor forma de conter a pandemia e prevenir o surgimento de sequelas em pacientes ou em casos mais graves o óbito.
Luciferase
A luciferase é uma proteína (enzima) encontrada naturalmente em vaga-lumes (Figura 5.1), plâncton (Figura 5.2), bactérias, fungos e outros . Essa enzima é responsável por transformar energia química em energia luminosa, a bioluminescência, utilizando como substrato a luciferina (um ácido carboxílico). A reação entre a luciferase e luciferina é responsável pelo efeito brilhante como visto nas fotos. A luciferina é encontrada em algumas espécies, mas não está presente no ser humano. Esse efeito de bioluminescência é usado como uma ferramenta biológica em pesquisas de laboratório, com a função de marcar e quantificar algum componente das células, por exemplo uma proteína de interesse na pesquisa, através da inserção do gene chamado “Gene Reporter” em plasmídeos bacterianos, são sequências circulares de DNA específicos desses micro-organismo. Então, o pesquisador é capaz de avaliar o resultado do estudo em quantidade de luz emitida pelo produto do gene inserido no plasmídeo e que fabrica a proteína de interesse.
No site da empresa Promega, fabricante de materiais de laboratório e pesquisa, na seção “Reporter Gene Application”, a fabricante explica as possibilidades de utilização da bioluminescência, tais como analisar a capacidade de um gene (pedaço de DNA) em produzir proteínas, analisar as vias de sinalização entre as células, dentre outras aplicações. A notícia falsa traz o uso da luciferase como um componente das vacinas. Assim como o RNAm, a luciferase precisaria ser inserida no DNA humano para agir conforme os autores alegam. Como foi explicado anteriormente, esse material também não é capaz de se inserir no DNA humano, ficando evidente que esse tipo de argumento é falso e incorreto conceitualmente.
Outro aspecto que não pode ser esquecido é a necessidade da presença da luciferina para que a reação de bioluminescência ocorra, e como o ser humano não tem esse substrato, ele precisaria receber/ingerir para completar a reação (Figura 6.1). Na publicação mencionaram o composto NanoLuc® (Figura 6.3) como um gene que compõe as vacinas e que será transferido para o ser humano. Mas esqueceram de verificar de modo aprofundado como ocorre o funcionamento desse método, que necessita do substrato furimazina (um outro tipo de luciferina) para a reação de emissão de luz, pois o gene sozinho não tem aplicação prática. Segundo a Promega, desenvolvedora do NanoLuc®, ele apresenta um sistema sinalizador que aumenta a sua degradação intracelular, sendo esse um fator crucial para a utilização do mesmo nas análises de resultados em experimentos científicos, evitando a interferência deste no resultado da análise. Se fosse mesmo usado como forma de rastrear as pessoas, como sugere a falsa publicação, o sistema de degradação seria um contrassenso, pois a durabilidade seria muito pequena, em torno de 20 minutos.
Para tentar dar credibilidade ao argumento, os autores da notícia falsa relatam que pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) utilizam essa técnica da bioluminescência. E realmente, essa técnica é amplamente utilizada em laboratórios de pesquisa, sendo necessário apenas a compra dos reagentes de testes. Inclusive, um estudo publicado pela Agência FAPESP em 2005 apresenta uma patente emitida pelos pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) em que usam a enzima luciferase como indicador de pH intracelular em bactérias (Figura 6.2). Então, apesar de usar termos e fatos corretos, a correlação e conclusão entre esses reagentes e as vacinas não existe, é FALSA.
É preciso deixar claro que nem toda patente autorizada será convertida na prática, muitas dessas patentes são formas de garantir que o proprietário seja recompensado financeiramente por sua descoberta em um momento posterior, nada mais justo. Sobre a patente , é preciso fazer uma leitura parcimoniosa ou com uso de um bom tradutor visto que o relatado pela falsa notícia não está descrito em nenhuma parte do material. No resumo da patente é explicado a invenção de um sistema de bioluminescência por meio da luciferase que é responsável por aumentar a sensibilidade de detecção em kits de teste de exames, no caso para exames de sangue e urina (conforme a classificação da patente). Outra característica que não pode escapar ao verificador mais atento é que a invenção utiliza amostras de material biológico, diferente do mencionado pelos autores da notícia falsa que seria usado diretamente em humanos. E para que essa invenção tenha melhores resultados, a amostra precisa ser incubada com uma mistura de reagentes responsáveis por viabilizar a reação esperada, sendo portanto, inviável na prática cotidiana. E por último a requisição para a patente foi feita pelo PerkinElmer Life and Analytical Sciences BV . Essa empresa é uma multinacional norte-americana sediada em Massachusetts que atua em biotecnologia, medicina, análise ambiental e componentes para satélites, e existe uma filial brasileira atuando inclusive na distribuição de testes diagnóstico para SARS-COV-2. Portanto, é justo afirmar que toda a análise apresentada na checagem é FALSA.
Criptomoedas
Como mencionado no tópico anterior, as patentes são uma forma de garantir retorno monetário para o inventor/descobridor da inovação tecnológica. A patente referida no texto existe e pertence à Microsoft, e os inventores da tecnologia são Dustin Abramson, Derrik Fu e Joseph Edwin Johnson Jr. Ela está publicada no site da Organização Mundial para Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO) com o número WO/2020/060606, data de publicação 26/03/2020, intitulada como “criptomoedas usando dados de atividade corporal” (tradução livre). Essa patente foi registrada em vários estados americanos e regiões como África, Eurásia e Europa. Na publicação não foi possível verificar menção à Oceania, América Latina e inclusive o Brasil, portanto, o alcance dessa provável tecnologia não seria mundial, até o momento. Outro fato importante para salientar é que na descrição da patente é mencionado o termo “DEVICE ” que traduzido de forma correta são dispositivos usados pelas pessoas, como smartphones, smartwatches, pulseiras eletrônicas e outros equipamentos. Esses são os responsáveis pela captação de sinais da atividade corporal.
Essa patente é a perfeita expressão de como a tecnologia evolui para minimizar gastos em outros aspectos, como energia. No caso da ação de “mineração” usando atividade corporal, como calor e ondas cerebrais, a finalidade seria usar o corpo como fonte de energia para o processo de mineração computacional. O que seria “mineração”? Explicamos: as criptomoedas podem ser, além de adquiridas através da compra e venda, mineradas, utilizando processamento do computador. Quanto mais potente o computador, e quanto mais tempo dedicamos para esta tarefa, mais criptomoedas geramos. Inclusive, mais e mais computadores pessoais são invadidos por hackers não para roubo de dados, mas sim para usar o poder de processamento desses computadores para mineração de criptomoedas.
Assim fica mais fácil entendermos por que a Microsoft faria uma patente que utiliza a energia de nosso movimento para a mineração de criptomoedas, afinal, é uma ótima ideia. Já temos, há um bom tempo, relógios de pulso sem pilha , que funcionam apenas com o movimento de nosso corpo. Voltando então à patente da Microsoft: uma tarefa é designada para os dispositivos que o consumidor usa, celular, relógio e outros, que captam a atividade corporal como fonte de energia e assim processam as tarefas economizando energia dos data centers, que são centros de processamento de dados que consomem uma enorme quantidade de energia. Então, o usuário do equipamento será o responsável pela economia de energia de processamento e pode receber como recompensa criptomoedas devido ao simples fato de acessar anúncios, acompanhar as redes sociais, assistir vídeos e ouvir músicas.
Em nenhum momento na patente foi informado o uso dessa tecnologia com a finalidade de controlar o corpo humano por meio de nanorrobôs. O que mais assombra é o desperdício de energia para se criar uma notícia falsa e além do mais propagá-la. Talvez uma tecnologia como a apresentada pudesse utilizar esse gasto energético de um modo mais proveitoso para a humanidade do que os falsos checadores.
Conclusão
Um alerta responsável frente a tudo que foi apresentado por essa publicação falsa é a necessidade da vacinação da população contra a COVID-19 e outras doenças que possuem vacinas como mecanismo de proteção. Salientamos que o movimento anti-vacina utiliza de ferramentas amedrontadoras, como a criação de notícias inverídicas com ares de verdade e um grande apelo para que essas notícias falsas sejam disseminadas o mais rápido possível. Devido a esse método inescrupuloso, uma análise bem fundamentada é o caminho mais correto, abastecendo a população com informações verdadeiras e de qualidade. É recomendado seguir as escalas de evidência científica, evitando opinião de “especialistas” (menor poder de comprovação) e se apoiar em estudos ou fatos retirados de fontes confiáveis.
Não é possível fazer uma ligação do uso de luciferase em vacinas, pois o ser humano não produz essa enzima e não tem o substrato para completar a reação. Portanto, mesmo que fosse injetada, com o tempo ela seria consumida para gerar a bioluminescência e seu efeito acabaria rapidamente. Ela não faz parte da vacina de RNA porque esse material não consegue se integrar no DNA humano, além da instabilidade do material, que é um obstáculo logístico de armazenagem da vacina. Então, como verificado, o argumento citado pelos autores, de que a luciferase na vacina seria utilizada para rastrear uma pessoa que tomou a vacina não tem aplicabilidade prática. Assim como o argumento de que o RNA mensageiro presente nas vacinas poderia ser capaz de alterar nosso DNA. E, conforme as explicações expostas aqui, afirmamos que nossa análise foi profunda no assunto e não foram apenas pinçados alguns elementos para construir uma narrativa imaginária.
Sobre redes 5G, metais e criptomoedas, não é possível fazer uma ligação tão engenhosa como a declarada pelo vídeo da Dra. Northrup e pela checagem. O exposto em toda a análise não indica associação lógica entre tantos fatores mencionados e a finalidade de perseguição da população, ou mesmo “escravizar”. Como dito anteriormente, existem outros meios que poderiam ser usados, como a localização do usuário por meio do cartão de crédito e smartphones. Além de tudo que foi exibido resta uma dúvida, como acreditar em um vídeo, tirado do contexto e disponibilizado por um site que aparenta ser de divulgação de notícias fantasiosas. Estamos alertas!
Referências das Imagens
[2] Tecnologia 5G
5G no Japão: SoftBank é a primeira a lançar internet ultra rápida
https://www.oficinadanet.com.br/tecnologia/26306-quais-os-riscos-do-5g-para-a-nossa-saude
[3] Dogma Central
[4] Bioluminescência, vagalume, experimento
Reprodução autorizada da Rede Análise Covid-19
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Fonte
O post “Checamos: Vacina RNA, Metais, Enzima Luciferase, 5G e Criptomoedas” foi publicado em 23rd December 2020 e pode ser visto original e diretamente na fonte