As queimadas que assolam todo o Pantanal brasileiro já atingiram 85% do território com a maior concentração de onças-pintadas no mundo por km². Há pouco mais de uma semana, o Parque Estadual Encontro das Águas, no Mato Grosso, tem sido triste palco do encontro das chamas. Ao sul e ao norte da área protegida, os incêndios avançam à revelia dos esforços de bombeiros, brigadistas e voluntários que tentam não apenas deter o fogo, mas também salvar os animais que milagrosamente conseguem escapar com vida. Análise feita pelo Instituto Centro de Vida (ICV) aponta que 92 dos 108 mil hectares do parque foram queimados até esta última segunda-feira (13).
“É um cenário que parece que vai sobrar só água”, lamenta Vinícius Silgueiro, engenheiro florestal que coordena o Núcleo de Inteligência Territorial do ICV. O pesquisador foi um dos responsáveis por fazer a interpretação das imagens do satélite Sentinel, usadas para calcular a extensão da área afetada pelo fogo no parque estadual.
“Eu fico pensando na próxima imagem, o que vai ser desse meio [do parque] que ainda ficou sem queimar. Quando eu fiz o mapeamento eu consegui identificar chamas grandes, a frente de fogo é muito grande. Em poucos dias vai ter consumido até chegar na beira do rio Cuiabá”, comenta em referência ao rio que corta a unidade de conservação ao meio, onde muda de nome para rio Canabu.
Segundo ele, a situação caótica do bioma ilustra a falta de planejamento e a ação tardia dos governos no enfrentamento das queimadas. “O Pantanal já vinha registrando essa seca desde o início do ano. Todos os meses a média de focos de calor, desde janeiro, fevereiro, março, que são meses de chuva, já estavam acima da média histórica. E quando a gente entrou efetivamente no período de seca, em julho, já deveriam ter se tomado ações, se mobilizado, se planejado”, aponta o pesquisador.
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De acordo com a Nota Técnica publicada pelo ICV no início de setembro, o fogo já atingiu 1,7 milhão de hectares do estado de Mato Grosso em 2020, o equivalente a onze vezes o tamanho da cidade de São Paulo. “Quase 15% do bioma já foi consumido no estado. E mais de 2.3 milhões de hectares em todo Pantanal”, reforça Silgueiro. O coordenador lembra que faltam apenas duas semanas para o final do período de uso proibitivo do fogo em âmbito estadual, caso o prazo não seja estendido de forma preventiva. “Em outubro normalmente já começa a chover”, indica hesitante, incerto sobre como a situação climática irá se desdobrar na região.
Segundo o boletim mais recente do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso sobre a Operação Pantanal II, ao qual ((o))eco teve acesso, detalha que “as equipes continuam empenhadas no combate aos incêndios florestais que estão ativos nos entornos do SESC Porto Cercado, da Estrada Parque Transpantaneira e Parque Estadual Encontro das Águas”. No parque, há também uma guarnição no apoio aos Posto de Atendimento Emergencial aos Animais. A nota detalha ainda que quatro aeronaves estão sendo utilizadas para fazer o combate aéreo, conjuntamente com uma ação por terra que visa conter o avanço da linha de fogo no setor Norte da Transpantaneira. O efetivo total é de 159 profissionais, entre bombeiros de Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, militares da Marinha, brigadistas do ICMBio e funcionários do Sesc Pantanal.
O Parque Estadual Encontro das Águas está localizado ao sul do Mato Grosso e é cortado pela Transpantaneira ao norte e pela fronteira com o Mato Grosso do Sul e pelo rio Piquiri ao sul. O território é cortado por rios e o acesso à área protegida é feito apenas por via fluvial.
Situação de emergência é decretada no estado
O avanço descontrolado do fogo se repete no resto do estado de Mato Grosso que, conforme foi reconhecido pelo governo federal nesta quarta-feira (16), está em situação de emergência devido aos incêndios florestais (Portaria nº Nº 2.448 ), assim como o seu vizinho, Mato Grosso do Sul.
Segundo dados do Programa de Queimadas, do INPE, em todo o estado mato grossense já foram contabilizados 34.629 focos de calor em 2020, entre os dias 1º de janeiro e 15 de setembro. Isso representa um aumento de cerca de 44% em comparação com o mesmo período em 2019, e já é o maior registro da década para o estado, mesmo a mais de 3 meses do final do ano. Apenas na primeira quinzena de setembro foram 15.023 focos.
“A situação no estado do Mato Grosso está bastante crítica. Já ultrapassamos o ano passado, que fechou até dezembro com 31.169 focos. E 2019 já foi um ano crítico. Infelizmente ainda tem mais seca adiante e frentes ativas [de fogo]. A gente identifica muito fogo para renovação de pastagens, mas também incêndios que estão em áreas recentemente desmatadas e diretamente em áreas de floresta”, aponta Vinícius Silgueiro. “Infelizmente tudo que tem sido feito agora tem sido insuficiente diante do problema”, acrescenta.
O Mato Grosso é um território com ocorrência de três biomas: Pantanal, Amazônia e Cerrado. A análise feita pelo ICV no estado indica que, até o dia 10 de setembro, a distribuição dos focos registrava 43% deles na porção amazônica, 29% no Cerrado e 28% no Pantanal.
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