Mais de cinco anos se passaram desde o rompimento da barragem do Fundão, pertencente à Samarco Mineração, no município mineiro de Mariana, porém os cerca de 10 milhões de metros cúbicos rejeitos de minérios, liberados pelo acidente, ainda jazem no fundo do reservatório da usina Hidrelétrica Risoleta Neves, mais conhecida como Candonga. Localizada no rio Doce, na divisa entre os municípios de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, em Minas Gerais, ela está inoperante desde então. E sem previsão para voltar a funcionar.
A jornalista e escritora Cristina Serra, autora do livro “Tragédia em Mariana: A história do maior desastre ambiental do Brasil” , lembra que a maior parte da lama da barragem do Fundão foi parar no rio Doce e por ele desceu até o lago de Candonga, 110 quilômetros abaixo do local do acidente. “Estimo que cerca 70% dos rejeitos que caíram no rio foram contidos pela barragem da usina”, conta.
De acordo com ela, a lama assoreou completamente o lago da hidrelétrica. “Na época, havia também muito receio do rompimento dessa barragem da usina, o que não ocorreu”, diz. “Ela segurou uma quantidade absurda de lama e de material sólido – porque ele levou junto tudo que encontrava pelo caminho, casas, equipamentos, veículos, carros, ônibus e até corpos de vítimas. E essa lama está lá até hoje”.
Esses rejeitos causaram impactos ambientais (fauna e flora), econômicos e sociais para os municípios e comunidades locais. “As consequências para fauna foram, principalmente, para os peixes, que tiveram grande mortandade”, diz Rodrigo Ribas, superintendente de Projetos Prioritários da Secretaria Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), de Minas Gerais “Além disso, com a paralisação da UHE foi também interrompido o sistema de transposição deles [subida para o lado de cima da barragem, para desova]”.
Quanto à flora, diz ele, o impacto da passagem da lama, da abertura repentina das comportas e das obras emergenciais, foi a desestabilização das margens, o que resultou no desabamento de taludes e, com isso, a destruição de vegetação e intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APP). “Já para a comunidade houve significativa alteração no modo de vida”, acrescenta. “Afinal, comunidades que viviam de pesca e faiscação [extração de ouro e metais preciosos no rio] não puderam mais desenvolver suas atividades”.
Além disso, houve redução na geração de impostos com a paralisação da operação da hidrelétrica. “Existe um auxílio emergencial no âmbito do Comitê Interfederativo (CIF) para a comunidade atingida, mas a Semad não participa destas tratativas”, diz Ribas. “Também há o impacto das obras emergenciais e de recuperação, que já ocorrem há cinco anos”.
Segundo Antônio Faria Fortini, coordenador Geral do Projeto de Assessoria Técnica Independente Centro Alternativo de Formação Rosa Fortini, uma organização não governamental que presta apoio jurídico e social aos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão, são vários os impactos socioeconômicos causados pelo desastre. “Ele inviabilizou, de forma definitiva, ofícios, práticas de trabalhos realizadas ao longo de gerações e relações imateriais de pertencimento, tais como a faiscação, do uso do rio como espaço de lazer e recreação gratuito, notadamente para ações de turismo e esportes náuticos, dentre outras perdas imateriais’, explica. “Além da paralisação completa da geração de energia na usina, causando desemprego dos seus funcionários e também da geração de recursos desta atividade para os municípios de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado”.
No caso dos impactos ambientais, apesar deles serem perceptíveis, ainda não se sabe a sua dimensão exata. “As características físicas, químicas e biológicas do rejeito que está depositado no reservatório e na calha do rio e no lago ainda são desconhecidas”, explica Fortini. “Não há estudos conclusivos dos impactos na fauna e flora aquática, bem como do contato com a água para a população ou mesmo os efeitos se utilizada para irrigação de cultivos agrícolas ou para os animais. Isso é motivo de constante preocupação da comunidade atingida, quanto aos malefícios à saúde e ao meio ambiente que este sedimento pode ocasionar”.
Além da incerteza científica sobre o uso e a qualidade da água e do pescado para consumo humano, prática tradicional no Rio Doce e no Lago de Candonga, e do risco e das limitações ao fornecimento de água aos animais de criação e irrigação de cultivos agrícolas, Fortini comenta que há também relatos de aumento de desequilíbrio ambiental nas comunidades e propriedades da calha do rio e lago, como o aparecimento significativo de mosquitos. “Isso tem causado aumento de doenças transmitidas, como febre amarela e dengue, surto de febre maculosa [doença do carrapato], aparecimento de peixes com alteração morfológicas”, diz. “Além da alteração em si de toda dinâmica do rio e do reservatório pelo assoreamento causado pelo rejeito”.
De acordo com Fortini, perdura a mesma inatividade do reservatório e da usina até o momento. “O lago foi rebaixado ao nível do rio com as comportas abertas”, explica. “Ao longo dos cinco anos foram construídas estruturas de barramentos metálicos na água para retenção e redução da mobilidade do rejeito, além de obras de manutenção e reforço da estrutura do reservatório, encostas e da manutenção e equipamentos da usina. Atualmente encontra-se em curso no órgão ambiental do Estado a análise do processo de licenciamento – LOC [Licença de Operação Corretiva], referente ao conjunto de ações e obras já executadas e que ainda serão realizadas para execução dos cenários de remoção dos rejeitos, visando a retomada das atividades da UHE”.
Independentemente disso, Fortini diz que a pergunta que as comunidades atingidas fazem diariamente é por que em cinco anos o problema ainda não foi resolvido.
“A falta de respostas assertivas só tem aumentado ainda mais o sofrimento dessas famílias”, conta. “A demora em apresentar soluções efetivas, que proporcionem segurança às famílias, aumenta o sentimento de insegurança e os conflitos entre a comunidade e a Fundação Renova e suas mantenedoras”.
De acordo com ele, não se está nem falando de uma resposta pronta, uma vez que até então as comunidades não haviam vivenciado desastre como este. “Mas a lentidão, falta de transparência e diálogo com a comunidade atingida, através de um complexo sistema de governabilidade dos trabalhos, leva à pouca efetividade das ações técnicas e muita insegurança aos atingidos”, explica. “Uma construção dialogada e respeitosa poderia ser menos danosa e dolorida, porque no fundo o que todos desejam é um processo de reparação eficaz e benéfico para a população atingida, e que poderia estar sendo referência para evitar novas tragédias como foi a de Brumadinho e já anunciada para várias barragens em estado de alerta em Minas Gerais”.
A Fundação Renova, criada pela Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco, para lidar com as consequências do acidente e redimir os danos, não quis dar entrevista, mas se posicionou por meio de uma nota, enviada a ((o)) eco por sua assessoria de imprensa, que segue abaixo:
“A UHE Risoleta Neves, também conhecida como Candonga, está localizada nos municípios de Rio Doce e de Santa Cruz do Escalvado, em Minas Gerais. Cerca de 9,6 milhões de metros cúbicos ficaram retidos na área da usina após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015. Logo após desastre, foram retirados aproximadamente 960 mil metros cúbicos de rejeitos em um trecho de 400 metros e dispostos em áreas no entorno do lago.
Para a contenção de rejeito que ainda poderia chegar à usina, foram construídos três barramentos metálicos dentro do próprio reservatório.
Nos estudos ambientais elaborados foram avaliados os impactos de três cenários de dragagem dos rejeitos. Estes cenários foram submetidos a análise do órgão ambiental por meio do processo de licenciamento ambiental para que assim possa ser definido aquele que permita a recuperação ambiental da área e o retorno operacional da UHE aliado às melhores condições de controle dos impactos socioambientais decorrentes das atividades. Após a conclusão do processo de licenciamento, será definido o cenário a ser implantado.
A retirada do rejeito do reservatório da UHE depende, entre outros fatores, de um adequado local para sua destinação. Esse local seria a Fazenda Floresta. Entretanto, as estruturas necessárias e a própria operação (processo de retirada, tratamento dos efluentes e disposição final dos rejeitos drenados) encontram-se em processo de Licenciamento Ambiental. A partir dessa autorização, as atividades poderão ser iniciadas.
O material proveniente da dragagem – uma polpa formada por 80% de água e 20% de rejeito, aproximadamente – será depositado em pilhas de material seco, que passará por análises e recuperação ambiental. A água que sobra da dragagem será tratada e devolvida para o rio, atendendo todas as normas vigentes.
Paralelamente, está em andamento a limpeza das entradas e saídas das turbinas da hidrelétrica para possibilitar a recuperação de sua casa de força e garantir que cada gerador tenha plena capacidade de operação quando o lago for novamente cheio. Esse trabalho envolveu a atuação de mergulhadores que ajudaram a identificar e a retirar manualmente os detritos que comprometiam o funcionamento dos equipamentos.
Em outubro de 2020 a Fundação Renova realizou a Audiência Pública de regularização ambiental das obras de dragagem e disposição de rejeitos na Fazenda Floresta e recuperação das margens e setores (UHE RISOLETA NEVES). Na ocasião, todas as informações sobre o processo de licenciamento estiveram disponíveis à comunidade e demais órgãos e instituições intervenientes, a fim de que as conclusões deste Estudo de Impacto Ambiental fossem apresentadas e todos tivessem a oportunidade de participar deste processo. O mesmo será votado pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam)”.
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O post “Após 5 anos, rejeitos da Samarco ainda estão no lago de hidrelétrica” foi publicado em 29th November 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco