A atividade “ecoturismo” e “turismo de aventura” cresceu vertiginosamente no Brasil: de pouco mais de 200 guias cadastrados em 2006 no Ministério do Turismo (MTur), para estas categorias, hoje são mais 10.000. E claro, junto com este aumento, também aumentou a presença feminina das montanhas. A nossa vivência mostrou que, de acompanhantes do namorado ou marido, agora as mulheres vão escalar, caminhar e se aventurar sozinhas ou com outras mulheres.
São poucos os dados estatísticos para corroborar esta afirmação baseadas no gênero. O Censo do Montanhismo realizado por Marcelo Sá, em 1998, indicou apenas 10% de mulheres. Dezessete anos depois, na pesquisa de Victor Carvalho (2015), o índice já apontava o percentual de quase 22%.
Se por um lado percebemos e vivenciamos este aumento, por outro, ainda encontramos comportamentos limitantes para as mulheres. Incentivar um menino a se aventurar na infância e motivar uma menina a brincar de boneca, continua sendo uma prática nos lares brasileiros. Mas se depender de mulheres que hoje ocupam o espaço no mundo outdoor, esta perpetuação está com os dias contados. Afinal, lugar de mulher é onde ela quiser – ou pelo menos deveria ser. Se não bastasse a crença de atividades “de menino” e “de menina”, a segurança para andar livremente é paralisante. Mas você vai sozinha? Esta é a frase que escutamos diariamente. Além da questão literal de sozinha significar apenas uma pessoa, esta pergunta traz, escondida, o questionamento se não há a presença masculina junto. Não é só a integridade física da mulher, do risco de sofrer violência que é levantada, a sua capacidade de fazer a atividade, sendo uma mulher, também é questionada. Inclusive por outras mulheres.
Quando extrapolamos e pensamos na representatividade feminina no Congresso, a disparidade fica gritante. Num universo de 500 deputados, apenas 77 são mulheres. Se formos além pensando na representatividade das mulheres em cargos de liderança, apenas falando em ICMBio, temos no alto escalão (presidência e diretorias) apenas homens.
Mas nem tudo continua nos paralisando, muito pelo contrário. A indústria de equipamentos acordou para este público específico, afinal a anatomia humana e design de produtos precisam dialogar. Se antes não havia mochilas que levavam em consideração as nuances do corpo feminino, temos hoje uma infinidade de artigos especializados.
Outro avanço comemorado é a presença de mulheres ocupando cargos de organizações relacionadas, como a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, a Federação de Montanhismo e Escalada do Estado de Minas Gerais e tantos clubes de montanhismo pelo Brasil. A Rede Brasileira de Trilhas também conta com a participação ativa de mulheres em diversas iniciativas como a Trilha Transcarioca e a Trilha Transespinhaço.
Os benefícios de uma (re)descoberta de áreas que possuem atrativos naturais, culturais e históricos nas cidades, desperta não somente a curiosidade por paisagens panorâmicas como também proporciona uma oportunidade de conhecer o território por outras perspectivas. Nesse ensejo, planejar para oferecer com segurança caminhos que sejam apropriados para uma diversidade de atores — e atrizes! –, assim como de usos, é um desafio que os gestores possuem para garantir um acesso igualitário aos espaços naturais.
Alguns percursos são usados exclusivamente por caminhantes ou ciclistas, mas existem também os trajetos compartilhados, e garantir a integridade física dos visitantes que possuem variadas habilidades de orientação e de esforço físico é fundamental para a satisfação de todos. Ainda, com a propagação de imagens veiculadas nas redes sociais de mirantes e promessas de aventuras, é preciso tornar os trajetos sinalizados, com os leitos definidos e apresentados de maneira que o usuário possa eleger o melhor destino para sua vivência, torna-se fundamental para evitar acidentes e imprevistos.
Um relato de trilheira
Desde que me lembro estou fazendo trilhas e subindo montanhas. Eu nasci e me criei na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, local com parques e áreas naturais incríveis, e desbravar a mata e alcançar os cumes de alguns morros era o meu lazer de fim de semana. Lembro que eram poucas as meninas que faziam isso e, quase sempre, acompanhadas de meninos. Eu me aventurava sozinha muitas vezes — o que me fez alvo de muitas críticas à época, mas também me deu muita vontade de mostrar que eu podia estar ali. O tempo passou, fui conhecendo mais e mais pessoas que faziam as atividades de montanhismo e a simbiose com a natureza se consolidou.
“Mas você vai fazer trilha sozinha?” era quase um mantra na minha vida. “Sim, por que não?”. E segui me aprimorando, aprendendo e me tornando mais apta ao montanhismo, atenta aos cuidados e à segurança da atividade, com um olhar mais aguçado às questões femininas neste ambiente. Eu realmente me incomodava em ver tão poucas mulheres nas trilhas e me perguntava o que fazer para atraí-las.
Tornar-me voluntária ambiental numa Unidade de Conservação foi um passo tão natural que, quando dei por mim, já voluntariava em dois parques. Imagina que perfeito: unir a paixão pelo montanhismo com o amor pela natureza, cuidando do espaço que uso para me conectar com o planeta! E o trabalho voluntário no Parque Nacional da Tijuca e na Trilha Transcarioca me abriu uma oportunidade real para engajar cada vez mais mulheres na natureza e mudar a ideia de que mulheres não são protagonistas neste universo.
Passamos a apoiar e a criar ações para que mulheres atuassem como voluntárias, muitas vezes levando seus filhos pequenos para o ambiente natural. É preciso desmistificar a ideia que a área natural não é lugar de mulheres e seus filhos pequenos, pois isso nos prende em casa! Carreguei meu filho por muitas e muitas montanhas comigo. Hoje, na Trilha Transcarioca, temos centenas de montanhistas que caminham sozinhas ou em grupos de mulheres com seus filhos ainda pequeninos, iniciando esta nova geração nas trilhas; e várias mulheres que trazem seus filhos, afilhados e sobrinhos para as ações voluntárias. Todo este movimento enraíza o senso de pertencimento, esse poderoso sentimento que nos move adiante no desafio de conservar e preservar o meio ambiente.
Passamos de mulheres que acompanhavam namorados e maridos nas atividades de montanhismo e voluntariado para aquelas cujos namorados e maridos as acompanham montanha acima, reflorestamento a frente. Existem cuidados sim, a serem tomados por qualquer montanhista quando em uma área natural e, como mulheres, talvez tenhamos que ligar um alerta ainda mais atento. Mas as mulheres nas trilhas estão ganhando o mundo de forma inquestionável e o empoderamento está trazendo cada vez mais o respeito que precisamos.
Homens, lembrem-se vocês nascerem de uma mulher que teve que te cuidar, amamentar e proteger. Mulheres criem e eduquem seus filhos em igualdade! A revolução será feminina!
Assista aqui a live da Rede Brasileira de Trilhas especial das mulheres:
*Sobre as autoras:
Amanda Jevaux é subsecretária de Meio Ambiente no município de Niterói
Giselle Melo é presidente do Centro Excursionista Mineiro (CEM)
Larissa Diehl é analista ambiental do ICMBio
Luciana Nogueira é fisioterapeuta desportiva, voluntária e coordenadora de comunicação social da Trilha Transcarioca
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O post “Mulheres na trilha e na conservação” foi publicado em 2nd November 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco