Ao longo dos dois últimos anos, vivemos um agressivo processo de diminuição da capacidade de controle dos órgãos ambientais federais e também nas diversas instâncias estaduais. A bandeira do “desenvolvimento a qualquer custo” passa a representar uma nova fase de avanço indiscriminado e irresponsável sobre o patrimônio natural brasileiro. As atividades de alto impacto, como mineração, desmatamento e abertura de frentes agrícolas – que já se encontravam muito além de seus limites – avançam de forma exponencial, estimuladas pela atual gestão pública.
Juntando-se a isso, eventos climáticos extremos têm amplificado os impactos negativos da ampla degradação do território, especialmente, em biomas como a Amazônia e o Pantanal, com o advento de queimadas criminosas de grandes proporções. Ao contrário do que diz o discurso governamental, os avanços do desmatamento e das queimadas não são mera continuidade de práticas correntes. São fenômenos intensamente incrementados pelo estímulo do governo, que atua de forma criminosa contra a maior parte da sociedade brasileira. Adicionalmente, eventos extremos têm causado efeitos drásticos em todos os biomas brasileiros, a exemplo do ciclone bomba de julho e dos dois tornados de agosto, que impactaram o Sul, em especial Santa Catarina, e deixaram um rastro de destruição na Mata Atlântica.
A cena brutal e descabida de onças-pintadas, com as patas queimadas pelo fogo, prostradas em meio às cinzas da floresta, atingidas pelas queimadas que avançam sem controle no Pantanal, esfrega na nossa cara a realidade que não dá mais para esconder: todos temos responsabilidade sobre esses eventos que assolam o país. Como chegamos a uma condição dantesca em proporções de impacto continental?
Observar onças-pintadas, símbolo maior de um dos biomas mais belos e importantes do planeta, morrerem lentamente no meio de queimadas provocadas intencionalmente e em grande escala, mostra que nossa condição de civilidade está num patamar muito abaixo do mínimo aceitável. Também nos permite uma avaliação mais realista do que estamos fazendo com a natureza e com o futuro de nosso país. Se quisermos mudar, não será com as retóricas e com os padrões falsos atualmente praticados.
O cenário de descontrole e total inconsequência do governo federal e de outras instâncias da sociedade reflete uma necessidade imediata de mudanças. Não há mais justificativas para a manutenção de uma situação tão caótica, pois todos os limites do aceitável foram ultrapassados. E muito. Estamos sendo profundamente prejudicados por uma gestão pública imoral e inconsequente.
A sociedade precisa remover da representação política todas as figuras culpadas pelo quadro atual, por ação e omissão. As mudanças de maior alcance terão de ocorrer em 2022, mas o momento das eleições atuais (para prefeitos e vereadores) precisa representar um passo determinante. Trabalhemos ativamente para que a sociedade não (re)eleja os responsáveis ou parceiros de tantos crimes. Muitos estarão, em breve, pedindo nossos votos, ao mesmo tempo em que continuarão apoiando as pautas destruidoras de nosso patrimônio natural.
Mas não há tempo a perder. Recompor imediatamente uma condição de norteamento adequado das políticas ambientais e de proteção do patrimônio natural é uma obrigação dos brasileiros e de todas as suas instituições, públicas e privadas. Esta recomposição deve ter início com a saída imediata do atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, responsável direto pela pior crise ambiental da história do Brasil, por assumir uma conduta radicalmente contrária à sua missão na posição que ocupa indevidamente.
Configura uma agressão sem limites a presença de um ministro responsável por dar apoio à políticas que assassinam onças-pintadas e uma infinidade inimaginável de outros elementos da fauna e flora do Brasil. E que limita e compromete, de forma inconsequente, a disponibilidade de serviços ecossistêmicos, dos quais não podemos abrir mão, se quisermos ter esperanças reais de um futuro melhor para todos nós.
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O post “A agonia insuportável da onça-pantaneira é a nossa” foi publicado em 28th September 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco