Quais os elementos apresentados pelos governos para o fortalecimento da gestão das nossas unidades de conservação e outras áreas protegidas?
Basta a não extinção da Fundação Florestal do Estado de São Paulo? A extinção ou fusão de institutos de pesquisa do Governo de São Paulo é um passo no caminho certo?
Qual o futuro do ICMBio, do governo federal? A sua subordinação a outras instituições é legal, constitucional?
Reconhecimento de declarações, fatos, repercussões e ações
Estado de São Paulo
Há pouco mais de uma semana (dia 06 de agosto de 2020), ouvíamos relatos orgulhosos de autoridades governamentais sobre a gestão das nossas unidades de conservação do Estado de São Paulo . No dia seguinte escutamos um secretário estadual anunciar a extinção de várias instituições e departamentos do governo estadual, inclusive a Fundação Florestal , principal responsável pela gestão das nossas unidades de conservação do Estado de São Paulo. Poucos dias após surgiu a versão, supostamente revisada, do projeto de lei mencionado pelo secretário. O Projeto de Lei (PL) nº 529, de 2020, publicado no dia 13 de agosto, já não traz a proposta de extinção da Fundação Florestal (FF-SP), mas sim do Instituto Florestal (IF-SP), com passagem do restante das áreas protegidas para a FF e fusão da parte de pesquisa com outros institutos, os Institutos Geológico (IG-SP) e de Botânica (IBt-SP).
A ameaça de extinção da FF-SP gerou movimento impressionante, rápido e forte, da sociedade paulista, em defesa das nossas unidades de conservação, com apoio brasileiro e internacional. Essa reação incluiu várias cartas e notas públicas de cientistas , organizações (como Rede Pró-UCs , SPVS , Semeia , IPÊ , SOS Mata Atlântica e várias outras), políticos e personalidades e um abaixo-assinado que rapidamente chegou a mais de 8.000 assinaturas . E as manifestações seguem. Entre esses, foi enviado ao governador e ao presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no dia 11 de agosto, perto das 17:00, o “Manifesto contra a extinção da Fundação Florestal e em defesa da natureza, do bem-estar humano e das unidades de conservação, sob responsabilidade do Governo do Estado de São Paulo ”, elaborado por 84 personalidades das áreas ambiental e científica – o qual, depois de demandas, foi aberto para novas adesões (no link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSecx_E2_JEl4fzrpwh-c9ABlRyMKhPMhDja3JyGbQurDIR5hg/viewform ) e, sem muita divulgação, já conta com mais de 200 endossos complementares.
Apesar da comemoração de muitos pela não extinção da FF-SP, o PL nº 529, de 2020, do Estado de São Paulo , e demais últimos passos governamentais, na última semana, vêm sendo recebidos com apreensão por muitos, pela relativa desobrigação governamental e falta de participação social nas definição das suas diretrizes. O PL é muito amplo, mas aqui tratamos apenas da parte ambiental e algo da ciência associada. Caberia uma fusão entre Fundação e Instituto Florestais? Entre os servidores dessas instituições há preocupações com a capacidade de gestão das áreas protegidas sem o fortalecimento do quadro de pessoal. Poderia haver fusão entre os três institutos de pesquisa – Florestal, Geológico e de Botânica – em lugar da extinção de um deles? O PL também propõe a extinção da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, mas não deixa claro para onde e como serão destinados os animais e as suas pesquisas. Há também manifestação de cientistas sobre o risco a fundos das universidades e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) . E dúvidas sobre o futuro da regularização fundiária nas unidades de conservação com a extinção do Instituto de Terras de São Paulo (Itesp). Ou seja, não fica claro se há estratégias para o fortalecimento da conservação da natureza e da pesquisa científica. Algumas importantes questões se colocam sobre o que isso significa em relação ao fortalecimento da gestão das nossas unidades de conservação e outras áreas protegidas, que são nosso patrimônio natural e valores sociais associados.
Lembremos que logo no início deste governo estadual foi decidida a fusão da Secretaria de Meio Ambiente com outras , tendo, como consequência, a subordinação à outros temas, agora agrupados sob o lema da infraestrutura. Houve também o repasse de atribuições do meio ambiente para a pasta encarregada de assuntos da agricultura . Não raro escapa às discussões sobre essas decisões a necessária autonomia e, em alguns casos até independência, para tratar de temas relacionados ao licenciamento ambiental e a processos de autuação (ou apoio à autuação) em infrações ambientais, além da sempre lembrada necessidade de protagonismo político frente às graves crises que vimos enfrentando, seja climática e ecológica, seja de saúde – esta também consequência daquelas.
Governo Federal
Ao mesmo tempo, no governo federal, vemos que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – a autarquia responsável pela gestão das unidades de conservação federais , inclusive sua biodiversidade e populações tradicionais extrativistas a elas associadas, e a avaliação do estado de conservação das espécies ameaçadas no Brasil – perde progressivamente a relativa autonomia que tinha, inclusive com relação à fiscalização ambiental, às parcerias e concessões de serviços de apoio à visitação, além da falta de perspectivas em termos orçamentários e de pessoal.
A ultima reforma da estrutura do Ministério do Meio Ambiente (MMA), pelo Decreto nº 10.455, de 2020 , foi inicialmente festejada por alguns pela volta do tema do clima (Secretaria de Clima e Relações Internacionais). Curiosamente não foi tão comentada a volta do tema da Amazônia (Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais), quando sabemos que esse é o principal tema da discussão ambiental nacional e internacional, o qual vem sendo liderado pelo vice-presidente da Republica na sua função de presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal . Conselho esse esvaziado de participação da sociedade, assim como de outras representações além do governo federal . Similar ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) . Logo ficou claro para a opinião publica que tais movimentos são mais alguns pobres elementos na tentativa de fazer convencer, a quem quer que seja, de que há alguma prioridade ou atenção para resultados concretos nessas frentes. Supostas intenções que, contrastadas com os dados e os fatos, mostram-se completamente vazias de resultados .
Mas, para os interesses deste texto, vale verificar a criação da Secretaria de Áreas Protegidas, incluindo um Departamento de Concessões. Não bastasse o fato de que há múltiplas formas de parcerias para apoiar a gestão das unidades de conservação, sendo as concessões apenas uma delas, o MMA parece avançar sobre responsabilidades e competências do ICMBio. A principal função do MMA no tema das áreas protegidas deveria ser fortalecer o funcionamento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação como um sistema de fato, indo muito além da lei e da contabilidade das áreas protegidas , por exemplo fomentando a integração e a complementaridade dos subsistemas federal, estaduais e municipais e fortalecendo capacidades dos órgãos locais – pois deveríamos ter um verdadeiro “SUS Ecológico” funcionando de fato, em lugar de priorizar o avanço sobre o ICMBio.
Similar aos temas da Amazônia e da fiscalização, esse movimento avança sobre iniciativas que já haviam iniciado a redução de iniciativa e liderança do ICMBio sobre a gestão das unidades de conservação, fortalecendo papeis do Ministério da Economia e do BNDES , nas concessões, em lugar de fortalecer as capacidades do ICMBio, bem estabelecidas pelas Lei nº 11.516, de 2007 , e Lei nº 13.668, de 2018 , com experiência de décadas (vindo desde o Ibama) e crescente qualificação e bons resultados nos últimos anos.
Ainda mais grave, pois já mais direta e concreta, a redução da relativa autonomia do ICMBio e do Ibama perante suas funções de fiscalização , controle, autuação e julgamentos administrativos, como na sua subordinação à atuação das Forças Armadas , não parece ter base legal. Parecem ser ilegais, inconstitucionais, pois isso se contrapõem às funções e responsabilidades legais de cada instituição , a especialização na fiscalização ambiental. Além do mais, são antieconômicas, pois custam mais caro , e menos efetivas, pois apresentam menores resultados (como demonstra o crescimento do desmatamento da Amazônia). E aqui não foram explorados os desmandos e desautorizações que têm se tornado cada vez mais frequente nas frentes de fiscalização , controle e autuação de irregularidades e crimes ambientais.
Não bastasse a militarização do ICMBio, sobretudo com policiais militares – carreiras que merecem respeito e reconhecimento, mas não são especializadas na gestão das unidades de conservação –, tem havido progressivo ataque aos heroicos servidores do ICMBio e do Ibama, progressivo esvaziamento da especialidade e progressivo afastamento das ações, sobretudo no campo, nas áreas protegidas , além de assédio moral . Ainda que com resistência dos servidores e da sociedade, o processo em curso parece progressivamente pretender o enfraquecimento ou a eliminação de instituições ambientais especializadas , inclusive na gestão das unidades de conservação. Ao ponto que, recentemente um cientista perguntou: “Conseguirão os parques e reservas brasileiros sobreviver ao governo Bolsonaro? ”
Lembremos que, também neste caso, este governo federal atual iniciou sua transição com ameaças de extinção do ICMBio ou de fusão com outras instituições , com importante manifestação contrária por parte de personalidades da área ambiental , e do MMA, com forte reação da sociedade brasileira .
Muito em razão das reações, não houve as extinções, nem as fusões, mas o progresso que se seguiu tem sido de enfraquecimento institucional e das políticas públicas e ausência de boas estratégias para a conservação e gestão do nosso patrimônio natural e valores sociais associados.
Considerações complementares do especialista
As unidades de conservação e outros tipos de espaços territoriais especialmente protegidos, como define nossa Constituição Brasileira de 1988 , ou áreas protegidas, são o melhor instrumento que a humanidade já criou para a conservação da natureza e para o acesso da sociedade aos benefícios dessa natureza. (Ainda que isso se relacione com a insuficiência da sustentabilidade geral dos processos de desenvolvimento em geral.) Com as atuais crises de saúde, climática e de biodiversidade, isso é muito mais importante agora, e para o futuro, do que já foi no passado! Uma das questões que vem sendo cada vez mais colocada durante a pandemia é a importância da natureza para a saúde e o bem-estar da população humana . Essa relação já era conhecida , mas agora se fortalece. O acesso aos benefícios da natureza é um direito humano fundamental de terceira geração .
As unidades de conservação e outras áreas protegidas são patrimônios da sociedade e ativos do Estado, respectivamente União e Estado de São Paulo. Cabe à gestão das áreas protegidas buscar oferecer os melhores serviços à sociedade, com atenção à equidade social. Vejo com preocupação a sociedade e a mídia defenderem a Polícia Federal como instituição de Estado e não fazerem o mesmo com as unidades de conservação e as instituições que as administram. Ainda mais que as instituições ambientais têm (ou deveriam ter) funções que devem ter independência, como licenciamento ambiental e poder de polícia administrativa (para autuações e julgamentos administrativos). Muito disso segue definições da nossa Constituição Brasileira de 1988, além de outros diplomas legais. (Obrigado, constituintes e movimentos sociais!)
As obrigações e as diretrizes para as políticas públicas para a conservação da natureza e serviços dos ecossistemas estão relativamente bem estabelecidas na legislação nacional e estadual. Cabe aos respectivos governos a sua implementação, com o seu detalhamento e orientações concretas. Mas a gestão das unidades de conservação é composta de ações operacionais com significativo peso – pois são mais de 171 milhões de hectares, de terra e mar, protegidos pelo ICMBio, em 334 unidades de conservação , e mais de 4,6 milhões de hectares, protegidos pela Fundação Florestal, em 102 unidades de conservação (segundo o último relatório semestral divulgado há poucos dias), em benefício da sociedade brasileira e paulista. Isso representa um volume significativo de ações cotidianas de gestão, além da elaboração de planos e diretrizes e, cada vez mais fundamental, o estabelecimento e a gestão de múltiplas parcerias, com muitos atores sociais e em variados formatos. Por isso, é muito mais adequado que instituição pública da administração indireta faça a gestão das áreas protegidas, com relativa maior autonomia, flexibilidade e agilidade.
Dessa forma, defendo a gestão das unidades de conservação por instituições com relativa autonomia operacional (da administração pública indireta), respeitando a legislação e as políticas públicas. (Políticas públicas que devem ser definidas por governos, com transparência e real participação da sociedade.) Isso seria também positivo para o estabelecimento de parcerias e outras ações administrativas que sejam mais fáceis com essa relativa maior agilidade, com maior envolvimento social e maior qualidade de serviços prestados à sociedade, de forma mais equitativa. (Infelizmente, na prática, sua autonomia orçamentária, política e até administrativa é bem mais reduzida do que deveria.) Teoricamente esse é o caso do ICMBio e da Fundação Florestal, assim como em outros estados e propostas em municípios.
A redução da autonomia do ICMBio na liderança de processos de proposta, decisão e gestão de concessões de serviços de apoio à visitação nas unidades de conservação federais, assim como no caso da fiscalização, não vão na direção da boa gestão das unidades de conservação e a prestação de bons serviços à sociedade brasileira. As diretrizes de políticas públicas por parte da administração direta dos governos e o aporte da experiência de outras instituições, em outros tipos de concessão, para fortalecimento daquelas relacionadas com as áreas protegidas, entre outras iniciativas, devem ser sempre muito bem-vindas. Mas a redução da autonomia e a subordinação das instituições especializadas na gestão das unidades de conservação, não o são.
Não se trata de ser contra as concessões de serviços de apoio a visitação e outros, mas sim de compreender as concessões dentre as múltiplas possibilidades de parceria para fortalecer a gestão das unidades de conservação. E de fortalecer as parcerias e essa gestão. E, assim, de defender a importância e o fortalecimento das instituições responsáveis pela gestão das unidades de conservação, especializadas e com relativa autonomia.
Tampouco basta a não extinção da Fundação Florestal. Precisamos de uma gestão mais forte e com relativa autonomia das nossas unidades de conservação e outras áreas protegidas e de temas ambientais em geral. Na administração direta e indireta. Uma instituição ou mais instituições de pesquisa, governamentais, voltadas para temas de interesse ambiental pode ser interessante, se gerida com visão estratégica, transparência, capacidade transdisciplinar e boas condições de funcionamento. Mas, passar mais responsabilidades para as instituições e departamentos e ter menos pessoal, menos orçamento, menos autonomia e menos participação social, não é fortalecer, nem a conservação da natureza, nem a pesquisa científica, nem a participação social nos seus benefícios.
Sou a favor de maior autonomia, de projetos, de parcerias, de geração de receita etc. Mas não sou a favor da redução das obrigações governamentais, nem da ausência de clareza sobre elementos estratégicos. Motivos relacionados à redução do tamanho do estado, à economia no orçamento público, que parece mínima, e à alegada emergência, não podem se sobrepor a interesse estratégicos de Estado, patrimônio da sociedade, como a nossa natureza e a nossa ciência. No caso federal, precisamos de um ICMBio forte para a gestão do nosso patrimônio nacional, natural e sociocultural. E não subordinado a outras instituições, das áreas econômica ou militar. No caso estadual, precisamos da Fundação Florestal forte para adequada gestão das nossas áreas protegidas e instituições de pesquisa fortes que melhorem a gestão ambiental e os benefícios à sociedade.
Nos movimentos governamentais atuais, quais os elementos legais e administrativos e visões estratégicos para o fortalecimento da para a conservação da natureza, do bem-estar e saúde da população humana, do desenvolvimento da ciência e da gestão ambiental em geral?
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O post “Extinção ou fortalecimento? Qual o melhor caminho na gestão do nosso patrimônio natural?” foi publicado em 17th August 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco